Quarta 24 de Abril de 2024

Nacional

Editorial

Um primeiro balanço da crise política e as perspectivas para os trabalhadores e a esquerda

30 Nov 2005   |   comentários

A crise política viveu seu momento mais agudo quando o marketeiro Duda Mendonça revelou a existência de “caixa 2” na campanha eleitoral que colocou Lula na presidência. Nesse momento, o PDSB e o PFL avaliaram a possibilidade de abrir um processo de impeachment. Mesmo que o caráter da denúncia não fosse suficiente para de fato cassar o mandato do presidente, os tucanos e pefelistas raivosos buscavam pelo menos reduzir o relativo descolamento que Lula conseguiu produzir entre sua figura por um lado e a “crise do mensalão” e do seu partido, o PT, por outro. Com isso, poderiam conquistar seu sonho de tirar Lula do centro da disputa eleitoral de 2006.

A decisão dos presidenciáveis do PSDB (Serra, FHC e Alckmin), de articular “nos bastidores” uma “blindagem” do presidente, expressa o poder de controle do capital financeiro sobre os dois principais partidos políticos do país e o receio do imperialismo de que a crise contaminasse a economia ou contribuísse para o impulso de novos fenómenos da luta de classes, como poderia ocorrer se a CUT e o MST perdessem o controle dos chamados que faziam para a “defesa de Lula contra a tentativa de golpe da direita” , como diziam.

Desde então a crise passou a uma nova fase, de refluxo, na qual o que predominava não era mais o alto grau de prognósticos incertos e desestabilizadores que se fazia da crise, e sim o controle dos acontecimentos, ainda que os escândalos de corrupção continuassem ocupando as páginas centrais dos jornais e permanecesse o desgaste dos partidos dominantes e das instituições envolvidas com o “mensalão” , principalmente do Congresso.

A eleição de Aldo Rebelo do PCdoB para presidente da Câmara dos deputados, ainda que tenha sido atravessada pelos mesmos métodos de corrupção que foram motores da crise atual, foi um triunfo do governo que marcou uma nova inflexão na crise. Além do fato de o presidente da Câmara cumprir um papel chave frente a uma possível ameaça de impeachment, a eleição de Aldo deu início a uma dinâmica de estabilização, que culminou com a retomada da iniciativa do governo a partir da aprovação da “MP do Bem” (medida provisória que oferece incentivos fiscais à produção).

Entretanto, nos últimos dias, a crise ameaça novamente voltar à tona com as investidas de tucanos e pefelistas para investigar o financiamento da campanha eleitoral dos petistas em 2002, alentadas pelo surgimento de denúncias de que Cuba teria ajudado o PT com dinheiro para eleição de Lula.

A relação entre o grau de intensidade da crise e a “elegibilidade” de Lula

Os tucanos e pefelistas retomaram uma nova ofensiva contra o governo e o PT, trabalhando para reabrir a crise de modo a provocar um desgaste maior de Lula, justamente porque perceberam que a crise começava a sair de cena ao mesmo tempo em que Lula mantinha uma ainda alta aprovação popular e uma forte probabilidade de se reeleger em 2006.

De fato, as pesquisas estatísticas têm mostrado que o governo, ainda que tenha perdido massivamente o apoio entre as classes médias em função da corrosão do pilar “ético” do PT, mantém um forte apoio dos setores mais pobres da população, principalmente no interior do país, cumprindo para isso um papel chave o assistencialismo promovido pelo Estado através do Bolsa Família, que, dizem, chega a atingir 8 milhões de famílias.

Na classe trabalhadora, ainda está indefinido o nível de desgaste que Lula sofreu. Ainda que a continuidade da política neoliberal de FHC, combinada com os escândalos de corrupção, contribua para transformar as ilusões e esperanças em desilusão e descontentamento de amplos setores, está em aberto em que medida a burocracia sindical conseguirá convencer suas bases de que Lula é vítima de uma “conspiração de forças da direita” e de que será necessário mais um mandato para que comecem a ser sentidas as prometidas “mudanças” . Demonstra essa indefinição, por exemplo, o fato de que ao mesmo tempo que o plebiscito contra a comercialização de armas mostrou desgaste do governo, a participação recorde de 300 mil pessoas nas eleições internas do PT (PED) mostram que este partido não está morto.

Mas o que, acima de tudo, demonstra a força que ainda têm o governo e o PT é o fato de que, frente a toda a crise que se desenvolveu nas alturas nos últimos meses, frente ao desgaste e ao descontentamento com os partidos dominantes que ocorreu nesse período, nenhum setor das massas se radicalizou politicamente para dar algum tipo de resposta independente da burguesia à crise. Isso demonstra o poder de contenção e amortecimento da luta de classes que ainda detém não só a burocracia cutista, mas também as direções petistas e governistas do MST e da UNE.

Para avaliar a capacidade que terá ou não o governo de retomar a iniciativa política, e nesse marco o grau de “elegibilidade” que Lula terá no ano que vem, é necessário considerar também os distintos cenários possíveis para a dinâmica da economia. Caso se mantenham em 2006 as condições internacionais favoráveis (baixas taxas de juros e alto consumo nos EUA, combinados com os investimentos chineses) que têm prevalecido desde 2003, é provável que a economia brasileira mantenha seu crescimento em torno de 4%. Por outro lado, se as condições internacionais se deteriorarem (como parecem ameaçar as recentes declarações das autoridades económicas norte-americanas), é mais provável que o Brasil cresça menos, mas ainda fora dos marcos de uma crise recessiva.

É nesse marco que tucanos e pefelistas temem a possibilidade de que, terminando a crise, o governo Lula consiga se recuperar a ponto de Lula se tornar novamente o candidato preferido em 2006. Por isso, é muito difícil que a crise se torne uma coisa do passado antes de concluídas as próximas eleições. O PSDB e o PFL vão continuar “apertando a ferida” do PT de modo a “sangrar” a candidatura de Lula o máximo que puderem.

Está em aberto se o que vai ocorrer são crises recorrentes de baixa intensidade até as eleições, o que fará com que a corrupção permaneça como um elemento importante da política nacional, mas que não seja o elemento central como foi nos primeiros quatro meses de crise; ou se virá a surgir alguma denúncia mais sustentável, capaz de abrir um processo de impeachment.

O que vai determinar a possibilidade ou não de se abrir este último cenário será não só a existência ou não uma denúncia mais sólida contra Lula, mas os cálculos que o PSDB e o PFL farão da possibilidade de um novo pico agudo da crise contaminar a economia ou a luta de classes.

Mas a crise se reduz a uma disputa eleitoral?

Para além das disputa eleitoral de 2006, esta crise colocou em pauta um problema central tanto para a dominação burguesa no país como para as tortuosas vias de emancipação da classe trabalhadora: a experiência do movimento de massas com o PT.

Por mais que a burguesia se recuse a aceitar, a transformação do PT de “pata esquerda” do regime de domínio em principal implementador da ofensiva neoliberal é um subproduto da crise dessa mesma ofensiva, que no fim do governo FHC tomou forma a partir de uma divisão entre o bloco PSDB-PFL-PMDB e de um descontentamento de massas em relação ao continuísmo neoliberal.

A burguesia só tem podido discutir todos os seus podres com o nível de abertura que tem feito ’ utilizando denúncias de corrupção para sua disputa de poder ’ porque não tem o “bafo” do movimento de massas no seu pescoço. Entretanto, o ciclo de crescimento económico que vive não só o Brasil, mas o conjunto dos países latino-americanos, tem sido um componente chave para permitir esse “luxo” . Na medida em que esse ciclo se esgote ou mostre seus limites, o descontentamento das massas em relação a suas condições de vida, agora combinado com os desgastes provocados pelos escândalos de corrupção, vai cobrar seu preço, e os conflitos entre as classes dominantes em torno à política económica vão adquirir novamente uma tintura dramática.

É nesse marco que os setores mais concentrados da burguesia brasileira revelam suas preocupações mais estratégicas. Alguns cogitam a possibilidade de fortalecimento de um populismo de direita “à la Garotinho” . Outros se perguntam se a violência urbana no país ’ uma das mais graves do mundo ’ não pode vir a assumir contornos de luta de classes, como nos últimos dias tem antecipado as batalhas campais nos bairros periféricos de Paris. O que de fato está em questão nessas “reflexões” é o que se transformará no país com o debilitamento do PT como instrumento de contenção e amortecimento da luta de classes.

Decanta-se um setor das massas à esquerda do governo Lula e do PT

Apesar de que o PSDB tem sido o principal beneficiado com a crise, a partir do fortalecimento da candidatura de seus presidenciáveis, em três anos de governo Lula tem se desenvolvido um ainda pequeno, mas importante setor das massas que passa a questionar o governo Lula e o PT, mas não necessariamente vêem como alternativa confiar no bloco PSDB-PFL.

Esse setor de massas se expressa nos 5 a 7% (milhões) que cogitam votar em Heloísa Helena em 2006 ou nos 30 a 40% de trabalhadores que têm votado na Conlutas nas eleições sindicais que ocorreram nas principais categorias do país este ano.

O fato de que esse setor de massas exista não significa por si só que o processo histórico de rupturas com o governo Lula e o PT vá se transformar em um novo processo de militância orgânica da classe trabalhadora, com um programa independente da burguesia. Para tal, é necessário que os setores mais conscientes da classe trabalhadora levantem políticas capazes de canalizar as energias das massas nesse sentido.

O papel da consigna de Assembléia Constituinte Livre e Soberana

É necessário levantar uma política capaz de transformar o descontentamento e a indignação política de amplos setores das massas com a podridão dos partidos e das instituições dominantes, em uma militância orgânica da classe trabalhadora para impor uma saída independente da burguesia para a crise provocada pelos escândalos de corrupção, ligando essa corrupção dos de cima aos problemas mais sentidos pelas massas.

A luta para que as organizações de massas dos explorados e oprimidos ’ os sindicatos, a CUT, o MST, a UNE etc ’ rompam com o governo e imponham pela força uma Assembléia Constituinte Livre e Soberana abriria a possibilidade de um amplo debate entre as massas sobre o caráter falsamente democrático de instituições como o Congresso e a Presidência da República; da necessidade de atacar o lucro dos capitalistas e de romper com o imperialismo para garantir emprego para todos e um salário capaz de satisfazer as necessidades de cada família; de atacar o grande latifúndio para acabar com a miséria no campo.

Na medida em que a burocracia sindical ou as direções dos movimentos populares se neguem a mobilizar suas bases para impor pela força uma Assembléia Constituinte, estaria aberta uma possibilidade para que os trabalhadores percebessem na prática como o discurso de que o governo sofre um “golpe da direita” é uma falácia e de que na verdade o apoio das organizações de massas ao governo é antagónico com os reais interesses da maioria da população, alentando a massificação de um processo de expulsão das direções governistas e burocráticas e de surgimento de novas direções combativas.

No curso dessa luta, diante dos enfrentamentos com a burguesia e na medida em que esta utilize seu poder económico e militar para impedir a realização de qualquer uma das reivindicações dos explorados e oprimidos, estariam colocadas condições favoráveis para que os trabalhadores e camponeses pobres percebam a necessidade de construírem um outro tipo de poder, soviético, através do qual as massas, organizando suas próprias milícias, assumam as rédeas do país, organizando toda a produção a serviço dos interesses da maioria.

Infelizmente, o PSTU, frente à crise, limitou-se a fazer o que eles mesmos chamam de “ultra-propaganda” de “Fora Todos” , “greve geral” e “por um governo socialista dos trabalhadores” . Não negamos a importância de propagandear esses objetivos comuns dos marxistas revolucionários. Mas a tarefa de uma organização que pretende orientar as massas para a revolução no Brasil não pode se restringir a fazer propaganda dos objetivos máximos da revolução. É necessário levantar políticas que permitam às massas avançarem de seu nível de consciência atrasado para um nível de consciência revolucionário, proporcionando experiências concretas que ajudem-nas a libertarem-se da influência da burocracia e do reformismo.

O PSOL, por sua vez, com sua política de “plebiscito” e “eleições gerais” , não poderia mais que ajudar o regime de domínio da democracia burguesa a se recompor e a recuperar seu prestigio entre as massas.

O papel de um Encontro Unificado dos trabalhadores e da esquerda combativa

Ao longo de toda a crise, o PSOL e o PSTU se negaram a organizar um encontro que buscasse unificar o conjunto dos trabalhadores que hoje questionam o governo Lula e o PT, trazendo não só a periferia que cada um influencia, mas também servindo como estímulo para atrair aqueles que ainda não se colocaram numa perspectiva militante. Realizaram encontros nacionais separados, o da Conlutas, no dia 18 de agosto em Brasília, e a Assembléia Popular Nacional e da Esquerda, realizada no dia 25 de setembro. Pior do que isso, no encontro da Conlutas, o PSTU se negou a colocar em debate a política com a qual Conlutas deveria lutar para responder à crise nacional, assim como o PSOL se negou a fazê-lo na Assembléia Popular.

Entretanto, por incrível que pareça, tanto o PSTU quanto o PSOL, quando vão propor o programa pelo qual a Conlutas ou a Assembléia Constituinte devem lutar, mesmo separadamente, chegam ao corolário máximo comum do ataque à política económica do governo. Alguns dizem “abaixo” , outros dizem “mudança” ; no fundo, uns com uma verborragia mais de esquerda e outros mais de direita, ambos têm acordo em colocar para os trabalhadores, sindicatos e movimentos sociais mais avançados a tarefa “máxima” de lutar para mudar a política económica neoliberal do governo, adaptando-se ao “anti-neoliberalismo em geral” , que não é outra coisa senão adaptar-se ao “neodesenvolvimentismo de esquerda” . O PSTU, para não prejudicar a relação com seus aliados reformistas que lhe permitem sobreviver dentro do regime com relativo peso no movimento sindical. O PSOL, para não afastar os petistas e ex-petistas que lhe permitem sobreviver no regime com relativo peso eleitoral.

A Liga Estratégia Revolucionária, com suas pequenas forças, lutou no Encontro Nacional da Conlutas e na Assembléia Nacional Popular e da Esquerda por um Encontro unificado dos trabalhadores e da esquerda combativa, para armar os setores que começam a romper com o governo Lula e o PT de uma política capaz de ligá-los às massas na luta para impor uma saída classista para a crise.

Mesmo com o refluxo da crise, um encontro desse tipo continua sendo uma necessidade para que a vanguarda possa se unificar em torno a um pólo com uma política classista para combater o governo, o PT e a burocracia sindical. É necessário abrir o debate sobre um primeiro balanço da crise e da atuação da esquerda na mesma, de modo a tirar as conclusões necessárias para intervir com precisão nas brechas nas alturas que não terminaram de se fechar e que podem voltar a se abrir ainda mais.

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