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Teoria

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Trotsky e a Quarta Internacional

11 Aug 2009   |   comentários

O importante escritor Victor Serge afirmava, muitos anos após ter rompido com Trotsky nos anos 1930, que própria idéia de uma nova internacional de trabalhadores era ainda prematura; via que o fracasso da Segunda (que “carecia de espírito e energia revolucionária” ) e da Terceira Internacional (“escrava do estado soviético” ) era mais o fruto de uma impossibilidade orgânica da classe operária de se libertar das amarras da sociedade burguesa do que decorrência de pelo menos três décadas de grandes enfrentamentos revolucionários da luta de classes[1], nos quais cada momento poderia ter mudado o próprio destino da humanidade. Vale dizer que a Quarta Internacional, se considerarmos como válidas as idéias deste antigo revolucionário, não teria nenhum significado para a história da classe operária internacional.
Outros também seguiam caminhos similares, como o mais importante biógrafo de Trotsky, o historiador polonês Isaac Deutscher que, não obstante as suas virtudes literárias, desenhava o quadro “sombrio” do final da década de 1930 com tal profundidade que usualmente se referia ao assunto como o “fiasco da Quarta Internacional” [2]; neste caso, não considerava que diferentemente da Terceira Internacional, fundada ao calor da revolução russa de 1917, Trotsky ensinava que a nova internacional era produto de “grandes acontecimentos: as maiores derrotas do proletariado na história” e que tarefa estratégica era tanto a preparação daqueles novos quadros, quanto manter viva a corrente marxista que enfrentava acontecimentos enormes, como a guerra mundial ’ tal como a seu modo fizeram Marx e Engels após a derrota das revoluções européias descritas no Manifesto Comunista.
Os dois autores escreviam após a morte de Trotsky, o primeiro ainda na década de 1940 e o segundo pouco mais de duas décadas (1963). Muitas vezes este tipo de posição, quando defendidas por eminentes personalidades, suscita naturais questionamentos, alguns dos quais pretendemos neste breve espaço discutir, no sentido de demonstrar qual é a importância do legado da Quarta Internacional hoje.

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Em diversos momentos de seu pensamento maduro (ou seja, nos anos 1930), Trotsky apontava que a sua tarefa mais importante seria a formação daquela nova geração organizada em condições absolutamente adversas em torno da Quarta Internacional. Considerava, por exemplo, o seu documento de fundação como “a nossa conquista mais importante” , pois a Quarta Internacional
“era a única organização que leva em consideração não apenas as forças que regem a época imperialista, senão que está armada com um sistema de consignas transitórias capazes de unificar as massas para uma luta revolucionária pelo poder”
[3].
O pano de fundo estratégico elaborado por Trotsky levava em consideração o conjunto das experiências da luta de classes até aquele momento, o que incluía não somente a revolução russa de 1917, que nesta época já tinha se degenerado no stalinismo, mas também, nas suas palavras, na Alemanha, Ã ustria e Hungria dos anos 1918 e 1919 e depois na Alemanha em 1923; a revolução de 1925-1927 na China, a revolução espanhola de 1931-1939, as situações revolucionárias na Alemanha entre 1931-1933, na França em 1934 etc. Do ponto de vista da composição dos quadros que compunham a organização, é possível expressar que assim como a Oposição de Esquerda era a “nata e a flor” do partido bolchevique e foi isso que a condenou, por ser uma verdadeira alternativa ao stalinismo, a Quarta Internacional expressava em seu interior camadas de revolucionários saídos de cada processo revolucionário derrotado da luta de classes, como Peng Shu-Tsé e Chen Tu Hsiu na China, James Cannon nos EUA, Pietro Tresso na Itália e outros muitos países.
Grandes processos revolucionários ocorreram nestes e em muitos outros lugares do mundo o proletariado também havia se colocado a tarefa de se constituir como classe revolucionária, mas faltava “um partido capaz de aproveitar as circunstâncias” , como no Outubro russo:
“Guerras e revoluções são os fenómenos mais graves e mais trágicos da História. Não se joga com elas. Suas relações mútuas devem ser claramente concebidas. E também as relações de interdependência existentes entre os fatores objetivos da revolução, que não se podem criar à vontade, e os fatores subjetivos derivando da vanguarda consciente do proletariado e de seu partido. Nós devemos consagrar todas nossas forças na preparação deste Partido.” [4]
Em torno dos combates contra o reformismo e, posteriormente, contra a degeneração da revolução russa, a corrente representada por toda uma geração de marxistas revolucionários retirou lições daqueles processos subseqüentes, sendo a Quarta Internacional também fusão destas experiências e tradição do marxismo. O historiador Pierre Broué também demonstrou em seus trabalhos como foi a Oposição de Esquerda Internacional a única corrente que conseguiu existir dentro do Partido Bolchevique na URSS organizando milhares de membros e que posteriormente, na clandestinidade, ainda aterrorizava a burocracia stalinista até os Processos de Moscou nos anos 1930 e desenvolvendo-se internacionalmente, o que considerava base para uma “revolução” em grande parte da historiografia do movimento operário no século XX.
Colocar na ordem do dia a redescoberta desta tradição marxista significa para a nossa corrente o exato oposto de uma história morta. É certo que a Quarta Internacional não mais existe como organização centralizada após os anos 1950 e que os prognósticos de Trotsky sobre o seu desenvolvimento não se cumpriram na sua totalidade, já que não se transformou na direção revolucionária das massas no curso da guerra mundial. Ainda assim, afirmava Trotsky, em 1940, que mesmo que se a guerra mundial terminasse nas piores condições para a luta de classes, “a situação do proletariado internacional, desde o ponto de vista das tarefas da revolução socialista mudaria muito pouco” [5].
No atual período, marcado pelo início de uma crise capitalista mundial, as premissas e a “mecânica interna” do Programa de Transição recobram sua completa atualidade. Neste sentido, a crise da direção revolucionária do proletariado, que teve na Quarta Internacional a sua grande combatente “contra a corrente” , se transformou em um retrocesso subjetivo sem precedentes na história nos últimos trinta anos, o que significou ao proletariado de todos os países um nível de organização e consciência tendente a inexistência, ao mesmo tempo em que uma crise de proporções históricas gerará novos encontros entre a ação do proletariado e suas necessidades históricas.
Para nós, o sentido da luta pela reconstrução da Quarta Internacional é o resgate das lições das batalhas travadas por aquela geração revolucionária, que se fundirá com as futuras ações das massas proletárias em sua luta pela emancipação. A atual situação mundial, ao recolocar o programa da Quarta Internacional na ordem dia, coloca-se também a partir de uma tarefa estratégia, que é a necessidade da construção de uma organização revolucionária internacional do proletariado, como continuidade do fio vermelho que percorre a história daquele movimento que foi, na “meia-noite” do século, a esperança do porvir.

[1]Victor Serge, Entrevista concedida à revista Left (Esquerda), no. 90, Abril de 1944, órgão do Independent Labour Party.
[2]Ver Isaac Deutscher Trotsky: O profeta banido (1929-1940). Ed. Civilização Brasileira.
[3]Trotsky, Uma grande realização (1938), em O programa de transição, Iskra, 2008.
[4]L. Trotsky Da Noruega ao México, (1937), Laemmert, 1968.
[5]L. Trotsky Não mudamos o nosso rumo (1940), Escritos, Livro 6, CEIP.

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