Quarta 24 de Abril de 2024

Segunda Conferência - Parte III

08 Oct 2007   |   comentários

O IIº Congresso do POSDR e a divisão entre bolcheviques e mencheviques

Como apontamos anteriormente, os iskristas haviam ficado responsáveis pela preparação do IIº Congresso do Partido Operário Social-democrata Russo (POSDR) [1]. O congresso ocorreu entre julho e agosto de 1903; tendo início em Bruxelas e depois se transferiu para Londres por questões de segurança. Após os importantes acontecimentos de Rostov, em que milhares de trabalhadores se enfrentaram vários dias com a polícia, e da dissolução do comitê iskrista de Kiev pelas forças repressivas do tzarismo, os iskristas, somando-se a outras tendências conformaram o Comitê de Organização, que funcionou como um primeiro Comitê Central, a cargo de preparar o Congresso. Os delegados foram eleitos pelos comitês do POSDR existentes na Rússia e no estrangeiro. Os iskristas eram 32; 6 eram do Bund; 3 do Rabocheie Dielo (A Causa Operária); 3 do Yuzhny Rabochii (o operário do sul). O resto não estava definido a priori por nenhuma destas tendências partidárias. Plekhanov e Lênin apresentaram um projeto de programa que surgiu após fortes discussões entre ambos e que, mais tarde obteve o apoio de toda a redação do Iskra.

Nas primeiras sessões do Congresso nada impedia a ruptura que estava por vir. Os iskristas votaram juntos e enfrentaram os dois primeiros debates relevantes: a questão do Bund e o programa agrário. A primeira discussão discorria sobre o caráter centralizado ou federal do partido. Martov, por exemplo, respondeu a um dos delegados do Bund alegando: “Lembraria o companheiro Lieber de que nosso princípio organizativo não é a autonomia ampla, mas a centralização estrita” . Os bundistas, mais tarde, se retirariam do Congresso.

A primeira discussão entre os iskristas surgiu frente ao ponto 1 do estatuto, em que Lênin e Martov se enfrentaram. O artigo de Lênin defendia: “Pode se considerar membro do partido aquele que aceitar seu programa e apóie o partido, tanto com recursos materiais, como com sua participação pessoal em uma das organizações do mesmo” . Por sua vez, o texto apresentado por Martov, aprovado por maioria, colocava: “Pode se considerar membro do Partido Operário Social-democrata da Rússia aquele que aceitar seu programa, apóie o Partido com recursos materiais e preste sua colaboração pessoal em forma regular sob a direção de uma de suas organizações.” Apesar de Plekhanov ter votado pelo projeto de Lênin, foi aprovado o de Martov por uma margem pequena (28 a 23), votando nos delegados de Rabocheie Dielo, de Bund e de Yuzhny Rabochii.

Ainda que a diferença parecesse menor, a chave da discussão radicava em torno do que definia um membro do partido ’nessa situação- a qualquer pessoa que simpatizasse com a social-democracia. Axelrod deixou claro na discussão a quem contemplava a fórmula de Martov: “De fato, tomemos, por exemplo, um professor que se considera um social-democrata. Se adotamos a fórmula de Lênin, estaremos tirando um setor daqueles que, inclusive caso não possam ser admitidos diretamente em uma organização são, não obstante, membros (...) Temos que ter cuidado de não excluir das fileiras do partido gente que conscientemente, ainda que, quiçá, não muito ativamente, se associa ao partido” . Lênin respondeu: “Aqui dizem que alguns professores que simpatizam com nossas posições poderiam achar humilhante entrar em uma organização local. Nisto, me recordo das palavras de Engels, que dizia que onde o destino de um implica em lidar com professores, é preciso se preparar para o pior. O exemplo é, de fato, particularmente ruim. Se algum professor de Egiptologia considera que, como sabe de cor os nomes de todos os faraós e todas as orações que os egípcios rezavam ao toro Apis, entrar em nossa organização estava por abaixo de sua dignidade, não precisamos desse professor. Falar do controle do partido com pessoas que estão fora da organização é simplesmente brincar com as palavras. Na prática, tal controle é impossível” . É uma definição útil, não só para pensar a relação que o partido deve estabelecer com intelectuais diletantes, mas também com sindicalistas que, em determinados momentos, se sentem incomodados com o “controle” partidário.

Em Um passo a frente, dois passos atrás, Lênin demonstrava como a partir de uma leitura profunda dos argumentos em debate, é possível tirar duas concepções distintas, e como o projeto de Martov se aproximava da visão dos economistas. Observa-se a distinção correta que faz Lênin entre partido e classe: “Nós somos o partido da classe, e, por isto, quase toda a classe (e em tempo de guerra, em época de guerra civil, a classe inteira) deve agir sob a direção de nosso partido, deve ter com nosso partido a ligação mais estreita possível; mas seria manilovismo e ”˜seguidismo”™ pensar que quase toda a classe ou a classe inteira possa algum dia, sob o capitalismo, elevar-se até o ponto de alcançar o grau de consciência e de atividade de seu destaque de vanguarda, de seu partido social-democrata. Nenhum social-democrata colocou em dúvida que, sob o capitalismo, nem sequer a organização sindical (mais rudimentar, mais acessível ao grau de consciência das camadas menos desenvolvidas) esteja em condições de englobar toda ou quase toda a classe operária. Esquecer a diferença que existe entre o destacamento de vanguarda e toda a massa que gravita em torno dela, esquecer o dever constante que tem o destacamento de vanguarda em elevar camadas cada vez mais amplas a seu avançado nível, seria unicamente se enganar, fechar os olhos frente à imensidão de nossas tarefas, restringir nossas tarefas. E precisamente assim, fecham os olhos, bem como os ouvidos, diante do erro cometido uma vez que se apaga a diferença existente entre os que estão em contato e os que ingressam, entre os conscientes e os ativos, por um lado, e os que ajudam, pelo outro.”

Esta divergência, sem dúvida, não anunciava ainda a ruptura, já que Lênin parecia disposto a aceitar a resolução, ainda que lhe parecesse equivocada. Há que dizer também que Lênin nunca teve uma fórmula organizativa única. Longe disto, este mesmo Lênin foi quem defendeu, em outras circunstâncias ’ como a revolução russa de 1905 ou o ascenso operário de 1912- que todo o operário que distribuísse o jornal e que se manifestasse partidário deste, deveria ser considerado membro do partido. Nunca as formas da organização foram, para Lênin, uma questão supra-histórica, mas algo que se modificava com relação às mudanças na situação política e sua relação com as possibilidades de desenvolvimento do partido revolucionário.

Porém, retornando ao Congresso do POSDR, uma segunda discussão de importância foi a atitude para com os liberais. O Congresso votou uma formulação intermediária, entre o projeto intransigente de Lênin e Plekhanov, e a proposta conciliadora de Martov e Potresov.

Finalmente, a ruptura se concretizou após a discussão sobre a composição do Comitê de Redação do Iskra. O acordo entre os iskristas ’prévio ao Congresso- previa a votação em um Comitê Central de três membros (que estaria no interior da Rússia), um Comitê de Redação do Iskra de três membros e um Conselho do partido composto por ambos os organismos, além de Plekhanov. Já no congresso, havia uma primeira discussão sobre se era preciso votar um Comitê Central puramente iskrista (posição de Lênin) ou um que incluísse também a representação dos centristas de Yuzhny Rabochii (o que defendia Martov). Mas o Congresso do POSDR implicava, justamente, na dissolução dos grupos locais em um partido centralizado comum, e neste grupo Yuzhny Rabochii defendeu a posição de não dissolver-se, alegando a necessidade de publicar um jornal “popular” .

A proposta do Comitê de Redação do Iskra, feita por Lênin, era que junto a ele estivessem Martov e Plekhanov, que eram os que realmente dirigiram o Iskra até então. Mas Martov (que estava em minoria frente a Lênin e Plekhanov) e os velhos membros da redação que ficaram de fora (Axelrod, Vera Zazulich, Potresov) se opuseram a isto, ganhando o apoio de Trotsky, que defendeu a continuidade da velha equipe de redação.

A posição de Lênin ganhou por dois votos, já que a esta altura do Congresso os bundistas e os delegados de Rabocheie Dielo haviam se retirado. A partir desta votação, os que apoiaram Lênin foram chamados de “bolcheviques” (que em russo significa, majoritários) e seus oponentes, “mencheviques” (que em russo significa, minoritários).

Houve também, durante este Congresso, uma polêmica sobre o programa, em que Plekhanov defendeu o caráter relativo da luta pelo sufrágio universal e da oposição à pena de morte contra a oposição dos economistas.

O Congresso se encerrou com a ruptura dos antigos iskristas, já que Martov não aceitou ser eleito na redação do Iskra e organizou um “Buró da minoria” , que contava com uma boa fonte de financiamento e com os contatos internacionais com a social-democracia européia. Desde esse ponto, é lançado um forte ataque contra Lênin, que inicialmente era apoiado por Plekhanov. Sob a direção destes últimos, o Iskra editou seis números, até que Plekhanov começou a titubear para aderir, finalmente, aos mencheviques, que se apossaram do Iskra. Ainda que Lênin tenha buscado o acordo através de concessões, a minoria impós como condição a anulação de todas as resoluções do Congresso e provocou a ruptura, que se consolidou no final de 1903.

Com a ruptura de Plejanov, Lênin esatava em uma situação difícil, já que os mencheviques controlavam o Iskra, a Liga no estrangeiro e o Conselho do partido. No momento, só o Comitê Central estava nas mãos dos bolcheviques. Em breve, inclusive o próprio Comitê Central será ganho pelos mencheviques, quando entre os partidários de Lênin surge uma ala conciliadora que se opõe à proposta de Lênin de realizar um novo congresso.

Com o passar dos acontecimentos, veremos de que maneira atuaram os mencheviques e os bolcheviques frente à guerra russo-japonesa que eclode em fevereiro de 1904, poucos meses após a consolidação da divisão entre ambas tendências do POSDR.

Glossário

Bund. Uma das primeiras organizações social-democratas, composta por operários judeus mais artesãs que industriais. Sua característica positiva era seu grande nível organizativo, a dedicação e a devoção de seus operários. Mas tinha uma característica negativa, que era seu caráter corporativo, nacionalista, pouco aberto ao intercâmbio com outras tendências do movimento operário russo e internacional.

Bundista Partidário do Bund.

Manilovismo. Alusões a Manilov, um dos personagens da obra Almas Mortas, de Gogol, um cidadão de temperamento plácido, passivo, com imaginação ociosa, despreocupado de seus assuntos.

Rabocheie Dielo. Orgão da União dos Social-democratas no Estrangeiro, que foi editado entre 1899 e 1902. Entre seus principais referentes estão B. N. Krichevsky y A. S. Martinov. No jornal, defende as posições economistas com as quais Lênin polemiza em Que Fazer (ver LVO 192).

Yuzhny Rabochii. Jornal editado pelo comitê social-democrata de Yakaterinoslav e Borba, editado no estrangeiro, que entre seus membros estava David Riazanov. Publicou treze números entre 1900 e abril de 1903.

[1Este Congresso é analisado cautelosamente por Lênin, com base na leitura de suas atas, em seu conhecido trabalho "Um passo a frente, dois passos atrás".









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