Quinta 28 de Março de 2024

Juventude

ENTREVISTA

“Um grupo de estudos de cultura e materialismo histórico tem que tentar entender a conjuntura mundial”

20 Oct 2011   |   comentários

Reproduzimos excertos da entrevista com o professor de Literatura da USP, Daniel Puglia, que participa do grupo de estudos de cultura e marxismo, uma iniciativa da Juventude às Ruas e independentes.

JPO: Qual a importância de um grupo de estudos de cultura e marxismo na Letras?

DP: A importância do estudo e de formar um grupo de pessoas que se interesse pelo materialismo histórico atende algumas preocupações: evitar o sectarismo, dogmatismo e autoritarismo. E aqui estou falando da esquerda.

Em relação à importância do materialismo histórico para a cultura: grande parte da esquerda se apropriou de duas ou três palavras de cartilha do materialismo histórico e a partir daí começou a querer entender como a cultura acontecia. Quando Marx e Engels analisam o que está acontecendo do século XVIII para o XIX, procuram entender as várias manifestações culturais e cientificas em um leque amplo. Espanta muita gente a quantidade de elogios e colocações sérias que Marx e Engels fazem sobre Adam Smith e David Ricardo, nomes importantes da economia clássica. Também olham para os socialistas utópicos franceses e falam: “cabe a nós continuarmos a partir do que eles trouxeram”. Têm muita gente hoje que se arrepia ao ouvir o nome de Kant e Hegel. Mesmo na academia, muitos dos que se reivindicam marxistas falam que Hegel tem que ir pra lata do lixo. Isso é absurdo. Grupos de formação tem que resgatar essa tradição, para não sermos dogmáticos, sectários e parciais. O que não significa dizer que “vale tudo”. Não, ao contrário. Para ter firmeza dos seus princípios tem que conhecer essa tradição.

A cultura tem em si um principio democratizante muito forte pois envolve como as pessoas interpretam e refletem sobre a vida num momento histórico. Então, se temos uma visão muito dogmática da cultura, corremos o risco de pensar que cultura é aquilo que se faz nas altas esferas, só “alta cultura”, é uma visão fetichista.

Um erro é pensar em estudar apenas cultura, sem estudar a vida real das pessoas. Todos nós sentimos que algo está acontecendo. Não é fim do neoliberalismo, pelo contrário. As empresas e bancos americanos estão com muita liquidez, mas não colocam esse dinheiro em circulação: é a maximização do lucro. Os governos resgataram as instituições financeiras e o capital. Há cada vez mais pessoas desempregadas ou subempregadas que não estão consumindo. Um grupo de estudos de cultura e materialismo histórico tem que tentar entender a conjuntura mundial, econômica.

Temos que lidar com um conceito de cultura mais amplo. Muitas vezes se corre o risco de falar nas humanidades algo como: eu sou especializado em Carlos Drummond de Andrade, e aí você se especializa e esquece do mundo. Nem mesmo especialista em Carlos Drummond de Andrade você vai ser, porque em última instância o que aparece na obra dele é o mundo.

JPO: Como o marxismo é tratado na universidade, na academia? Como você vê isso?

DP: O marxismo na academia é compartimentado. Tem uma parte, digamos assim, mais “chique” do marxismo, e a academia ficou com a parte mais “chique” do marxismo. Mas para você ter uma boa noção da leitura da cultura a partir do ponto de vista marxista é importante você não esquecer a economia; para você não esquecer a economia é importante você não esquecer a política; para você não esquecer a política é importante você não esquecer a filosofia. E já está presente no próprio Hegel um desrespeito – no melhor dos sentidos – pela divisão estrita. E tem um pouco do Kant lá atrás que é “ousar saber”.

Uma outra oportunidade de grupos de estudo como esse é da academia olhar pra fora dela. Não adianta não reconhecermos o quanto somos privilegiados e estamos numa ilha, ficar refletindo demasiadamente sobre os problemas dessa ilha, achando que é o universo. Ela não é. Lá fora estão acontecendo outras coisas num outro ritmo, e a gente precisa estar atento a isso. É uma coisa sensível para muitos de nós: a militância real e o engajamento real, eles não acontecem na academia.

JPO: Como você o papel da intelectualidade e dos estudantes diante dos conflitos operários que estão acontecendo, e também diante do cenário internacional?

DP: Eu acho que a importância de ter esta formação é, em primeiro lugar, não atrapalhar. Porque é muito fácil você ser um revolucionário de sala de aula. Na maior parte do tempo os trabalhadores cerebrais, o público estudantil mais privilegiado, universitário, não necessariamente vai estar na luta de uma maneira progressista. Por outro lado, no que ele vai ter um papel? Com a divisão social do trabalho, alguns grupos sociais recebem um tipo de conhecimento que é vedado à maioria da população. Por outro lado, esta recebe alguns conhecimentos que também são vedados a estes trabalhadores cerebrais “encastelados”. Quando você faz o contato entre eles, aí você ajuda a fazer um intercâmbio de idéias.

Esse é o papel dos estudos, das conversas. Saber que ninguém é tão estúpido que não perceba o seu entorno. Também ninguém é tão especial para ter já o horizonte de todo o futuro da humanidade.

culturaemarxismo.wordpress.com

Artigos relacionados: Juventude , Debates









  • Não há comentários para este artigo