Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

CONFERÊNCIA SOBRE MUDANÇA CLIMÁTICA

Tem algo de podre no reino da Dinamarca*

12 Dec 2009 | “O imperialismo tem implicado nas piores formas de destruição ecológica em termos de saqueio de recursos, destruição das relações sustentáveis com a terra e a carga dos desperdícios cai muito mais na periferia que nos países centrais.” (John Bellamy Foster, “El imperialismo ecológico”)   |   comentários

O clima social e político (também) esquentam. Ao fechar esta edição, a polícia dinamarquesa abordou jovens ambientalistas ao chegarem a Copenhague e invadiu suas propriedades e caminhonetes, e perto dali, uns 200 policiais assaltaram um de seus acampamentos.
Este 7 de dezembro começou a Conferência da ONU em Copenhague, que se estenderá até 18 de dezembro. Participam mais de 190 Estados e os chefes das potencias imperialistas asseguram sua presença. Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, mais China e Brasil entre outros, estarão presentes e discutirão o que fazer com a crescente degradação ambiental.

A fonte do problema

Diferentemente de 1997 quando foi assinado o tratado de Kioto[1], hoje ninguém nega o aquecimento global e se assume a “ação do homem”. Não fica espaço para manobras e retórica. No entanto, a “ação do homem” tenta esconder as formas de produção capitalista. E não pode haver passos substanciais sob a lógica do capital. O que manda é a maximização dos lucros, a concorrência e a propriedade privada; e suas formas de produção são incompatíveis com uma utilização racional dos recursos. Para eles a mudança climática é um problema não tanto no sentido em que afeta as condições de vida e saúde, mas no que prejudica parcialmente seus lucros, através do aumento do custo das matérias primas e da geração de energia.
Por isso, sua pretensão de regulamentar as emissões de carbono, é similar a pretender ordenar o comércio mundial (como se demonstrou na crise da Rodada de Doha). E isto é um problema (um sério problema). Uma mostra dele é o recente texto que surgiu, onde os EUA. e a Grã Bretanha impõem mecanismos que negam todo “marco legal vinculante” e um escasso financiamento aos países de industrialização intermediaria que são dependentes, abrindo a crise que vinha se sentido o cheiro.
É que a extração de matérias primas e produção de energia estão organizadas em função das demandas dos países imperialistas, onde vive 20% da população mundial e se consome 80% dos recursos mundiais. Por isso tratam de inculcar a idéia de que as mudanças climáticas é “um problema de todos” e que “entre todos devemos resolvê-lo” (“protege seu jardim e protegerás a floresta”, vociferam). Nada mais ridículo e perverso. Neste marco, ONGs e figuras como Noemi Klein suplicam por algum acordo; e o que é pior: saúdam a chegada de Barack Obama e exigem aos países africanos que aceitem as misérias e manobras imperialistas como o “mal menor”. China, Brasil e Índia não admitem a proposta do bloco anglo-saxão, e exigem financiamento dos países desenvolvidos. Os europeus especulam e tentam impedir que a conferência exploda logo em seu começo.

Quem consome e quem contamina?

O CO2 (dióxido de carbono) é o principal gás do efeito estufa (GEE), e cresce a partir da combustão para a geração de energia, do transporte automotor e a aviação. Mesmo assim, o desmatamento se estende brutalmente destruindo ecossistemas e diminuindo a capacidade natural de florestas e selvas que funcionam para absorvê-los. Estas mudanças no uso do solo contribuem com um terço das emissões de GEE.
Os derivados de petróleo, o carvão e o gás são os maiores expoentes e atual base de fonte energética. Estados Unidos e China concentram mais de 35% destas emissões de CO2 a nível mundial, utilizando basicamente carvão e petróleo. A União Européia (EU 25), Rússia e a Índia completam o pódio somando outros 25%. A Argentina emite 0,9. México 1,5 e o Brasil 2,5% do total mundial[2].
Por sua vez, sob o conceito “pegada de carbono”, se calculam os níveis de emissão em relação ao consumo per capita de energia, destacando-se um forte contraste entre um estadunidense com uma média de 20 toneladas, ou de um inglês que supera as 12 t, com a de um argentino que oscilaria em 8 t, implicando no posto 53 do ranking mundial de emissões de CO2/ano por habitante.

Promessas no papel

Ante semelhante desigualdade, a simples idéia de um “desenvolvimento sustentable” mundialmente, não se sustenta mais do que depois de pronunciada. Como bem expressa James O’ Connor: “Em nenhum país capitalista desenvolvido existe uma agência estatal ou mecanismo de planificação de tipo corporativo que se ocupe do planejamento ecológico, urbano e social integrado. A idéia de um capitalismo ecológico, ou de um capitalismo sustentável, não tem sido teorizada sequer de maneira coerente, por não falar de que tenha se expressado em uma infra-estrutura institucional”[3].
Algumas estimativas apontam, ademais, que se necessitariam uns 67 bilhões de euros durante dez anos para mitigar o aquecimento global. Uma cifra sem dúvida muito alta, ainda que muito pequena se a compararmos com o salvamento dos bancos durante a crise financeira, os gastos militares que alcançam os 980 bilhões por ano ou os gastos em publicidade que superam os 350 bilhões[4].
O principal poluidor, os Estados Unidos, enquanto conspira com seu eterno aliado inglês, desenha planos que preparam restrições a importações em base a “permissões anuais negociáveis de emissão”. China, Brasil e Índia repetem a necessidade de um financiamento por parte dos países centrais para reestruturar seu ciclo de emissões. De seu modo, a União Européia (EU 25) e Japão, propõem 20 e 25% respectivamente. Mas pouco e nada haverá. As promessas são unilaterais, por blocos, e longe de estabelecer uma coordenação contra o aquecimento global, estão abrindo disputas entre os distintos Estados.

Soluções de mercado

Neste marco, as “soluções” que giram em Copenhague para mitigar as emissões de GEE se assentam em três eixos: reconversão a “energias renováveis”, aplicação de “tecnologia verde” e a criação de um “mercado de carbono”. Este último (que é fomenta sobretudo pelo capital financeiro) se baseia em limites de emissão por país, impostos e papéis negociáveis, que transfere a crise dos Estados imperialistas em direção a periferia. Os monopólios poderão comprar permissões fora e seguir emitindo os mesmos níveis que queiram. Por sua vez, estabeleceria as restrições ao intercâmbio comercial.
E quanto às “energias renováveis”, a eólica, solar, geotérmica e biomassa, seriam as medidas mais coerentes. No entanto a mais anunciada entre elas, o bicombustível, apresenta sérios questionamentos já que o capital segue reconvertendo terras, estendendo a fronteira agrícola e desflorestando bosques e florestas; como no centro norte da Argentina e no Amazonas, sob formas de produção baseadas em mares de agrotóxicos, monocultura e transgênicos.
Outra conseqüência é a tendência que toma esta agricultura em direção a produção de combustíveis, provocando uma séria diminuição do total de alimentos disponíveis e em conseqüência a alta dos preços, mostrando o cinismo da “revolução verde” da burguesia.
Por último está a aplicação de “tecnologia verde”, talvez a mais curiosa e risível. As medidas vão desde a criação de árvores artificiais até “projetos (que) supõem usar aviões de alto vôo, armas navais ou gigantescos globos para lançar materiais reflexivos (aerossóis de sulfato ou poeira de óxido de alumínio) na estratosfera para refratar os raios do sol. Há até a proposta de criar ‘partículas desenhadas’ que vão ser ‘auto-levitantes’ e ‘auto-orientadas’ que se deslocarão pela atmosfera sobre os pólos para prover ‘sombras’ à região polar”[5]. Em síntese, os governos imperialistas que se reúnem em Copenhague junto a seus sócios menores dos países “em desenvolvimento” não podem aprofundar medidas de solução às mudanças no clima. Porque ao final, como sustenta Kovel (recordando as lições de Karl Marx)[6] “o capitalismo é o motor irrefreável da crise ecológica”. (Final da primeira parte do artigo)[7].

O que são as mudanças do clima

Desde seu início o capitalismo vem incrementando o registro de CO2 e outros gases de efeito estufa (GEE), elevando a temperatura da superfície da Terra incluindo os oceanos. Estas emissões aumentaram mais de 30% em apenas 150 anos, quer dizer grandes quantidades em tempo muito curto, o que diminui a capacidade natural para sua assimilação. Em 400.000 anos não se detectou semelhantes níveis de emissão em tempo tão curto.

Neste gráfico se observa a evolução da temperatura nos últimos 1000 anos, demonstrando uma tendência decrescente (fria) até aproximadamente 1900. A partir daí começa um salto abrupto e acelerado da temperatura na linha do tempo, que coincide com o início da era industrial capitalista e continua aumentando, modificando o ritmo natural pela contaminação de GEE. Fonte IPCC (Painel Inter-governamental de Mudança Climática da ONU, pela sigla em inglês)

Este fenômeno impede a saída de parte do calor enviado pelo sol de volta para o espaço, elevando as temperaturas terrestres e produzindo transformações climáticas imprevisíveis. Conseqüências como o derretimento dos pólos que eleva o nível do mar e amplia as zonas costeiras.
Especialmente as regiões mais empobrecidas do planeta como a África ou a América Latina são as que mais sofrem. Doenças como a malária, a dengue e a doença de Chagas se estendem e golpeiam a pobres urbanos e rurais.

* Publicado em La Verdad Obrera, órgão do PTS, organização irmã da LER-QI na Argentina, no dia 10/12/09.
[1] Este tratado tenta regular e reduzir as emissões de carbono. Não conseguiu. As emissões têm aumentado ainda mais desde sua realização em 1997. Os EUA negavam a “ação do homem” na mudança climática e nunca aderiram ao tratado.
[2] Agencia de Proteção Ambiental do Governo da Cidade de Buenos Aires (Dez.. 2009)
[3] James O’Connor, “¿Es posible el capitalismo sostenible?”( “É posssivel o capitalismo sustentável?”)
[4] Le Monde Diplomatique, dezembro de 2009.
[5] John Bellamy Foster , “Capitalismo en el país de las maravillas”. (“Capitalismo no país das maravilhas”)
[6] Joel Kovel, “El enemigo de la naturaleza. ¿El fin del capitalismo o el fin del mundo?” Ed. Tesis 11, Bs. As. 2005. (“O inimigo da natureza. O fim do capitalismo ou o fim do mundo?”)
[7] Colaboração jornalística e militante: D. Dalai, Luigi e Valeria F.

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