Sexta 19 de Abril de 2024

Economia

ECONOMIA

Tirando a máscara do Brasil Maior

23 Apr 2012   |   comentários

Como os ventos da crise começam a derrubar aos poucos o castelo de areia construído por Lula e Dilma

É preciso desmentir o discurso do Brasil Potência que “avança” apesar do cenário mundial e que caminha para ser um novo player global por meio de seus grandes monopólios como a Petrobras, JBS Friboi, BRFoods e Odebrecht os quais procuram novas oportunidades de expansão e de fortalecimento no contexto da crise – já que o Brasil estaria em situação de maior vantagem do que as economias da Zona do Euro e EUA, países no olho do furacão da crise. Nesse marco, a burguesia corre contra o tempo para pressionar o governo (com apoio de centrais sindicais governistas como a CUT, CTB e Força Sindical!) a tomar medidas de ajustamento para modernização da indústria e ganho de competitividade via redução dos custos e controle cambial, a fim de controlar a enxurrada de bens finais e insumos industriais importados que entram no país (graças à excessiva valorização do real) provenientes essencialmente de China e demais tigres asiáticos.

As turbulências da recessão sincronizada em curso podem afundar as “oportunidades” e o devaneio burguês de afirmação do Brasil como Potência. Existem importantes contra-tendências ao “Brasil que avança” no plano externo e interno, que revelam a fragilidade do país, reforçando seu caráter dependente e semicolonial, preso na rede financeira e diplomática das grandes potências. Os ritmos da economia brasileira são ditados pelo pulsar da economia mundial, dos países imperialistas e seus monopólios -começando pelas rápidas oscilações na indústria que demitem sincronizadamente com o mundo.

A tendência atual de queda no preço das commodities, exceto do petróleo, apontada nos recentes relatórios do FMI como um fenômeno de “deflação global”, é puxada pela queda de demanda internacional, especialmente com a previsão de queda no PIB e forte desaceleração da indústria manufatureira mundial, com destaque para a queda da produção industrial na Zona do Euro -a Alemanha constitui a única exceção- e para significativa queda no PIB projetada este ano para a China. Já a economia norte-americana também cresce lentamente e busca se recuperar em meio a fortes contradições.

As incertezas que se mantêm a despeito do recente pacote de salvamento do BCE, uma forte injeção de fundos públicos nos bancos da Zona do Euro cujos capitais encontram uma válvula de escape em nichos de valorização localizados nos países atrasados e semicolônias como o Brasil, China e Índia, reforçam as tendências de contágio e fragilidade dos grandes bancos diante crise.

Um breve raio X da situação econômica nacional…

A conjuntura econômica do Brasil não aponta evidências diretas de impactos da crise no país como vem ocorrendo países da Zona do Euro; no entanto, é suficiente para mostrar alguns desafios cujas respostas e soluções de fato, não passam por planos do governo e nem pela débil burguesia nacional. Apesar do discurso do governo Dilma e do PT de que estaríamos a caminho do “pleno emprego” é preciso discutir qual a qualidade desses empregos e se estes seriam realmente consequência da geração de fato de novos postos de trabalho, ou é um “pleno emprego” fundado num vigoroso ataque aos direitos da classe operária.

Por exemplo, vários desses empregos se devem à formalização, e não necessariamente a criação de novos postos: segundo dados do CAGED, mais de 70% das vagas que são criadas no mercado de trabalho formal remuneram de 1,01 à 2 salários mínimos. Setorialmente temos a questão do emprego industrial que vem mostrando fraco desempenho devido à produção industrial, ainda longe de uma plena recuperação dos efeitos da crise; a valorização do real, a concorrência internacional e as incertezas trazidas pelos ventos da crise no mercado financeiro e de crédito, além da consequente contração do comércio internacional com as guerras cambiais e fechamentos dos mercados como resposta nacional à crise em vários país – medidas para defesa da indústria-, são algumas das razões apontadas para esse processo.

Outro aspecto da conjuntura que merece um olhar atento é o recente crescimento no déficit em transações correntes. Apesar dos saldos positivos na balança comercial, o saldo da balança de serviços e rendas está crescentemente negativo, apontando para uma crescente remessa de lucros e rendas para fora do país, consequência do aumento do volume de capitais de curto de prazo e de carteira que invadiram o país nos últimos anos.

Desde 2010 é também significativo o aumento no volume de IDE que entra no país. É justamente a intensificação no nível dos fluxos de capitais para o Brasil e demais países da periferia, em função da recessão nos centros econômicos, que viabiliza o aumento na oferta de crédito para dinamizar o mercado interno e o crescimento estrondoso do lucro dos bancos nacionais. No entanto, esse “boom do crédito” e do consumo no país já sinaliza um desaquecimento do mercado de crédito diante da tendência à queda da liquidez internacional e agudização dos riscos financeiros e da diminuição do ritmo de crescimento da economia doméstica, mesmo com a redução da taxa SELIC pelo governo Dilma -de acordo com o relatório de conjuntura do IPEA.

Nesse sentido, o desempenho favorável das exportações de produtos básicos (cerca da metade do total exportado pelo país se concentra em apenas cinco commodities: minério de ferro, petróleo em bruto, complexo soja, açúcar bruto e refinado e complexo carnes) devido ao comportamento positivo de seus preços puxados pelo forte crescimento das economias asiáticas desde 2006, destacando a China (“fábrica do mundo”), que com os demais países “emergentes”, tem impulsionado fortemente a demanda por produtos básicos, insumos para o consumo e fundamentalmente, produção industrial nesses países. Este fato vem provocando uma elevação nos preços e no volume das exportações brasileiras de commodities, processo este que ocorre em detrimento das exportações de produtos manufaturados e reforça a tendência à concentração da pauta de exportações em produtos básicos. A última ata do Copom (Comitê de política monetária) aponta dados que reforçam estas tendências: mostram índices que sinalizam uma queda nos preços das matérias–primas brutas, e mostram, também, que o maior cresdimento do valor adicionado em 2011 foi proveniente do setor agropecuário. A maior queda na atividade fabril ocorreu justamente no setor de veículos automotivos, uma queda de mais de 30%.

O consumo total (das famílias e do governo) tem a maior contribuição para o crescimento do PIB nos últimos anos. Esse aumento na importância do consumo para a manutenção da relativa e frágil estabilidade econômica do país diante da crise, hoje vem sendo ameaçado pela contração do crédito, fruto de medidas do governo para controle da inflação via redução do consumo. As famílias estão com dívidas maiores de prazo mais longo, puxadas pelo financiamento imobiliário – programa Minha Casa Minha Vida – e compra de veículos a prazo, que passou por um forte boom em 2010, mas hoje as empresas do setor acumulam altos níveis de estoque. Ou seja, pelo menos 42% das dívidas das famílias serão quitadas no longo prazo e o restante são dívidas de curto prazo, sendo que 60% destas se destinam à compra de produtos de primeira necessidade, característica da precarização da vida e do trabalho que força os trabalhadores que ganham um salário de miséria a recorrerem ao crédito caro de curto prazo para comprar alimentos, roupas, entre outros produtos, os quais deveriam ser garantidos por um salário digno.

A resposta do governo à crise, a busca de “oportunidades” pela burguesia nacional da CNI/FIESP e o papel da burocracia sindical

Como Marx já apontava em “O Capital”, as causas contrariantes à tendência à baixa da taxa geral de lucro são: aumento do grau de exploração da força de trabalho pelo prolongamento da jornada ou pela intensificação do trabalho, a redução dos salários, a redução de preço dos elementos do capital constante, a superpolução relativa que barateia e torna abundantes os trabalhadores desempregados e liberados, o comércio exterior que contribui para a baixa dos insumos produtivos e o capital escoando para valorizar-se na periferia. De modo que a tendência da taxa de lucro cair (com o aumento da produtividade do trabalho) e o que culmina por sua vez nas crises, está ligada à tendência de subir a taxa de mais-valia e, por conseguinte, o grau de exploração do trabalho.

O Plano Brasil Maior atualizado há algumas semanas pelo governo Dilma em evento que reuniu a nata da burocracia sindical (CUT, CTB, Força Sindical), sindicatos patronais, CNI, FIESP, empresários dos monopólios nacionais, é apresentado como resposta à crise num contexto de desaceleração global no qual “a letargia dos países ricos começa a afetar os emergentes”, com bancos internacionais projetando uma queda no PIB para a China, Índia, Turquia, África do Sul e Brasil. Nesse sentido, o plano responde às angústias do empresariado nacional, afirmando categoricamente que o governo vai “defender a nossa indústria, nossos empregos e nosso modelo de desenvolvimento aberto ao capital estrangeiro e isso não afeta a soberania do país, (…) não concebemos nosso desenvolvimento sem uma indústria forte, inovadora e competitiva”1 .

O discurso de Dilma e do PT é música para os ouvidos da burguesia que se vê num campo aberto para seus rearranjos em busca de oportunidades para aumentarem o grau de exploração do trabalho a fim de evitar as falências de suas plantas, e de uma perda significativa de espaço para realização do capital no mercado interno e externo devido ao acirramento da concorrência com os produtos chineses e de grandes monopólios imperialistas internacionais. Nesse sentido, o que está colocado são ajustes que recaem sobre as costas dos trabalhadores.

O governo sinaliza medidas que tem como objetivo a redução de custos, melhores práticas de gestão e inovação, ou seja, diante da crise algumas medidas a serem tomadas, de acordo com a estratégia de desenvolvimento brasileiro do governo, consistem no controle cambial (controle do BC para evitar uma excessiva valorização do real que prejudique as exportações e a competitividade da indústria), em medidas de desoneração da folha de pagamentos e em estímulos à produção nacional com vistas à redução de custos e consequente recuperação da competitividade da indústria2.Essas medidas são colocadas de forma ideológica pela mídia burguesa como ajustes necessários que levariam o Brasil a aproveitar o cenário internacional de crise para fortalecer e recuperar sua indústria.

No entanto, por trás desse discurso do desenvolvimento sustentado está um ataque claro à classe trabalhadora de conjunto e que deve se aprofundar num cenário de recessão generalizada – desaquecimento da demanda mundial – com o prolongamento da crise e o enfraquecimento das contratendências à crise, como a demanda chinesa, por exemplo. Isto já aparece com o fundo de pensão do funcionalismo, as privatizações de aeroportos, o avanço da precarização do trabalho (e a busca pela regulamentação da terceirização) e o ajuste fiscal que já se reverte em cortes de gastos do governo na educação e na saúde.
O governo, mais do que tomando medidas em reação aos efeitos da crise nos países “emergentes”, está aplicando medidas preparatórias, verdadeiros ataques que só podem se dar num ambiente nacional envolto à passividade e ao gradualismo lulista/dilmista. Este ambiente é embrionariamente quebrado e questionado pelos levantes da classe trabalhadora mais precarizada e ultra-explorada e que mais sofre acidentes de trabalho, os trabalhadores terceirizados ou os “ameaçados pela terceirização”; como ocorreu em Jirau e Santo Antônio no mês passado e em 2011, além das inúmeras greves dos terceirizados dos serviços de limpeza e alimentação que aconteceram pelo país, inclusive na USP e UNICAMP. A crise, como já apontava Marx, tem como uma de suas causas contrariantes o aumento do grau de exploração do trabalhador: a terceirização e seu avanço para todas as atividades da empresa, são uma tentativa da débil e dependente burguesia nacional para enfrentar a crise capitalista.

A burocracia sindical tem importante papel na manutenção do gradualismo lulista e na passividade do movimento operário no país, desviando os processos de lutas e sua combatividade para uma adaptação ao reformismo e ao governismo, na contramão da independência de classe agem como representantes dos interesses da burguesia no seio da classe operária. De forma alguma a luta pela manutenção do emprego e da renda deve passar pela aliança espúria com setores da CNI e FIESP, representantes de uma fração da burguesia nacional, como fez a CUT, a CTB e a Força Sindical, e o Sindicato dos metalúrgicos do ABC filiado à CUT. Este último, por meio de seu vice-presidente chegou a afirmar na ALESP, no último dia 4 no ato “Grito de Alerta” organizado em conjunto com estudantes e empresários, que o plano Brasil Maior teve forte contribuição dos debates promovidos pelos trabalhadores3, em especial de seu sindicato. E as contradições continuam, a mesma CNI/FIESP em reunião com deputados e representantes do governo, afirmou que iria pressionar o governo Dilma para que não aprovasse a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, campanha que vem sendo levantada pela mesma CUT e outras centrais sindicais governistas. É preciso que as centrais sindicais antigovernistas e combativas se coloquem numa perspectiva de independência de classe, de democracia operária e auto-organização, contra o burocratismo e o reformismo que alimentam a passividade e criam o terreno para que se passem mais ataques.

Qual a alternativa consequente para a crise?

Assim, a burguesia impõe a classe trabalhadora o desafio da preparação para tempos de mudanças bruscas no cenário nacional. A época Imperialista (não já em sua “juventude” dos inícios do século XX, mas em toda a senilidade e virulência com os últimos 30 anos de restauração burguesa) com suas crises e guerras coloca a atualidade da revolução proletária, assim “o caráter revolucionário da época consiste em suas profundas e bruscas oscilações, em suas transições frequentes e brutais”4. Naturalmente não ignoramos a grande diferença de situação entre a conjuntura em que vivemos hoje e a década em que Trotsky assim escrevia (1928), cravejada de processos revolucionários como decorrência da Primeira Guerra Mundial. Mas a análise da época imperialista mantém todo o seu vigor, e a crise econômica estourada em 2008 reabre as tendências em que os choques entre as classes, e a própria questão do poder, serão impostos pela burguesia imperialista.

A época imperialista com suas mudanças bruscas impõe à esquerda combativa no Brasil a preparação em meio aos tempos de “calmaria” atual, para os momentos de maiores tensões, políticas e econômicas e acirramento da luta de classes no país a partir do avanço da crise. Nesse sentido, a etapa atual de putrefação do capitalismo não deixa o menor espaço para a política de conciliação de classes que a burocracia sindical no Brasil busca empurrar, sob a hipocrisia do discurso da “defesa do emprego e da indústria nacional” para o conjunto da classe trabalhadora. Política esta de traição que já levou, por exemplo, à derrota o Brasil, na situação revolucionária pré-1964 e no ascenso operário dos anos 1970, além transição pactuada da ditadura, todos esses processos sofreram diretamente com a política conciliadora nefasta do PCB.

Para enfrentarmos a crise e seus impactos na luta de classes, é fundamental nos apropriarmos das lições desses processos e derrotas frutos das direções conciliadoras e reformistas. A partir do que não devemos ser, as centrais sindicais anti-governistas como a Conlutas, devem apontar para uma perspectiva de luta com independência de classe, coordenando as lutas nacionais contra precarização do trabalho e da vida, contra o desemprego em massa, as privatizações e cortes de direitos e salários.

Nesse sentido, o Congresso Nacional da Conlutas, abre um importante espaço para que a vanguarda operária anti-governista possa votar um programa de luta independente e classista que busque responder de forma consequente às tarefas colocadas pelo cenário de crise econômica mundial. Para além da organização sindical, mas não descolada desta, é fundamental plantar uma forte organização nacional da juventude, bem como forjar uma intelectualidade profundamente crítica e pró-operária que não semeie nenhuma ilusão no desenvolvimentismo pequeno-burguês e reformista, adaptado à miséria do capitalismo, tal com vários intelectuais de grande importância para o conjunto do pensamento crítico país, bem como (salvo às diferenças políticas entre eles), Celso Furtado e Florestan Fernandes – um dos expoentes intelectuais do petismo.

É nessa perspectiva da necessidade de recolocação do marxismo como guia para a ação revolucionária, para que encontremos os caminhos reais de superação da crise econômica internacional que convidamos todos os jovens estudantes e trabalhadores a discutir as ideias da revolução, as mais ricas lições estratégicas que o movimento operário nos legou no século XX com a época imperialista, e a necessidade de um marxismo recolocado em seu verdadeiro posto: como teoria para a revolução proletária.

Como diz Trotsky: “Não há situações absolutamente ‘sem saída’. A burguesia pode escapar de uma maneira duradoura a suas contradições mais penosas unicamente seguindo pela via aberta pelas derrotas do proletariado e os erros da direção revolucionária. Porém o contrário também pode suceder. Não haverá novos progressos do capitalismo mundial (…) se o proletariado sabe encontrar o meio de sair pelo caminho revolucionário do presente equilíbrio instável”.

1-Trecho do discurso de Dilma no lançamento do programa Brasil Maior, disponível no site oficial do programa.

2-Segundo o IPEA em sua Cartade Conjuntura, a baixa competitividade da indústria brasileira está associada a uma série de fatores estruturais tais como: i) uma taxa de câmbio excessivamente apreciada;ii) alta carga tributária; iii)os gargalos na infra estrutura; iv) uma mão de obra mais cara, provocada pelo esgotamento de oferta de trabalho (?), acúmulo no nível de estoques, principalmente no setor automotivo, que já aponta para políticas e redução da produção e a desaceleração do nível de atividade interna que é responsável pelo aumento de ociosidade no grau de utilização da capacidade instalada, associado ao agravamento da crise internacional.

3-Matéria completa disponível no link: http://www.smabc.org.br/smabc/materia.asp?id_CON=29061&id_SUB=80

4-L.Trotsky, “ Stalin, o grande organizador de derrotas – a Terceira Internacional depois de Lênin.”

5-Veja mais sobre o 29M no artigo de Santiago Lupe, no JPO nº82

Artigos relacionados: Economia









  • Não há comentários para este artigo