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Nacional

Sobre o discurso de Dilma Rousseff diante da reeleição

27 Oct 2014   |   comentários

Depois de uma campanha incisiva contra “o candidato dos retrocessos” e a ameaça de uma “onda conservadora” no país, muitos petistas ou eleitores, influenciados pelo clima de polarização, esperavam um discurso em defesa dos direitos sociais, dos trabalhadores e das minorias oprimidas. Mas o tom do discurso foi outro: diálogo, conciliação, unidade (...)

Na noite de ontem, logo após a anunciada a reeleição para a presidência do país, Dilma Rousseff fez um discurso relativamente breve e, poderíamos dizer, emblemático. Depois de uma campanha incisiva contra “o candidato dos retrocessos” e a ameaça de uma “onda conservadora” no país, muitos petistas ou eleitores, influenciados pelo clima de polarização, esperavam um discurso em defesa dos direitos sociais, dos trabalhadores e das minorias oprimidas. Mas o tom do discurso foi outro: diálogo, conciliação, unidade nacional.

Justamente nesse ponto reside o elemento “emblemático” do discurso: como se fosse uma critica de arte reveladora dos segredos da peça, o discurso de Dilma foi preocupado com a sustentação do novo governo, mostrando que toda a polarização construída nas eleições foi uma estratégia calculada do PT para construir uma “direita ameaçadora” e reviver o “mal menor”, que foi o verdadeiro garantidor da vitória. Por isso, logo após as eleições, acaba a “grande ameaça”, a fascistização do país etc., e resta a conciliação. Como disse a própria presidente, a polarização das eleições não significava uma divisão do país, mas “o amadurecimento da democracia”, que nada mais é do que um revigoramento de um regime democrático completamente questionado pelas mobilizações de 2013.

No entanto, essa estratégia deixa certo mal-estar após a vitória: a votação dos brasileiros foi mais “contra o que não queremos” do que “pelo queremos”. A palavra mais repetida nessas eleições foi “mudança” (conforme o próprio discurso de Dilma) e o que temos é uma imensa continuidade. O sentimento por trás desse anseio de mudança tende a rondar como um espectro o novo governo. O resultado dessa equação será revelador do futuro do país.

Nesse sentido, os dois elementos do discurso de Dilma eram precisos do ponto de vista do “mal-estar” que continua a rondar o Brasil: por trás de uma polarização que mobilizou um petismo adormecido, o que existe é uma imensa crise de representatividade. Por isso o elemento mais enfático do discurso da presidente é tentar “melhorar a política” para legitimar o regime e, em particular, seu governo; por isso é preciso uma “reforma política” e um combate à “corrupção”.

Nesse marco, a melhor maneira de tentar fortalecer seu próprio governo é propor uma nova forma de fazer a política no país (um elemento que a candidata Marina Silva, no primeiro turno, percebeu que era um mote fortíssimo por esse sentimento nacional de “nova política”). Ou seja, a despeito de parecer um discurso de reformas, existe um aspecto defensivo de um governo mais débil em seu segundo turno e com uma oposição mais forte com o PDSB (a eleição mais acirrada no país desde 1989).

O outro elemento do discurso é a economia: esse era o aspecto de “unidade nacional” que se escondia por trás da polarização. Dilma ou Aécio se preparavam, de todo modo, para o fim de um ciclo lulista, um ciclo que combinou imenso volume de crédito, certa manutenção de emprego (sendo 95% dos 20 milhões de novos empregos considerados “working poor”, de até 1,5 salário mínimo, segundo apontou o próprio economista petista Marcio Pochman) e uma imensa passivização das lutas sociais, um ciclo que foi enormemente questionado sobretudo pelas mobilizações de junho e, em 2014, por uma das maiores ondas de greves do movimento operário das últimas duas décadas. O fim desse ciclo, portanto, só pode resultar em ajustes aos direitos dos trabalhadores, uma inflação maior, um endividamento maior e, possivelmente, uma maior crise nos empregos.

Aécio começou sua campanha com um discurso mais “amargo” em relação a esse ponto, mas pelo clima nacional mais à esquerda teve de rever a estratégia eleitoral e parou em falar em ajustes. Ainda que a melhor estratégia eleitoral era “não falar das desgraças”, passada as eleições, era chave alertar sobre as dificuldades de um país a beira da recessão. Portanto, o discurso de Dilma era uma combinação entre “melhorar a política” e alertar que buscarão medidas na economia, sabendo que para manter os lucros empresariais só será possível com cortes. Um discurso sem promessas de direitos, sem grandes mudanças, sem sonhos.... um discurso de volta ao deserto do real.

Do lado de cá dos palanques, os trabalhadores assistem ao resultado órfãos de um projeto político alternativo à polarização colocada entre PT e PSDB. O anseio de mudança continua vigente. O desafio é tornar esse anseio uma perspectiva política - uma nova organização que encabece uma transformação estrutural em nosso país, e a chave para isso é não se deixar levar pelo canto de sereia do petismo, um canto que traga as energias da vanguarda e funciona como uma barreira para um novo projeto independente.

O petismo serve como um devorador de anseios, como uma fuga a realidade, como um “ópio do povo”.

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