Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

Syriza e o acordo com a direita nacionalista: o pragmatismo no poder

29 Jan 2015 | A vitória do Syriza, contra a campanha da Troika e do governo de Samarás-PASOK mostrou a profunda insatisfação de amplos setores da população com os partidos do regime, assim como as grandes expectativas de acabar com os planos de ajuste, o desemprego e a crise social. Isto após 6 anos de crise, depois de ter levado à frente mais de 30 greves gerais, milhares de manifestações e protestos.   |   comentários

A vitória do Syriza, contra a campanha da Troika e do governo de Samarás-PASOK mostrou a profunda insatisfação de amplos setores da população com os partidos do regime, assim como as grandes expectativas de acabar com os planos de ajuste, o desemprego e a crise social. Isto após 6 anos de crise, depois de ter levado à frente mais de 30 greves gerais, milhares de manifestações e (...)

A chegada do Syriza ao governo impacta especialmente no Estado Espanhol, que se enxerga no espelho heleno, onde o Podemos emergiu como novo ator político ascendente.

No entanto, não passaram nem 48 horas após as eleições para que se anunciasse o pacto de governo entre o Syriza e o partido da direita nacionalista, Gregos Independentes. Um partido que saiu das entranhas do Nova Democracia, que combina um discurso “anti-resgate” e “anti-troika” com uma ideologia conservadora, xenófoba, antissemita, nacionalista, homofóbica e defensora da Igreja ortodoxa.
Evidentemente o acordo com Gregos Independentes já estava em marcha, o que explicaria a velocidade com que se selou este pacto para formar o governo, em poucas horas.

Ante a surpresa de muitos dos votantes da esquerda e do Syriza, começaram a aparecer explicações e justificativas várias. Alguns analistas assinalaram que na coalizão com Gregos Independentes tinha se priorizado o “eixo antiausteridade/austeridade” sobre o “eixo esquerda/direita”.

Neste aspecto foi comparado com o Podemos do Estado Espanhol, que emergiu assegurando que não são "de esquerda nem de direita" e destacando que são os "de baixo" para vencer "os de cima".

O jornal Ekathimerini informa hoje, em base a fontes do partido Gregos Independentes, que o acordo de governo se baseia no respaldo às políticas econômicas do Syriza, em troca de que não se aborde mudanças em áreas “sensíveis” para o partido de Kammenos. Estas incluem questões de política exterior e qualquer tentativa de separar a Igreja do Estado.

Ao mesmo tempo se justificou a decisão desde uma lógica pragmática, onde a coalizão com Gregos Independentes seria “útil” para enfrentar com melhor relação de forças a Troika, para “posicionar-se” para uma melhor negociação da dívida, enquanto as outras questões ficariam adiadas para outro momento.

Com essa lógica pragmática e possibilista, somada a outros argumentos como o “mal menor”, que “não restava outra opção”, ou que “tinha que formar governo urgentemente”, se tenta justificar a opção política de formar um governo de coalizão com um partido de direita, que até alguns dias atrás ninguém teria imaginado dividindo ministérios com Tsipras.

A lógica pragmática de que “vale tudo” para chegar ao governo, que levou a que o Syriza suavizasse seu programa de forma notória nos últimos dois anos, se transforma agora em uma corrente de adaptação acelerada, uma vez que ocupa o poder do Estado, impondo cada vez mais concessões à direita.

Stathis Kouvelakis, integrante da “Plataforma de esquerda” dentro do Syriza, disse ontem que a participação do partido Gregos Independentes no governo, ainda que fosse com um só ministério, “marcaria o fim simbólico da idéia de um governo de ‘esquerda anti-austeridade’”.

Este momento chega tão somente um dia depois das eleições. No mesmo artigo Kouvelakis sustentava que ANEL [Gregos Independentes] “é um partido de direita, preocupado em proteger o ‘núcleo duro’ do aparato de Estado (teremos que estar atentos para ver que ministério é atribuído a eles). Não seria estranho que este partido exija o Ministério de Defesa ou do Interior. Ainda que pareça que não o conseguirá.”

Mas conseguiu. Por meio de uma negociação da qual ninguém conhece os verdadeiros termos, conseguiu um acordo em “tempo recorde” para que Kammenos ocupe o Ministério da Defesa. Haja posicionamento estratégico para um partido que obteve tão somente 4,75 % dos votos.

O Ministério de Defesa, diferente do que dizem muitos para justificar a decisão do Syriza, é uma posição estratégica, porque implica nada menos do que o comando das forças armadas, o “núcleo duro” do Estado. Kammenos, hoje máximo chefe civil das forças armadas, é conhecido pelas propostas de “pureza de sangue” para o exército e a polícia, junto com suas posições xenófobas.

Quando Pablo Iglesias e outros dirigentes do Podemos dizem que esta formação não é “nem de esquerda nem de direita” pode parecer uma engenhosa “novidade” política para conquistar mais influência. No entanto, o exemplo da coalizão helena com Gregos Independentes mostra onde leva essa formulação.

Se o eixo “esquerda/direita” já não tem vigência, então são possíveis as alianças com setores “anti-troika”, por mais direitistas que sejam em todo seu programa. Setores que hoje na Europa estão representados majoritariamente por partidos “eurocéticos” de direita, como Gregos Independentes, ou seus aliados europeus como o UKIP na Inglaterra.

Muitos coletivos e ativistas LGBT protestaram nesta terça-feira nas redes sociais ante o que se viu como uma concessão inadmissível a setores reacionários e obscurantistas. Ao mesmo tempo, muitos “entenderam” agora porque há algumas semanas Tsipras disse publicamente que retirava de seu programa o direito dos casais gays a adotar crianças. "É um tema difícil que requer diálogo. Há contradições na comunidade científica sobre isto e não vamos incluir no nosso programa", foram suas palavras.

Em janeiro de 2014 diferentes coletivos LGBT protestaram contra a homofobia da Igreja Ortodoxa grega, que chamou a homossexualidade de “o pecado mais asqueroso e sujo”. Essa mesma Igreja Ortodoxa defendida pelo Gregos Independentes, agora desde o governo.

A Grécia é um país “confessional”, onde a Igreja Ortodoxa mantém grande poder, sendo os encarregados, por exemplo, de abrir o curso escolar. Sob a influência da Igreja Ortodoxa, a Grécia é um país onde a homofobia é moeda corrente, onde ocorrem com freqüência ataques violentos contra gays em vias públicas. O deputado do Gregos Independentes, Nikos Nikolopoulos, se fez muito conhecido na Europa há alguns meses por seus tuítes homofóbicos.

A opção política do Syriza, ao negar ou “deixar de lado” reivindicações fundamentais como a separação entre a Igreja e o Estado, os direitos dos imigrantes, das mulheres e dos coletivos LGBT, sob nenhum ponto de vista “fortalece” o governo em seu enfrentamento com a Troika e os capitalistas europeus, mas o debilita, ou, pelo menos, o transforma em algo muito diferente do que muitos imaginavam.

Syriza e Podemos, cada vez mais rápido, mostram a enorme contradição que se abre entre as ilusões de mudança de milhões de trabalhadores e setores empobrecidos, e o pragmatismo de seu programa reformista.

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