Quinta 25 de Abril de 2024

Nacional

ENTREVISTA COM PABLITO, TRABALHADOR DA USP E DIRIGENTE DA LER-QI

Tudo para os capitalistas... e para os trabalhadores e o povo?

01 Nov 2008   |   comentários

JPO: Qual tem sido a política do governo diante da chegada da crise internacional no Brasil?

O governo tem insistido em dizer que “não vai salvar os capitalistas que apostaram no cassino das finanças” , e afirma que sua política central é “proporcionar crédito ao sistema financeiro e estimular o mercado interno” . Entretanto, suas medidas concretas não condizem muito com suas palavras.

O governo proporcionou mais de R$ 100 bilhões de crédito aos grandes bancos através da liberação da parte dos depósitos que estes estão obrigados a guardar no Banco Central (chamados “compulsórios” ). Mas este dinheiro, que nas palavras do governo deveria ser utilizado para irrigar o mercado de crédito e em especial “ajudar” aos pequenos e médios bancos em dificuldades, está sendo utilizado para aumentar ainda mais os ganhos dos banqueiros. Estes têm utilizado a liberação do compulsório para comprar títulos da dívida pública, cuja exuberante rentabilidade é definida pelas taxas de juros internas mais altas do mundo, determinadas pela política do governo de atrair capitais estrangeiros e manter o Real valorizado. Mais do que isso, sem qualquer vergonha na cara, os banqueiros recentemente anunciaram que ao invés de liberar o crédito na praça, hoje estão guardando dinheiro para depois poder comprar instituições que entrem em crise a preço de liquidação. Isso fora os juros que o governo passa a pagar sobre a liberação de alguns compulsórios, que segundo a Folha de São Paulo até agora totalizam R$ 825 milhões, e cuja conta é paga com os impostos da população.

Ao mesmo tempo, ainda que o governo tenha começado a acenar com uma interrupção do aumento das taxas de juros internas, este movimento está quilómetros luz das reduções de juros que seriam necessárias para que os títulos da dívida pública brasileira deixassem de ser um dos ativos mais rentáveis do mundo para os parasitas das finanças.

Os bilhões de dólares que o Banco Central tem colocado no mercado interno para tentar conter a desvalorização excessiva do Real, além de não estarem conseguindo segurar o câmbio, estão alimentando a especulação dos capitalistas que agora buscam ganhar com a valorização da moeda norte-americana. Aqui, mais uma vez, numa transferência direta de dinheiro público para os capitalistas.
Outros milhões de reais estão sendo destinados aos exportadores através de linhas de crédito especiais dos bancos federais. Mas o que garante que esses empréstimos não vão entrar mais uma vez no “fundo perdido” das dívidas do agronegócio que sistematicamente são “perdoadas” pelo governo federal? Não foi assim no primeiro semestre deste ano, quando Lula autorizou a renegociação de mais de 70 bilhões de reais de dívidas dos agricultores?

Se por um lado o governo anunciou que não vai tirar um tostão dos investimentos no PAC e na educação, por outro lado disse também que vai fazer cortes no orçamento público para ajustar as despesas à já prevista diminuição da receita e garantir a “reserva” necessária ao pagamento dos juros da dívida pública. Mas, se não vai ser no PAC nem na Educação, onde vão ser feitos os cortes de verbas? Na saúde, cuja qualidade se mede exemplarmente pela epidemia de dengue no Rio? Nos salários e benefícios dos funcionários públicos, como tanto pede a burguesia? Nos planos assistenciais, que ainda relegam milhões de pessoas à pobreza e à miséria?

Em sua mais recente medida de subsídio, o governo libera os capitalistas para atrasarem o pagamento de seus impostos.
Mas o que mais diz sobre a política do governo são as Medidas Provisórias 442 e 443, que foram recentemente implementadas pelo Executivo.

A MP 442 já dava um poder inédito ao Banco Central para socorrer as instituições financeiras em dificuldade, injetando crédito nas mesmas ou comprando seus ativos, sejam os “sadios” ou os “podres” . Claro que, na linguagem do governo, isso não significa qualquer salvamento aos capitalistas falidos com o dinheiro público, mas sim “liberação de crédito para minimizar os efeitos da crise” . O governo diz inclusive que essas medidas supostamente poderiam gerar até ganhos para os cofres públicos se, com o passar da crise, os ativos fossem novamente vendidos a preços maiores. Uma mentira difícil de esconder para aqueles que se recordam das medidas muito semelhantes tomadas por FHC na crise bancária de 1995, no plano que ficou conhecido como “Proer” . Esse resgate de FHC deu lugar a inúmeros escândalos de favorecimento de capitalistas com dinheiro público, com diretores do Banco Central até hoje respondendo a processos na justiça por fraudes de todo tipo. Nesse sentido, a “grande novidade” da MP 442 é que ela “protege” os diretores do Banco Central de serem responsabilizados judicialmente pelas falcatruas.

O que torna a “operação salvamento dos bancos” no Brasil mais irónica ainda é que os balanços trimestrais das principais instituições financeiras, recentemente anunciados, mostram que estas continuam lucrando bilhões e bilhões...

JPO: E a MP 443? Ela autoriza o Banco do Brasil e a Caixa Económica Federal a adquirir participações e até mesmo o controle de instituições financeiras e inclusive empresas. Alguns setores a têm chamado de “MP da Estatização” , fazendo alusão a que, com isso, o governo estaria se aproximando das políticas de traços “nacionalistas” de Evo Morales e Chávez.

Isso é ridículo. São os gritos dos ideólogos mais firmemente liberais do país; dos setores da burguesia que podem se ver prejudicados ou menos favorecidos nos esquemas do governo; ou dos petistas que ainda pressionam para que seu governo tenha um viés um pouco mais “de esquerda” . Obviamente, a MP 443 não deixa de ser uma medida que potencializa a intervenção do Estado na crise. Mas está em completa consonância com as medidas que vêm sendo tomadas nos países imperialistas para salvar o sistema financeiro da bancarrota. O próprio Lula já disse, em coro com os chefes políticos dos países centrais, que as “nacionalizações” eventualmente feitas neste momento de crise serão revertidas assim que possível, com a revenda dos ativos ao setor privado.

A justificativa anunciada pelo governo para a MP 443 é a necessidade de se prever contra riscos de contaminação em cadeia (ou “sistêmica” ) que surja da eventual quebra de instituições financeiras de grande porte; ou a necessidade de injetar crédito na construção civil, que por suas características de trabalho intensivo é um dos setores que mais pode afetar o desemprego. Mas aqui trataremos dos outros “dotes” da MP 443 que o governo obviamente não tem interesse de anunciar.
Em primeiro lugar, as operações realizadas pelo Banco do Brasil e pela Caixa Económica não estarão submetidas ao mesmo controle jurídico, fiscal e contábil do que aquelas que forem efetuadas pelo Banco Central. Muito pelo contrário. Enquanto as operações realizadas pelo Banco Central estão obrigadas a uma transparência quase simultânea, as que forem efetuadas pelos bancos federais podem ser realizadas de forma oculta e obscura. Ainda mais no caso da Caixa Económica, que como não tem ações na bolsa não precisa prestar contas para seus acionistas privados. Ou seja, é uma forma bem mais “profissional” de utilizar o dinheiro público para salvar os capitalistas em crise através das negociatas entre os chefes destes bancos ’ que não são nada mais que indicados políticos dos partidos do governo ’ e os empresários “amigos” do Planalto.

Em segundo lugar, essa é uma medida que coloca o governo como um agente facilitador da concentração de capitais nas mãos de monopólios cada vez mais poderosos e mais restritos. Basta ver como nos últimos meses os maiores bancos dos EUA que estavam em dificuldades foram incorporados pelos bancos ainda maiores, mas que tinham uma situação mais saudável. E isso com a ajuda do governo norte-americano. Não por acaso, alguns setores da burguesia brasileira ficaram extremamente contentes com a medida enquanto outros se mostraram insatisfeitos. Estão muito agradecidos os monopólios “amigos” do governo que poderão comprar empresas em dificuldades “na bacia das almas” . E um exemplo dos que não gostaram muito está nos grandes bancos privados que se preparavam para “abocanhar” concorrentes e que agora vão ter que competir em condições de desigualdade com os bancos federais; pois consta na MP que estes últimos não precisarão de licitação para adquirir outros bancos públicos à venda como a Nossa Caixa de São Paulo e o Banco de Brasília. Assim como também não gostaram muito os empresários médios e pequenos da construção civil que, ao invés de conseguirem crédito para pagarem “no dia de São Nunca” , estarão correndo o risco de perderem o controle de suas empresas para o governo e os monopólios amigos de Lula.
Ainda está em jogo os limites que o Congresso vai querer impor às novas MPs, seja para atender aos distintos interesses capitalistas ou para desgastar o governo. Mas, de conjunto, todos os partidos dominantes concordam com a necessidade se precaver de crises sistêmicas socializando os prejuízos e concentrando o capital.

JPO: Lula diz que não vai implementar nenhum “pacote” para que os trabalhadores e os pobres paguem pela crise...

Pelo que eu já disse até agora, já se pode verificar como isso é uma balela completa. Lula vem do movimento sindical e sabe que, para os trabalhadores, os ditos “pacotes” em momentos de crise vêm sempre para descarregar os custos sobre nossas costas. Mas, por mais que Lula não queira usar este nome, o que é o conjunto de medidas do governo? Não é um verdadeiro “pacotaço” destinado a salvar os capitalistas com o dinheiro tirado dos impostos da população? Dinheiro este que deveria se destinado à saúde, à educação etc. E essa “conta” fica ainda mais cara quando constatamos que 67% dos impostos arrecadados no país incidem sobre o consumo, garantindo um ónus tão maior quanto menor for a renda do trabalhador.

Temos visto o governo anunciar dezenas de medidas para salvar a burguesia. Mas não ouvimos Lula pronunciar uma palavra sequer contra as demissões em massa de 600 operários da indústria de eletro-eletrónicos de Manaus, ou contra as férias coletivas em vários ramos da produção; ao mesmo tempo em que, hipocritamente, implora para que os trabalhadores “não deixem de consumir” . Tampouco temos visto o governo adotar qualquer medida contra o aumento da inflação que tem corroído os salários e que com a alta do dólar tende a ter um efeito ainda mais grave. O que sim temos visto é a patronal, com a cumplicidade do governo, endurecer nas negociações salariais, que segundo o Dieese, em 2008, já revelam índices de reajustes inferiores à média dos anos anteriores.

JPO: Como a classe trabalhadora está respondendo a esta situação?

Apesar dos impactos da crise internacional já terem começado a atingir mais diretamente a burguesia brasileira nos últimos meses, só a partir de outubro começam a surgir lentamente os primeiros indicadores que apontam para uma deterioração das condições de emprego e renda, o que pode começar a alentar maiores descontentamentos. Ainda que nos últimos anos o Brasil tenha se caracterizado pela escassa atividade da luta de classes e uma relativa estabilidade política, devemos nos preparar para cenários de maior luta de classes e mais instabilidade. Pois antes mesmo de se manifestar a crise no país, já temos visto uma importante disposição de lutas económicas em setores centrais da classe operária neste ano, como por exemplo na greve dos bancários, das montadoras, dos correios e de setores da construção civil, que se enfrentaram com a dureza da patronal nas negociações salariais. Também têm se desenvolvido fenómenos combativos de lutas e de organização entre os setores mais precários da classe trabalhadora, que em distintas oportunidades têm superado os limites impostos pela burocracia sindical, e que seguramente reagirão na medida em que estes serão os primeiros setores que os capitalistas tentarão atacar.
Entretanto, a burocracia sindical tem sido capaz de conter e desviar essas lutas, impedindo que se radicalizassem, se politizassem e expandissem para outros setores, alimentando o isolamento de setores precários e terceirizados em relação aos setores mais organizados da classe trabalhadora.

Durante o ciclo de crescimento dos últimos anos, a burocracia sindical cumpriu um papel chave na garantia dos exorbitantes lucros patronais na medida em que conteve as lutas salariais em patamares muito inferiores aos ganhos de produtividade da economia. Os aumentos salariais levemente acima da inflação eram comemorados. Mas ao mesmo tempo se escondia que, apesar da média salarial ter recuperado parte do poder de compra prévio à crise de 2002, ainda se manteve muito inferior ao dos anos 90. Os empregos criados com Lula eram idolatrados. Mas nada de sério se fez para defender os interesses dos enormes contingentes de trabalhadores precários que compunham a maioria dos milhões de empregos criados sob o governo petista. Esse papel da burocracia foi fundamental para que Lula conseguisse manter parte de seu prestígio e ao mesmo tempo “mascarar” o enorme aumento da taxa de exploração do trabalho sob seu governo.
Agora, com o início da crise económica, a burocracia oscila entre aqueles que praticam um silêncio ensurdecedor ’ como se a crise em nada atingisse os trabalhadores ’, e os que, em coro com o governo petista, defendem o “estímulo ao mercado interno” e dizem em voz alta que “os trabalhadores não pagarão por essa crise” . Revelando sua hipocrisia, fazem isso ao mesmo tempo em que nada fazem contra as férias coletivas nas montadoras, que estão entre as patronais que mais lucraram nos últimos anos; ou as demissões que já começaram a ser anunciadas. Vergonhosamente, tampouco cumprem a tarefa elementar de denunciar o socorro do governo aos banqueiros, ao mesmo tempo em que aceitam migalhas de aumento salarial.

JPO: E a esquerda?

Bom... Em termos gerais, a esquerda não está preparada para organizar a vanguarda operária, estudantil e popular para enfrentar a crise onde tem influência. Os principais partidos da esquerda tiveram este ano sua política voltada às eleições, com resultados muito ruins, e no meio do processo eleitoral foram surpreendidos pela crise. Mas eles seguiram sem alterar seu curso, mostrando como estão contaminados pelo conformismo social. Mas, para enfrentar a crise, a classe operária precisa em primeiro lugar conquistar sua independência política diante de todos os setores burgueses, sejam eles banqueiros ou industriais, grandes, médios ou pequenos.

O PSOL nestas eleições mostrou mais uma vez a que veio: é um partido que fala do socialismo, mas que vota leis antioperárias e recebe dinheiro de monopólios capitalistas como a Gerdau. Frente à crise, o partido de Heloísa Helena não pode mais que ecoar a política “neodesenvolvimentista ligth” da burocracia cutista. A vanguarda operária precisa combater veementemente este tipo de política.
E o PSTU tem mostrado como, apesar de defender a revolução socialista e consignas classistas em seus jornais, em sua prática política concreta, termina fazendo justamente o contrário. Ao seguir a reboque do PSOL, o PSTU sacrifica como moeda de troca a luta pela independência política da classe operária, numa prática abertamente eleitoralista. Na Frente de Esquerda eleitoral que impulsionou junto com o PSOL, levantou a bandeira da “mudança da política económica” , que em pouco ou nada se diferencia da política tanto da burocracia cutista, como do PSOL.
Agora, frente ao agravamento da crise, o PSTU utiliza a Conlutas como uma tribuna de propaganda e se mantém adaptado à rotina das datas-bases, sem tomar qualquer medida séria para organizar e armar a vanguarda com um plano de luta independente capaz de enfrentar os ataques que já estão em curso e os que estão por vir. Com isso, mostra com tudo seu lado sindicalista.

JPO: Que papel a LER-QI se propõe a cumprir neste marco?

A partir do jornal Palavra Operária temos buscado debater junto a setores de vanguarda da classe trabalhadora e da juventude a profundidade e as conseqüências da crise económica internacional, e como devemos nos preparar para enfrentá-la.

A partir de nossa participação no Sindicato de trabalhadores da USP (Sintusp), temos realizado uma série de debates junto à categoria, que culminaram em propostas programáticas e um chamado a Conlutas para a realização de um encontro de trabalhadores e estudantes. Este encontro deveria se transformar em uma plataforma para que os setores de vanguarda da classe possam oferecer uma saída operária independente frente aos ataques que se colocam com a crise.

A partir de nossa atuação nas universidades e no movimento estudantil, temos impulsionado debates públicos sobre a crise económica mundial e buscado aglutinar um setor do movimento estudantil que se proponha a aliar-se à classe trabalhadora para enfrentar os difíceis momentos que estão por vir. Batalhamos para fundir a defesa das reivindicações operárias com a defesa da universidade pública e a luta para que esta esteja a serviço dos interesses da maioria explorada e oprimida da população e não dos lucros capitalistas.

Ao mesmo tempo em que propomos um programa de ação como resposta independente da burguesia frente às perspectivas de crise, dizemos que o capitalismo merece perecer e dar lugar a uma sociedade sem explorados e exploradores, e que é em função desta perspectiva estratégica que colocamos nossas energias militantes a serviço da construção de um partido revolucionário no país, que para nós não surgirá a partir do “engorde” de nenhuma das correntes que hoje se reivindicam revolucionárias, mas sim de um processo de rupturas e fusões entre essas organizações, ligando-se aos setores mais radicalizados da classe operária que surgirão em meio aos futuros embates agudos da luta de classes.

Chamamos os setores de trabalhadores e da juventude, que simpatizam com nossas idéias e nossa prática, a participarem dos círculos de discussão do jornal Palavra Operária, a ajudar-nos a difundi-lo, a militarem junto conosco no movimento estudantil através da A Plenos Pulmões e construírem junto conosco uma ala verdadeiramente classista na Conlutas.

Artigos relacionados: Nacional , Movimento Operário









  • Não há comentários para este artigo