Terça 23 de Abril de 2024

Direitos Humanos

PEDOFILIA

Uma crise histórica na Igreja

15 Apr 2010   |   comentários

“Conspiração” e “charlatanices diabólicas” eram os argumentos do Vaticano para encurtar o tsunami de denúncias de abuso sexual do que os meios de comunicação chamam de “Watergate” do Papa Bento XVI. Sem nenhum pudor, a hierarquia eclesiástica afirmou que “sempre” considerou que os casos de abuso deviam ser denunciados à “justiça civil”, como dita um suposto regulamento interno da Congregação para a Doutrina da Fé de 2003, que jamais foi divulgado publicamente. Isso é mentira, pois desde 2001, regia o documento “De delictis gavioribus” que incumbia à Congregação para a Doutrina da Fé o tratamento dos casos de abusos sexuais, que anteriormente eram de competência de tribunais diocesanos e bispos locais. Ambas instituições clericais acobertavam os padres abusadores amparados no Código de Direito Canônico, a legislação corporativa que dá “justiça divina” ao clero, separada da justiça civil que afeta simples mortais, um insulto à “igualdade perante a lei” que apenas os poderosos burlam. Nesse sentido, os advogados que representam milhares de vítimas nos EUA, solicitaram que Ratzinger testemunhe nas ações legais iniciadas contra o Vaticano. Mas a cúria apelou à Suprema Corte porque “o Papa é um chefe de Estado e tem imunidade”. Desorientado, o Vaticano contempla a possibilidade de recorrer a seus cofres para fugir da situação, assim como entre 2006 e 2009 desembolsou quase 5 bilhões de dólares para indenizar milhares de vítimas de abuso nos EUA e na Irlanda.

Concilio Vaticano II

Os intelectuais e jornalistas de diversos meios progressistas sustentam que para superar a crise da Igreja é preciso recuperar os preceitos do Concílio Vaticano II de 1962. Leonardo Boff, crítico de Ratzinger e uma das principais referências da Teologia da Libertação, propôs deixar para trás “a imagem de muita liturgia, muito latim e muito incenso” e entre outros aspectos, recomundou o fim do celibato e “atualizar” a Igreja, abrindo a participação para reconciliá-la com o povo.
O Concílio Vaticano II foi a resposta dada pelo Papa João XXIII, “o Papa bom”, para evitar a radicalização política que impulsionava a Revolução Cubana, a independência dos países colonizados da África e o giro a esquerda das classes médias urbanas. Essa pressão obrigou a Igreja a “se atualizar”, criticando as alianças estabelecidas com o poder desde a época de Constantino, e instaurando conceitos de “religiosidade popular” desde a qual se desenvolveu a Teologia da Libertação. Mas enquanto o Vaticano II fazia sua a cultura dos direitos humanos, condenada por todos os Papas desde a Revolução Francesa de 1789, por sua vez instruía o documento “Crimine solicitationes”, reclamando secretamente e sob ameaça de excomunhão aqueles que falassem de abusos no seio da Igreja. O “Papa bom” exigiu que os padres abusadores fossem tratados como “pecadores”, mas nunca como delinqüentes, e aconselhou a evitar a denúncia na justiça civil, tal como ocorreu com o padre Geoghan, responsável por 152 casos de violação. Sob essa arquitetura, o reacionário João Paulo II protegeu o bispo Marcial Maciel, fundador da ultra-direitista ordem dos Legionários de Cristo, que junto a seus substitutos abusou de centenas de seminaristas durante décadas. De fato, o Concílio Vaticano II terminou fortalecendo o Direito Canônico, essa justiça celestial que designa ao Papa “poder ordinário supremo, pleno, imediato e universal”.
As ilusões fomentadas pelos progressistas não tem nenhuma relação com a realidade, porque jamais na história a Igreja defendeu os “interesses do povo”. Pelo contrário, se consolidou como instituição do Império Romano sobre a base da escravidão, separando das comunidades cristãs primitivas mediante a criação de uma burocracia que administrava os bens do clero. A instauração do celibato no século XI obedecia à necessidade de evitar a pilhagem de bens da Igreja nas mãos da prole dos clérigos, concentrando no papado a propriedade desses bens e desenvolvendo-se como grande proprietário de terra. No regime de servidão, a Igreja espoliava os camponeses com o dízimo e a corvéia: com o primeiro se apropriava da décima parte da produção de grãos e com a segunda, impunha o trabalho nas terras dos bispos como tributo. Em seus 2000 anos de história, a Igreja sempre foi uma instituição de controle social e ideológico das classes dominantes. A burguesia é uma classe tão reacionária que foi incapaz de separar a Igreja do Estado na grande maioria dos países, tanto que a financia para defender “o que é de César” em detrimento das classes despossuídas.

Uma instituição do poder

Durante todo o século XX, a Igreja desempenhou um papel imprescindível como reserva ideológica anti-comunista funcional às necessidades do imperialismo. No período da Guerra Fria, a cúria capitalizou o descontentamento dos setores populares com os sanguinários regimes stalinistas, enquanto naturalizava a exploração capitalista, resignando a “salvação” dos pobres ao “reino dos céus”. A brutalidade do regime stalinista da Polônia despertou uma oposição operária de massas agrupada no sindicato independente Solidariedade, desde o qual agentes da Igreja como Lech Walesa e João Paulo II promoviam a democracia liberal capitalista. Por isso, a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher destacou o papel cumprido pela Igreja na restauração capitalista na URSS e nos estados operários deformados da Europa do Leste, uma das molas que serviu para lançar a ofensiva neoliberal em todo o mundo.
A profunda crise pela qual passa a Igreja se expressa essencialmente nos países centrais, onde o catolicismo tende a cair, diferentemente dos países periféricos da América Latina, África e Ásia, onde concentram-se 66% dos mais de 1 bilhão de fiéis. Esse fator pode constituir uma vantagem para desenvolver a consciência operária nas grandes metrópoles frente aos golpes da crise econômica internacional.

Apelidada de “a velha raposa da história”, a Igreja pode perder os cabelos, mas não as mãos
Qualquer que seja a reforma que postule em suas formas, sua natureza nunca deixará de estar contra os interesses das classes subalternas, de acordo com toda instituição do poder dos explorados.

Artigo publicado no jornal "La Verdad Obrera" por nossa organização irmã PTS na Argentina.

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