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Nacional

EDITORIAL

Uma tragédia que se repete, mas não é natural

29 Nov 2008 | É assustador o tamanho da tragédia em Santa Catarina. Mais de cem mortos, 80 mil desabrigados e cerca de 1,5 milhãos de pessoas atingidas, um quarto da população do Estado. Doze municípios decretaram estado de calamidade pública e trinta e dois estão em situação de emergência. Cidades inteiras como Blumenau (que tem cerca de 300 mil habitantes), estão sem abastecimento de água. A comida que chega não é suficiente para alimentar a todos. Como sempre, os pobres e os trabalhadores, que na maioria das vezes são obrigados a morar nas regiões mais baixas ou ocupar áreas de risco como as encostas, foram os mais atingindos.   |   comentários

Era possivel evitar as mortes

O presidente Lula, enquanto sobrevoava Santa Catarina de helicoptero, se mostrou surpreso com o tamanho da “catastrofe” . Para ele, uma das piores que já aconteceram no Brasil. Mas infelizmente, tragédias dessa proporção não são raras em nosso país, nem sequer durante o governo Lula. Ao contrário, são um problema estrutural que em nada foi amenizado desde 2003. A cada temporada de chuvas as vítimas se multiplicam. No início do ano, em abril, as chuvas e inundações mataram mais de 35 pessoas e deixaram mais de cem mil desabrigados em estados do Nordeste. O próprio estado de Santa Catarina já foi atingindo muitas outras vezes pelas inundações. Em 1974, uma enchente no sul de Santa Catarina matou 199 pessoas e deixou 65 mil desabrigados. Na década de 80, a mesma região da bacia do Rio Itajaí que foi uma das mais afetadas agora, sofreu sucessivas inundações, com dezenas de mortos e centenas de milhares de desabrigados.

Mas não são as chuvas, e sim a política dos governantes que provocam as mortes. No caso de Santa Catarina, as chuvas começaram há meses e nenhuma medida preventiva foi tomada, sequer para retirar as pessoas que vivem em áreas de risco. Mas, além disso, muitas medidas poderiam ter sido tomadas há muito tempo para evitar que as chuvas se transformassem em tragédias. Desde a implementação de sistemas que alertem com antecedência sobre a possibilidade de enchentes (a tecnologia para isso já existe no Brasil há muito tempo), até medidas estruturais, como reformas urbanas profundas que acabem com as moradias precárias. No entanto, em mais de vinte anos, sucessivos governos nada fizeram para prevenir novas inundações e deslizamentos de terra se transformassem em desastres. Como sempre, são muito generosos consigo mesmos e com as grandes empresas e muito mesquinhos quando se trata de resolver os problemas que atingem principalmente os mais pobres. Não é de se espantar que as chuvas continuem provocando tantas mortes.

E com Lula não foi diferente. Mesmo batendo recordes de arrecadação em função do crescimento económico, no orçamento federal de 2008, aprovado por Lula, estavam previstos apenas 380 milhões de reais para obras de prevenção contra desastres. Mesmo assim, o governo gastou menos ainda do que estava previsto, apenas 97 milhões. Já para o pagamento da divida publica o governo Lula previa gastar cerca de 70 milhões... Por dia! Se pelo menos uma pequena parte desta fortuna tivesse sido destinada à obras de prevenção, as mortes poderiam ter sido evitadas.

Mais dinheiro para os bancos e as grandes empresas que para combater as inundações e socorrer as vítimas

De acordo com cálculos de técnicos do governo de Santa Catarina, chegam a três bilhões de reais as perdas “coletivas” diretas no Estado (destruição da malha viária e da infra-estrutura das cidades). Sem contar os prejuízos “individuais” , isto é, os prejuízos de centenas de milhares de pessoas que tiveram suas casas e os seus bens destruídos ’ esse é na realidade o principal dos prejuízos “coletivos” . Para tentar fazer frente a esses prejuízos, o governo Lula assinou uma medida provisória de 1,6 bilhão de reais, dos quais um bilhão vai para Santa Catarina para financiar os resgates e a reconstrução de infra-estrutura destruída, como estradas, portos, hospitais e gasodutos. O restante, 600 milhões, vai para outras áreas afetadas em Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Para o socorro direto “as vítimas” o governo vai aumentar o limite de saques do FGTS, e utilizar o FGTS também para empréstimos. No total, o dinheiro liberado dessa forma chegará a 1,5 bilhão. Como Explica Ideli Salvati, senadora do PT, “parte do dinheiro também será destinada a empresários” .

O dinheiro liberado não será suficiente sequer para a reconstrução do estado. Além disso, como farão as famílias que tiveram suas casas destruídas e que vão agora receber empréstimos da Caixa Económica? E os trabalhadores desempregados que não poderão fazer saques no FGTS, ou aqueles que tem quase nada a receber em função da alta rotatividade dos postos de trabalho? Na melhor das hipóteses, essas pessoas ficarão atoladas em dividas enormes com o governo federal. Na pior, ficarão sem suas casas, e suas famílias vão lotar os abrigos públicos durante muito tempo. Se o dinheiro que o governo está enviando vai ser pouco até para as obras de reconstrução, nenhum centavo está sendo liberado para obras públicas em Santa Catarina e no resto do país, que possam evitar novos desastres. Estamos só no começo da temporada de chuvas e se nada for feito teremos mais mortos e desabrigados nos próximos meses.

No mesmo dia em que o governo federal liberou 1,6 bilhão de reais para combater os efeitos das enchentes em Santa Catarina e em todo o país, o ministro Guido Mantega anunciava que estuda um plano para rolar a divida de grandes sonegadores, num valor que pode passar de 60 bilhões (não pense que estão falando de “rolar” as dividas com a conta de luz, água, aluguel... nem mesmo de anistiar as dividas dos desabrigados em Santa Catarina). Só para as montadoras, o governo Serra e o governo Lula liberaram empréstimos de 4 bilhões cada um. Esses números mostram com clareza as prioridades de Lula e dos governadores: salvar os capitalistas da crise que eles mesmos criaram, enquanto os trabalhadores e o povo pobre sofrem as conseqüências de desastres que poderiam ter sido evitados e das demissões que já começaram.

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