Sexta 29 de Março de 2024

Movimento Operário

ZANON: 10 ANOS DE CONTROLE OPERÁRIO

Uma escola de Planificação

20 Oct 2011   |   comentários

Antes, gestão patronal

Jornada de trabalho: 12 horas diárias.
Contrato de 6 meses.
Exército de supervisores.
25 acidentes de trabalho por mês. Diversas amputações. 14 mortes.
250 milhões em dívidas com estado e credos privados.

Depois, gestão operária
Jornada de trabalho: 8 horas.
Salário básico igual para todos.
210 postos de trabalho a mais, a maioria para o movimento de trabalhadores desempregados.
Nenhum acidente grave desde 2001.
Nenhum subsídio ou empréstimo.
1.000m2 de azulejos doados mensalmente para escolas, postos de saúde, famílias necessitadas.

São 460 trabalhadores que administram uma fábrica de 80 mil m2 e alta complexidade: coordenam os 36 setores da planta, o abastecimento de mais de 200 insumos diferentes, a comercialização e distribuição dos produtos. Todas as semanas se reúnem os coordenadores que discutem a situação política e produtiva da fábrica. Uma vez por mês se reúne a Jornada que agrupa todos os trabalhadores da fábrica, para debater e decidir. O comando capitalista foi superado pela gestão operária coletiva organizada num verdadeiro Conselho Operário da fábrica.

UM EXEMPLO PARA TODA A CLASSE TRABALHADORA

Raúl Godoy

Operário ceramista e deputado eleito (Frente de Esquerda dos Trabalhadores - Neuquén, Argentina)

Foram anos de milhares de pequenas batalhas, porém desde que nos juntamos pela primeira vez para organizar a recém-nascida Chapa Marrom dissemos que se déssemos essa luta teria que ser pra valer. Eu era o único que tinha experiência de militância política, ainda que nada em relação à militância sindical. Porém, nós concordamos com algumas coisas muito profundas: a unidade da classe trabalhadora, que em Zanon significava muito. A fábrica estava dividida entre efetivos e, contratados, terceirizados, temporários, novos, velhos e um longo etecetera. “Igual trabalho, igual salário” dizíamos, porque senão a unidade seria apenas conversa-fiada. E a efetivação à fábrica de todos os trabalhadores, e representação sindical para todos. Outro ponto básico e fundante: a assembléia como instância máxima de decisão. Porém havia muito trabalho a fazer, pois internamente em Zanon as assembleias estavam proibidas. Tivemos que ir vencendo as perseguições e pressões. Começamos nos tornando delegados internos para falar no refeitório, até voltarem as primeiras assembléias oficiais. Sempre estivemos contra achar que “a culpa é das pessoas”: é responsabilidade dos dirigentes buscar a solução para que as coisas avancem.

PONTOS DE APOIO

A unidade de classe dentro da fábrica se converteu em solidariedade de classe com nossos irmãos desempregados, com professores e funcionários públicos, com os estudantes em luta. Avançamos na nossa independência de classe. Dissemos: “somos independentes da patronal, da burocracia sindical e dos governos e dos partidos patronais”, fazendo uma clara distinção entre estes e os partidos da classe trabalhadora. Somamos a exigência de abertura dos livros contábeis da empresa: nós operários não tínhamos porque pagar pela crise dos patrões. Depois levantamos a bandeira da expropriação, a estatização sem indenização e sob controle operário não só em Zanon, mas em toda fábrica que feche ou demita seus trabalhadores. Abraçando cada vez mais um programa que represente os interesses da classe trabalhadora, fomos ganhando experiência na ação direta, buscando os canais de coordenação de maneira permanente. Assim, assentamos as bases de uma corrente operária que avançou na conquista do Sindicato Ceramista de Neuquén e logo enfrentou a patronal, até que esta desatou a “batalha final” para nos liquidar. Em outubro de 2001 estávamos fora da fábrica. Começava uma história que nem nós mesmos imaginávamos. Nos acampamentos que montamos para resistir ao fechamento e desmonte da fábrica, desenvolvemos uma camada de militantes que seria a base para gerir a fábrica, comissões de segurança, de eventos, solidariedade, fundo de greve, imprensa e difusão. Porém não ficamos apenas nos acampamentos, “às ruas, companheiros!”: mobilizações com fechamento de pontes, bloqueios no centro da cidade, atos militantes nas universidades. Uma camisa nossa dizia: “um ceramista em cada bairro, por todo o país”. Valorizamos toda a solidariedade com os companheiros do MTD, o movimento de desempregados mais importante da província, até a solidariedade com os presidiários da Unidade Penal 11, que doaram suas rações de comida a nós.

UM PASSO ALÉM

Se antes nós do PTS éramos a única organização política que havia sido parte do processo, propusemos o ingresso de companheiros de todas as tendências políticas. Isso ajudou ao debate e a democracia operária, porque sempre houve “liberdade de tendências”: todas as correntes que defendiam nossa luta poderiam opinar e participar. Assim fomos debatendo e amadurecendo a necessidade de uma alternativa no terreno político. A legislação operária, como exemplo de que as fábricas podiam funcionar sem os capitalistas percorria o mundo e era um aporte histórico à nossa classe. Porém, crescia em muitos companheiros de que nós trabalhadores também teríamos que nos organizar politicamente, contra os capitalistas e os partidos que governam para eles. Foi a constituição da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores que nos permitiu ir além. Ser parte da frente não como indivíduos, mas como parte da corrente operária e a agrupação que dirigiu todo o processo de Zanon e os ceramistas. Temos ainda pendente a necessidade de aprofundar este caminho, e avançar audazmente na construção de um partido que represente os interesses de nossa classe. Um partido que se proponha a terminar com este sistema de exploração do homem pelo homem e a construir uma nova sociedade.

Assim como administramos uma fábrica, podemos administrar um país

Alejandro López

Operário ceramista e deputado eleito (Frente de Esquerda dos Trabalhadores - Neuquén, Argentina)

O balanço destes 10 anos de Zanon sob controle operário é mais que positivo, porque justamente nossa luta de mais de dez anos arrancou dos patrões nossa fonte de trabalho; primeiro, víamos a necessidade de recuperar as comissões internas porque se colocava em risco nosso trabalho e se as comissões seguissem nas mãos da burocracia estaríamos perdidos. Demos a primeira luta e um enorme primeiro passo com a recuperação das comissões internas para os trabalhadores, em 1998. Depois, entendemos que devíamos dar um passo além e recuperar também o sindicato porque tínhamos as mesmas necessidades que os companheiros da Cerâmica Stefani, da Cerâmica Del Sur, da Cerâmica Neuquén que tinham os mesmos problemas que nós de Zanon. Em 2000, depois de muito esforço e sacrifício e de dois anos encabeçando as reivindicações como delegados da Comissão Interna de Zanon, nós ganhamos a confiança dos companheiros com o método de realizar assembleia para qualquer decisão que tomássemos e demos a luta para recuperar o sindicato junto a todos os companheiros, assim conseguimos também esse importante passo.

Depois os conflitos foram muito mais duros, nos demitiram em 2001, porém isso nos ligou a uma prática de assembléia permanente, de coordenação com outros setores, com as Mães da Praça de Maio, companheiros de outras fábricas recuperadas, e estávamos melhor preparados. Estivemos vários meses nos acampamentos, foi dura mas se debateu novamente em assembléia a ocupação da fábrica, que foi difícil, porém foi outro grande passo que demos, depois colocamos a fábrica para produzir, gerar postos de trabalho e “as coisas começaram a andar”. Avançamos com uma campanha nacional e internacional nas embaixadas da Itália, França e Espanha, porque quiseram nos desocupar cinco vezes. Fizemos um trabalho muito forte com o fundo de greve, para difundir a luta nacionalmente, escola por escola, sindicato por sindicato, que foi muito importante pois quando quiseram nos desocupar os professores de ATEM pararam e os funcionários públicos obrigaram seus sindicato a fazer uma paralisação. É uma experiência enorme ter conseguido colocar a fábrica para produzir, nos unir com os nossos irmãos desempregados que lutam por trabalho genuíno, que entraram para trabalhar na fábrica e assim fomos criando laços de solidariedade de classe, desenvolvemos a gestão operária, e uma constante luta que nos permitiu ter conquistado a cooperativa e a votação da expropriação na Legislatura, e já são dez anos de luta por defender nossa dignidade como trabalhadores.

Como parte da luta, fizemos uma experiência muito rica com os companheiros das organizações de esquerda e sobretudo com o PTS, que é o que temos maior acordo programático. Fomos amadurecendo e entendendo que ao mesmo tempo que lutamos sindicalmente, temos que ir ao debate no terreno político. Conseguimos conquistar a Frente de Esquerda, que conformamos como agrupação marrom. Foi o grande passo que demos para que nós trabalhadores busquemos a saída para os grandes problemas para nossa própria classe, na nossa própria organização. Creio que foi um dos passos mais importantes que demos, porque assim como administraremos a fábrica, podemos administrar um país e somos os que movemos o mundo. O grande passo que demos desde aquela recuperação da comissão interna até hoje, que temos a bancada operária e estamos trabalhando na construção da corrente militante com o periódico “Nuestra Lucha”, foi que começamos a construir a Frente de Esquerda. É muito importante porque podemos constituí-la com milhares de outros trabalhadores, para construir uma corrente do movimento operário que enfrente aos governos, tanto ao kirchnerismo como aos governos provinciais, para lutar por direitos dos trabalhadores, das companheiras mulheres, dos companheiros mapuches, da juventude, pela saúde e pela educação. Nos parece fundamental este passo porque quando a classe operária se organiza a nível provincial, nacional e internacional demonstra que os trabalhadores não temos fronteiras e temos um potencial enorme.

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