Quarta 24 de Abril de 2024

Nacional

15 anos do Plano Real

Segunda parte: O aprofundamento da ofensiva neoliberal e sua crise

11 Aug 2009   |   comentários

Na primeira parte deste artigo mostramos o Plano Real como a forma brasileira para a ofensiva neoliberal. Os efeitos benéficos da súbita dolarização dos salários foram revertidos pelo aumento do desemprego, pelas reduções de salários conseqüentes das privatizações e do ataque focado primeiramente nos setores mais qualificados do proletariado brasileiro, como metalúrgicos, siderúrgicos e petroleiros. Naquele artigo mostrávamos como a âncora cambial, o endividamento crescente e em juros altíssimos, somados à maior carga tributária (ajuste fiscal) e menores gastos do Estado para honrar as dívidas contraídas, criavam contradições na economia que foram empurradas adiante para o segundo mandato. Neste segundo artigo procuraremos mostrar como no segundo mandato de FHC ocorre um aprofundamento desta ofensiva como resposta às contradições acumuladas, gerando um novo momento no plano a partir da maxi-desvalorização de 1999. Este novo momento e a conseqüente deterioração das condições de vida de amplos setores, combinado à crise do neoliberalismo em toda a América Latina, fez surgir fissuras entre setores burgueses e iniciais movimentações das massas no país.

A necessidade burguesa de aprofundar o ataque contra os trabalhadores

A implementação da ofensiva neoliberal até 1998 era, do ponto de vista da maior parte dos setores burgueses, insuficiente frente às contradições que seu próprio plano colocava. Com poucas fissuras, a maior parte da burguesia colocou-se detrás da candidatura de FHC e do bloco dominante para capitanear o país frente a três perspectivas que podiam se combinar de distintos modos: reorganizar o pacto de dominação às custas do imperialismo e seus aliados mediante um default (moratória); dolarizar a economia quebrando os setores burgueses que não agüentassem a conseqüente perda na taxa de lucro; e aprofundar por distintos meios, incluindo a desvalorização, o ataque aos trabalhadores para manter este projeto. Como a experiência argentina demonstrava, a dolarização criava profundos problemas inter-burgueses e uma dinâmica recessiva intolerável politicamente e, também como a Argentina mostraria posteriormente, as rusgas com o imperialismo através do default são sempre a última opção das covardes burguesias semi-coloniais. O projeto implementado por FHC foi primeiro um aprofundamento do ataque ao funcionalismo e ao conjunto da população através de cortes nos gastos do Estado (incluindo saúde e educação), e depois sua continuidade combinada à maxi-desvalorização.

A crise de 1998-1999 como inflexão no Plano Real

O aumento da arrecadação estatal em mais de 5% entre 1993 e 1998 e um maior superávit primário não davam conta da crescente massa de juros, que chegou a consumir 9% do PIB, ou cerca de 30% da arrecadação, em 2002. A moeda sobrevalorizada e os juros altos se retroalimentavam incentivando a perspectiva de default e aumentando a dinâmica recessiva. Um cenário internacional mais complicado para captação de recursos imperialistas, fruto das crises asiática e russa de 1997 e 1998, colocava o governo e seu plano em xeque. Temeroso do efeito desta crise nas eleições de 1998, o FMI organizou o maior salvamento de sua história até hoje, emprestando US$ 41,5 bilhões nas vésperas das eleições. Empurrava-se o problema por alguns meses.
Logo após as eleições, seguindo seu plano e o ditame do FMI, FHC organizou um renovado ataque às massas e ao funcionalismo com a proibição de reajustes salariais do funcionalismo federal, proibição de realização de concursos, reforma da providência (criando a exigência de tempo de contribuição) e promulgando medidas e leis para contingenciar os gastos do Estado com funcionalismo, saúde e educação (posteriormente consolidadas na LRF de 2000)[1]. As economias resultantes ainda não eram suficientes para enfrentar o problema das contas externas e o governo empreendeu uma maxi-desvalorização do real (mais de 70% em dois meses, passando de R$ 1,21 a R$ 2,06 por dólar).
A desvalorização ainda não sanava o problema, mas conseguia empurrá-lo mais alguns anos adiante, diminuindo o déficit comercial mediante redução das importações e, ao mesmo tempo, assentava bases para que um novo setor burguês ’ os grandes exportadores de commodities como Vale, Perdigão e outros ’ se beneficiassem com ele ao ter seus custos de produção em dólar barateados em decorrência da desvalorização dos salários. Este setor foi paulatinamente incorporado ao bloco dominante da burguesia, tendo o ápice deste processo no boom das commodities e no governo Lula[2].

A continuidade da crise

A desvalorização sequer havia conseguido criar um superávit comercial em 1999, e exigia um crescente superávit primário para honrar a parte das dívidas em dólar de um governo que arrecadava em Real desvalorizado. Os juros altos precisavam ser mantidos para atrair investidores ao preço de aprofundar a dinâmica recessiva, e era necessário impor maiores ataques aos trabalhadores. Um destes planos era a Reforma Trabalhista.
Este plano não foi possível de ser implementado. FHC via-se chocado entre sua necessidade de aprofundar o ataque e o crescente descontentamento das massas, somado ao aumento da popularidade do PT que, mesmo sendo complacente com a ofensiva, beneficiava-se ao denunciar a situação no parlamento e em controladas manifestações de massa como o “Fora FHC” . O retomar da mobilização independente das massas na América Latina contra o neoliberalismo e os efeitos nacionais desta política imprimiam uma situação em que, caso a caso, FHC tinha que medir que medidas ofensivas poderiam passar ou não.
Não conseguido imprimir uma dinâmica recessiva muito maior e uma desvalorização muito mais substancial dos salários que permitissem que o conjunto da burguesia se beneficiasse a médio prazo, FHC enfrentava crescentes fissuras e oposição de setores burgueses (expressando-se em distintos partidos, como a dificuldade em disciplinar vários setores do PMDB e a passagem do PDT e PSB para a oposição, participando do “Fora FHC” com o PT). O impacto da desvalorização brasileira acelerara a crise argentina que golpeava o país duplamente: pela escassez de recursos imperialistas, temendo a “argentinização” da dívida do Brasil, e pelo temor de que também aqui a ofensiva neoliberal se chocasse com o movimento de massas.
O FMI novamente interveio com massivos aportes de capital: US$ 15 bilhões em 2001 e 30 bilhões em agosto de 2002, visando arrefecer o impacto da crise da ofensiva neoliberal na política e na luta de classes. Todo o problema da crise da ofensiva neoliberal se transferia para as eleições de 2002, mas com a burguesia tendo o handicap de todos principais candidatos, incluindo Lula, assinarem o acordo do FMI e comprometerem-se publicamente com suas metas e com a continuidade da ofensiva.

Os efeitos nas massas e o transformismo do PT

A nova fase do plano significou uma queda de 9,6% na renda média das famílias entre 1996 e 2001 e o desemprego saltou de 7,8% em dezembro de 1994 para 13,6% em abril de 2003. O apoio da classe média se esfumaçava. A desvalorização havia significado um golpe contra os salários, pois a maior dependência do imperialismo, que havia sido gestada nos anos anteriores, impós que vários preços fossem dolarizados, tais como energia elétrica, pão (dependente de trigo importado) e eletrodomésticos.
Mesmo partindo da profunda desorganização dos anos anteriores as massas não deixaram de começar a responder à sua penúria. Vários setores do funcionalismo protagonizam greves nos estados pela recuperação salarial em 2000, com destaque para os professores. Na juventude também ocorreu certo despertar ideológico e de ativismo, se expressando nos movimentos contra a globalização e no alter-mundialismo capitaneado pelo PT.
A atividade das massas na América Latina alimentava a subjetividade no Brasil e aprofundava as fissuras entre os setores burgueses. A fissura entre os de cima, por sua vez, também incentivou o movimento dos de baixo e o cenário foi “esquentando” rumo a 2002, porém com um PT e Lula que passaram do patamar de traidores da resistência à ofensiva neoliberal ao de adeptos aplicadores da mesma.
Se nenhuma luta contra a ofensiva neoliberal havia encontrado neste partido e em seus membros da direção da CUT a organização da resistência, encontrava mil e uma moções parlamentares. É graças ao PT e suas CPIs que a crise da ofensiva neoliberal não se expressou como crise do regime. Perante as massas, havia a ilusão de uma alternativa por dentro do regime. E, desde dentro do regime, utilizando-se de sua aparência às massas como anti-neoliberal, Lula e o PT faziam-se parceiros do imperialismo e de vários setores burgueses, dispondo-se a aplicar não só o superávit primário e pagamentos dos juros da dívida, mas até incorporando em seu programa a Reforma da Previdência e Trabalhista.
Este é o projeto que a esquerda tinha que desmascarar, preparando setores de massa a confluírem com uma vanguarda independente do PT e de Lula quando a crise deste se expressasse, como ocorreu na Reforma da Previdência e na crise do Mensalão em 2005. A esquerda do PT, hoje no PSOL, militou ativamente pela eleição de Lula e de seus próprios deputados ainda no PT que, de repente, “descobriram” os escândalos de corrupção e implementação da ofensiva neoliberal. À esquerda do PT, o principal grupo, o PSTU, claudicava frente ao mesmo. Em outubro de 2002 chamava voto em Lula com o argumento “campista” de “porque os trabalhadores acreditam em Lula e, sobretudo, querem a derrota eleitoral de Serra, candidato de Fernando Henrique, o PSTU se soma à classe trabalhadora e chama o voto em Lula.” [3] Nos anos seguintes adotam um zigue-zague entre as corretas denúncias do governo e uma agitação que se assemelhava à de um governo em disputa com o “Fora Meirelles” ’ poupando o ex-operário da crítica ao focá-la no banqueiro.
A experiência com o PT e Lula não foi completada: devemos nos preparar para a experiência com os mesmos como fruto dos impactos da crise capitalista mundial e das crises no regime que a sucessão de Lula coloca. Estas breves linhas sobre a história recente precisam ser aprofundadas em preparação às situações muito mais conflituosas que o futuro próximo reserva, e assim contribuir para que os trabalhadores e os jovens tenham claras as experiências passadas para reerguer um grande partido de trabalhadores, desta vez revolucionário.

[1] Filgueiras, Luiz. História do Plano Real. São Paulo: Boitempo, 2000. pgs 188-194
[2] As importações caem expressivamente como fruto da perda de poder de compra dos salários. Ainda em 2003 eram 4,07% inferiores do que seu valor em 1998. Ao mesmo tempo as exportações cresceram 26% no mesmo período.
[3]Opinião Socialista n.139 (17 a 30/10 de 2002)

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