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Teoria

DEBATE

Seminário discute atualidade do Programa de Transição frente à crise

26 Apr 2009   |   comentários

A época imperialista

Fugindo de todo tipo de leitura dogmática do documento principal da fundação da IV Internacional, o seminário iniciou-se com uma reflexão aprofundada sobre as premissas objetivas do Programa de Transição; isto é, a que período histórico responde tal documento programático?

Para tanto, foi necessário voltar às definições clássicas sobre a época imperialista, buscando um nível maior de compreensão teórica sobre o significado, as características distintivas e as contradições centrais dessa fase particular do desenvolvimento histórico do capitalismo. Para isso, partimos essencialmente do livro de Lênin ’ Imperialismo, fase superior do capitalismo.

Como elementos fundamentais da passagem do capitalismo para a fase imperialista, destacamos a transformação do sistema de livre concorrência para o surgimento dos grandes monopólios, processo que amadureceu no último quarto do século dezenove. Nesse sentido, vimos como todo o modo de produção capitalista transformou-se através do salto na concentração da propriedade dos principais meios de produção; do surgimento dos grandes bancos e a mudança de seu caráter, de “modestos intermediários” a senhores todo-poderosos de cadeias produtivas inteiras; do fim do predomínio da exportação de mercadorias em favor da exportação direta de capitais, desembocando na partilha do mundo por enormes monopólios localizados nas principais potências imperialistas (Alemanha, Inglaterra, França, Estados Unidos), e por fim a partilha dos próprios territórios de todo o globo entre essas mesmas potências.

Discutimos como a mesma evolução económica do modo de produção capitalista, até se afirmar definitivamente em toda a superfície terrestre, não se deu no “vazio” , mas de maneira associada a profundos processos políticos e da luta de classes em todos os países. Ao longo do processo que separa o surgimento do capitalismo a partir do declínio do feudalismo, até a afirmação da etapa imperialista, houve profundas mudanças no caráter social e político da burguesia. Nesse sentido, à medida em que se desenvolvia o novo modo de produção, com ele surgia e se fortalecia o seu antagonista fundamental: o proletariado moderno; e assim, a burguesia passava de classe revolucionária (contra o Antigo Regime e os velhos senhores feudais) a ser uma classe crescentemente covarde (frente a esses mesmos elementos) e reacionária (frente à classe operária). Com isso, vemos a profunda mudança que se operou entre as primeiras revoluções burguesas, que apresentaram um caráter crescentemente radical entre os processos na Holanda no século XVI, na Inglaterra no XVII, e na França no século XVIII; e as revoluções de 1848, quando em toda a Europa central, e especialmente na Alemanha, mostrou-se pela primeira vez claramente que a burguesia estaria disposta a conciliar com as velhas classes dominantes para evitar o perigo maior de ser superada pelo proletariado. Após isso, os países que conseguiram se modernizar do ponto de vista capitalista (Alemanha, Itália, Japão) o fizeram sob a forma de um pacto reacionário pelo alto, que evitou as grandes tarefas revolucionárias colocadas pela revolução francesa de 1789, conquistando no entanto a possibilidade de um rápido avanço das forças produtivas e a transformação desses países em potências imperialistas, de desenvolvimento tardio (em oposição ao desenvolvimento “clássico” de Inglaterra e França)

Finalmente, esse seu desenvolvimento tardio levou-as a disputar uma nova partilha do mundo, na tentativa de deslocar as potências já estabelecidas.

Assim, em 1914 o mundo assistiu à Primeira Guerra, que com seus milhões de mortos trouxe à tona a divisão irreversível do movimento operário nas duas principais tendências contemporâneas: o oportunismo social-patriota, e o bolchevismo revolucionário. A revolução russa de 1917 coroou esse desenvolvimento, mostrando a que extremo de degradação os oportunistas (mencheviques) iriam para defender o corpo da burguesia em decomposição.

- O período entre guerras

Discutimos como a Primeira Guerra não resolveu o problema da disputa pela hegemonia imperialista, apesar do fortalecimento relativo dos EUA, e o declínio da Europa. No mesmo sentido, tampouco permitiu o estabelecimento de uma nova fase duradoura de desenvolvimento capitalista, que após a relativa estabilização dos anos 1920 rapidamente caminhou para enormes crises a partir de 1929, até a Segunda Guerra Mundial (1939).

Por outro lado, a derrota da onda expansiva da revolução mundial que se seguiu ao triunfo na Rússia, e a consolidação do stalinismo, tanto na URSS como na direção da 3ª Internacional (criada inicialmente por Lênin e Trotsky), forneceram as condições para que um menchevismo (oportunismo) de novo tipo se apoderasse da direção proletária, e com isso o caminho para novos triunfos que pudessem tirar a Rússia do isolamento foi praticamente bloqueado. Foi o que se viu na China (1925-1927), na Alemanha antes de 1933 (onde a derrota proletária colocou Hitler no poder), na Espanha desde 1931 até 1936, na França em meados da década, etc.

Com a derrota da revolução proletária nos países decisivos, e dado que o quadro da economia mundial era novamente de uma competição encarniçada entre as grandes potências capitalistas, o caminho para a guerra estava trilhado, e assim novamente os oceanos do mundo se mancharam de sangue entre 1939 e 1945.
Nesse contexto é que foi escrito originalmente o Programa de Transição, em 1938, como síntese de toda a experiência revolucionária anterior.

- O resultado da guerra e boom económico que a sucedeu

Antes de ser assassinado por um agente de Stalin em 1940, Trotsky orientou a IV Internacional a prosseguir frente à guerra sem abandonar os princípios da luta de classes, pois ela seguramente daria origem a inúmeras situações revolucionárias em diversos países. Além disso, Trotsky prognosticou que a guerra abalaria o domínio da burocracia stalinista, e a onda revolucionária que se seguiria a guerra poderia também atingir a URSS e colocá-la de volta na trilha da construção socialista.

De fato, como ele previu, surgiram situações revolucionárias em países centrais como a França e a Itália, além de muitos outros .
Porém, ao contrário do que ele previra, o stalinismo se fortaleceu após a vitória sobre Hitler, ao invés de debilitar-se. Isso foi decisivo para que, por exemplo, na Itália, na França e na Grécia, os PCs controlados a partir de Moscou pudessem atuar decisivamente para impedir novos triunfos revolucionários das massas.

Nesse quadro geral, triunfaram revoluções em uma série de países da periferia capitalista ’ tema que deixamos para discussão mais aprofundada em ocasião posterior ’, porém que de todo modo não foram capazes de reverter a correlação de forças geral, na qual os EUA saíam como grande potência imperialista vencedora, impondo sua hegemonia sobre 2/3 do globo, incluindo todo o mundo desenvolvido, e o stalinismo ampliava sua esfera de influência sem permitir que nenhum país retomasse a trilha internacionalista iniciada por Lênin em 1917.

Nessas condições, teve lugar uma profunda estabilização dos países centrais e a abertura de uma fase expansiva da economia mundial baseada sobre a enorme destruição da guerra e a exportação de capitais norte-americanos para a reconstrução das potências destruídas, que durou aproximadamente de 1948 a 1973 e permitiu ao capitalismo dar grandes concessões às massas trabalhadoras, criando o Estado de Bem Estar Social na Europa e fortalecendo de modo geral as direções reformistas do movimento operário (social-democratas e stalinistas) .

Por outro lado, a outra cara da estabilização no centro foi o deslocamento dos processos revolucionários para o mundo colonial e semicolonial, com o surgimento de novas direções pequeno-burguesas e nacionalistas burguesas .

Uma importante discussão que fizemos no seminário foi sobre como, nessa situação, era fundamental concentrar seus esforços em contribuir para o triunfo, em chave “permanentista” , da revolução no mundo semicolonial (e nos países sob regime stalinista, como a Hungria e a Alemanha Oriental), e assim preparar os quadros nos países centrais para quando a situação mudasse, questão que não tardaria a acontecer.

- A crise dos anos 1970 e a saída encontrada pelo capitalismo

Já a partir da segunda metade da década de 1960, começa a se esgotar o fólego adquirido pela economia capitalista graças à destruição operada na Segunda Guerra. Ainda que a crise do boom só vá se expressar como recessão generalizada a partir de 1973, já em 1968 o mundo assiste a algo que não existia desde o início da guerra: o levantamento revolucionário das massas em todos os continentes, de maneira sincronizada; em particular, abrem-se situações revolucionárias em países centrais como a França e a Itália.

Ao mesmo tempo, a hegemonia incontestada dos EUA entra em crise, seja do ponto de vista militar e geopolítico após a derrota no Vietnã; seja do ponto de vista económico, com os ganhos de produtividade obtidos pelos rivais imperialistas Alemanha e Japão, que fazem que a situação proeminente dos EUA como líderes do bloco capitalista seja questionada. O resultado é que o dólar já não pode se sustentar como lastro da economia mundial atrelado ao ouro, e com isso os EUA têm de obrigar as potências rivais a aceitar o fim do tratado de Bretton Woods (assinado ao fim da 2ª Guerra), de modo que os EUA passassem a possuir o direito de imprimir moeda sem qualquer correspondência com a efetiva produtividade de sua economia.

A derrota do movimento de massas se deu pela via do desvio, mediante concessões democráticas (como o fim das ditaduras em Portugal e na Espanha) ou económicas (França) nos países centrais; derrotas sangrentas na periferia (ditaduras na América Latina). Ali onde o movimento de massas triunfou, como no Vietnã, a direção stalinista impediu todo desenvolvimento revolucionário internacionalista .

Desencadeia-se então a ofensiva imperialista que ficou conhecida com o nome de “neoliberalismo” , assentada sobre essas (e outras) enormes derrotas do movimento de massas, sobre o desejo compartilhado por todas as potências imperialistas de evitar um nova “limpeza em grande escala” de capitais (como por exemplo uma nova guerra), e sobre o declínio da influência do bloco stalinista (cujos países a partir de fins dos anos 1970 entram no processo de desagregação que culminaria com a restauração capitalista no final da década seguinte).

Na prática isso tudo significou uma grande “fuga para frente” , apoiada em ataques às condições de trabalho e de vida da classe operária e das massas; no crescente papel dos mecanismos financeiros para a obtenção de um lucro impossível de investir de maneira produtiva; na busca por nichos específicos (como os novos ramos tecnológicos) ou novas áreas para exploração capitalista (como foram os países stalinistas que sofreram processos de restauração) que permitissem valorizar capitais, apesar de que nunca de maneira durável e generalizada.

Finalmente, com o esgotamento dos sucessivos nichos de acumulação e com a explosão das bolhas de crédito nos EUA, com repercussões em todo o mundo, surgiram as condições para a crise atual.

A renovada atualidade do Programa de Transição
Finalizamos o seminário, após uma profunda reflexão coletiva que abrangeu os distintos momentos do imperialismo como época de crises, guerras e revoluções, analisando como esses três elementos se combinaram de distintas formas e com diverso peso relativo em cada conjuntura histórica.

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que se comprovou que o Programa de transição possui uma vigência histórica que permanecerá viva enquanto prossiga o declínio imperialista do capitalismo; por outro lado, destacamos como ele ganha sua máxima atualidade prática precisamente nos momentos de crise aguda de decomposição do sistema capitalista, como a que estamos assistindo agora.

Sua combinação de consignas mínimas (as reivindicações elementares da classe operária que possuem força vital, isto é, potencial de mobilização), democráticas (ligadas às demandas históricas que a burguesia não póde cumprir nos países de desenvolvimento atrasado, como a questão da terra e a luta anti-imperialista), as reivindicações transitórias (mais diretamente ligadas à necessidade de o proletariado tomar o poder e reorganizar a produção sobre novas bases racionais) e de organização do movimento operário (luta pela independência de classe nos sindicatos, os comitês de fábrica,. a milícia operária, os sovietes), articuladas num sistema de reivindicações que aponte clara e abertamente à necessidade de que a classe operária tome o poder político encabeçando as grandes massas exploradas e oprimidas, constitui a única resposta realista frente à decomposição do capitalismo e os brutais ataques com que a burguesia tratará de redobrar as cadeias da escravidão assalariada.

Nesse sentido, enfrentar cada luta, cada conflito da luta de classes, como uma escola de guerra na qual pór em prática o método do Programa de Transição é o caminho para forjar a vanguarda, organizada em partido revolucionário, capaz de estar à altura dos embates decisivos entre revolução e contra-revolução que, a depender da profundidade da crise estrutural do capitalismo, virão mais cedo do que tarde.

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