Quinta 25 de Abril de 2024

Movimento Operário

Uma crítica ao Manifesto da Frente de Esquerda

10 Aug 2006   |   comentários

No dia 25 de julho a Frente de Esquerda formada entre o PSOL, o PSTU e o PCB publicaram um Manifesto chamado “Por uma alternativa para o Brasil” , no qual expõem as bases do acordo que possibilitaram o bloco eleitoral entre estes três partidos.

O Manifesto da Frente de Esquerda contém alguns pontos que seriam uma base para conformação de uma frente eleitoral que expressasse minimamente interesses dos trabalhadores, como a re-estatização das empresas privatizadas, a luta contra as reformas do governo Lula, a retirada imediata das tropas brasileiras do Haiti, o apoio à nacionalização do gás na Bolívia (com o problema que não diz que deve ser sob controle dos trabalhadores). Porém, uma coisa é um bloco ou uma frente única com organizações pequeno-burguesas em torno de questões pontuais e outra coisa bastante distinta é assinar um documento programático com organizações deste caráter. Ou seja, mesmo com um acordo pontual progressivo não poderíamos deixar de lutar pela hegemonia do programa classista sobre o programa de conciliação de classes no interior da Frente de Esquerda, o que seria impossível sem criticar abertamente as direções pequeno-burguesas do PSOL e do PCB.

A seguir damos continuidade ao debate que abrimos no último jornal Palavra Operária, no qual fazemos um chamado ao PSTU para lutarmos juntos pela conformação de uma ala classista na Frente de Esquerda: “O PSTU deveria exigir do conjunto da Frente de Esquerda, em especial da Heloísa Helena, que ela use sua candidatura a serviço da luta contra as demissões; e exigir da frente que coloque todo o seu peso eleitoral a serviço da formação de comitês da Frente de Esquerda, nos quais teríamos um espaço privilegiado para impulsionar uma ala classista. Se o PSOL se nega a formar este comitês, é uma obrigação do PSTU concretizá-los onde for possível e tentar arrastar os militantes do PSOL. Esses comitês devem servir não somente para organizar a campanha eleitoral, mas para organizar uma grande luta em defesa dos trabalhadores da Volks e da GM, lutar contra o super-simples, organizar a campanha contra o massacre de Israel ao povo árabe e agitar um programa operário independente que responda às demandas mais sentidas do conjunto da população explorada e oprimida” [1]

Só a classe trabalhadora pode conquistar uma verdadeira soberania nacional

No artigo escrito por Eduardo Almeida, “O debate programático na frente: uma polêmica necessária” , o dirigente nacional do PSTU, em polêmica com César Benjamin, vice de Heloísa Helena, afirma que “não estamos [PSTU] apontando para um desenvolvimento capitalista sustentado, em aliança com algum setor da burguesia. Defendemos a ruptura com o imperialismo e o capitalismo, e um novo poder dos trabalhadores” . Heloísa Helena, por sua vez, assim como César Benjamin já deu mostras suficientes de que aposta em conquistar uma “soberania nacional” em aliança com setores burgueses descontentes com o neoliberalismo.

O que é o “novo projeto alternativo económico e social” que o Manifesto da Frente de Esquerda propõe como solução para “conquistar a verdadeira soberania e independência nacional, rompendo com o imperialismo e o capital financeiro” ? Para Heloísa Helena o projeto é: reduzir os juros, fazer uma reforma tributária que desonere “os menos favorecidos” (entre eles o “setor produtivo” , isto é, a burguesia industrial!!!) e renegociar a divida pública para que o Brasil possa crescer no mesmo ritmo que a Argentina ou a China. O que ela não nos conta é que para que a Argentina pudesse crescer a 9% ao ano foi necessária uma redução de em média 40% no salário dos trabalhadores e que na China existem os menores salários e as maiores jornadas de trabalho do mundo. Esse é o custo do desenvolvimento económico nos marcos do capitalismo, que ao aumentar a produção reduzindo o nível de vida dos trabalhadores prepara crises económicas cada vez maiores.

O Manifesto, ao não definir claramente que a emancipação do país em relação à opressão imperialista só pode ser conquistada por uma aliança com os camponeses e o povo pobre sob a direção da classe trabalhadora, através dos métodos da luta de classes, ao se colocar numa perspectiva que deixa a porta aberta para uma aliança com setores da burguesia descontentes com o neoliberalismo, adota um programa pseudo-nacionalista. A luta antiimperialista não é uma luta entre países, mas sim uma expressão da luta de classes que se dá também no terreno nacional, pois todos os setores da burguesia brasileira, descontentes ou não com o neoliberalismo, dependem do imperialismo para sustentar sua exploração sobre a classe operária. Por isso é impossível lutar contra o imperialismo sem combater todos os setores da burguesia brasileira. Por isso qualquer militante que se reivindique revolucionário não poderia assinar um Manifesto como este.

Um silêncio criminoso frente a ofensiva militar de Israel e Bush

É impossível hoje levantar uma política conseqüentemente antiimperialista sem lutar pela derrota da ocupação militar do imperialismo no Iraque e no Afeganistão e sem lutar contra a ofensiva militar do Estado de Israel contra o povo árabe.

Consideramos um verdadeiro crime político que o Manifesto que estabelece a base do programa da Frente de Esquerda não cite uma palavra sequer sobre o massacre que Israel descarrega sobre o povo libanês e palestino, e os EUA contra o povo iraquiano e afegão.

Um acordo eleitoral que contém a estratégia de poder do PSOL
O Manifesto defende a necessidade de “democratizar radicalmente o poder, alterando seu conteúdo de classe” . Essa estratégia cria a ilusão de que através de medidas de controle democrático será possível alterar o conteúdo de classe do estado burguês. É uma estratégia reformista e se assemelha às posições da ala direita da social-democracia do começo do século XX, de que o estado democrático seria uma casca vazia que poderia ser preenchida com uma política socialista. O que significaria que é possível para os trabalhadores tomar o poder atuando por dentro das instituições do regime democrático burguês. [2]

Estas formulações expressas no Manifesto da Frente de Esquerda são a concretização no Brasil das posições defendidas pela corrente internacional (SU - Secretariado Unificado) da qual faz parte Heloísa Helena e a sua organização “Enlace” . Para o SU a revolução é uma “luta pela democracia até o final” . Essa estratégia significa uma forma de adaptação à democracia burguesa em detrimento da luta por uma república operária baseada na democracia dos conselhos operários e populares.

Eleitoralismo ou atuação revolucionária nas eleições

A patronal se aproveita do fato de que todos os holofotes estão apontados para as candidaturas e para a discussão eleitoral para avançar em ataques enormes contra o emprego e o salário dos trabalhadores. Levantar uma política classista significa se utilizar destes holofotes para impulsionar a luta dos trabalhadores contra os ataques da patronal. No Manifesto não encontramos nem uma palavra sobre as demissões na Volks e na GM e nem uma palavra sobre a “reestruturação” da Varig que significa a demissão de mais de 5 mil trabalhadores.

O “palanque eleitoral” deveria servir para impulsionar uma verdadeira guerra contra a patronal da Volks, da GM e da Varig e de todas as empresas que demitam. Heloísa Helena e os demais candidatos deveriam colocar no centro da sua propaganda eleitoral a luta contra as demissões.

Outra prova vergonhosa do eleitoralismo expresso no Manifesto é que se apóia demagogicamente no Quilombo dos Palmares, e se inspira “na força da luta de Zumbi” para calar-se completamente em relação às demandas do povo negro.

Por uma ala classista na Frente de Esquerda

O próprio Eduardo Almeida admite no artigo já citado que o documento não tem nada de classismo: “O manifesto da Frente de Esquerda, por se tratar de uma postura conjunta, não esgota o conjunto de discussões e polêmicas entre os três partidos. (...) Como todos sabem, o PSTU defendia uma frente classista, e este caráter acabou por não ser aceito por PSOL e PCB” . Entretanto, o recém publicado Manifesto da Frente de Esquerda, longe de constituir um bloco progressivo para unificar a esquerda em torno de acordos pontuais para combater a burguesia, subordina a esquerda ao programa reformista e pequeno-burguês do PSOL e do PCB.

Não podemos repetir como farsa a tragédia que significou a experiência com o PT. Na trajetória do PT, a chamada “esquerda petista” reivindica como uma “conquista” os programas eleitorais votados nas convenções partidárias, nos quais algumas reivindicações justas das massas eram distorcidas como “cerejas do bolo” inseridas em um programa que de conjunto defendia a conciliação com a burguesia; e para manter a “unidade” dentro do PT aceitavam a censura prévia que a direção do partido lhes impunha. Enquanto isso, Lula se projetava como grande líder perante as massas. Não podemos contribuir para o fortalecimento de Heloísa Helena e do PSOL repetindo os mesmos erros que foram cometidos em relação a Lula e ao PT.

Refazemos nosso chamado a que o PSTU reveja sua atual política e impulsione uma ala classista no interior da Frente de Esquerda, que tenha um perfil próprio perante a vanguarda e as massas, abrindo o caminho para que se expresse uma política de independência de classes nestas eleições. O PSTU precisa criticar não só César Benjamim, mas principalmente Heloisa Helena, que é quem determina o caráter da Frente perante as massas. Isso significa buscar por todos os meios possíveis, inclusive matérias pagas nos jornais de grande circulação, difundindo para o maior número de trabalhadores uma política de independência de classe.

[1“Chamado ao PSTU para conformar uma “ala classista” na Frente de Esquerda” , Jornal Palavra Operária 23, www.ler-qi.org.

[2Essas elaborações significam um giro pronunciado em direção ao reformismo do SU, a corrente que foi construída por Enerst Mandel e que era combatida por Nahuel Moreno pela sua extrema adaptação aos aparatos reformistas e burocráticos. Para ver mais sobre nossa posição em relação a essas elaborações da LCR ler no site www.ft-ci.org (entrar na em português através do link no menu) o artigo “Trotsky e a democracia soviética: Para além da democracia liberal e do totalitarismo” de Claudia Cinatti e Emilio Albamonte na revista Estratégia Internacional n° 21.

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