Quinta 28 de Março de 2024

Segunda Conferência - Parte II

08 Oct 2007   |   comentários

A guerra Russo-Japonesa e o "Domingo Sangrento"

Em fevereiro de 1904 estoura a guerra Russo-Japonesa, motivada por duas causas. Por um lado, devido ao interesse do czarismo de desviar o descontentamento popular para um motivo exterior. O ministro do Interior, Pleve, havia escrito em uma carta ao Ministro da Defesa pouco antes de cair durante um atentado terrorista: “Para evitar a revolução, o que nos faz falta é uma pequena guerra vitoriosa” . Mas também estavam as reais contradições entre o interesse imperialista do czarismo e do Japão. Mesmo com seu caráter mais geral de atraso, o seu aparato político semi-feudal russo e o controle de sua economia por parte dos capitalistas financeiros francês e inglês, o czarismo mostrava ambições imperialistas, controlando colonialmente a Polónia, os Estados Bálticos, Finlândia, o Cáucaso, os territórios de extremo oriente e a à sia Central. Este interesse de controle se estendia até a Turquia, Pérsia e, especialmente, a China. O czar ordena a invasão de Manchúria, no território chinês, ato que origina a resposta japonesa.

Os japoneses consideraram esta ocupação como uma tentativa de bloquear sua expansão até a à sia continental. Logo que o partido pró-guerra tomou o controle do governo japonês no verão (nosso inverno) de 1903, o Japão estava pronto para avançar e atacou a frota russa em Port Arthur, que caiu onze meses depois, logo após uma luta encarniçada que custou a vida de 28.200 soldados russos.

Após um breve período de entusiasmo patriótico, na Rússia começa a se manifestar um sentimento derrotista. A “pequena guerra vitoriosa” que o czarismo pretendia promover, se converte no seu contrário: uma guerra que acelera a queda do regime e o desenvolvimento de uma situação revolucionaria na Rússia.

Mencheviques e bolcheviques não responderam da mesma forma à guerra. Os primeiros sustentavam uma posição pacifista, enquanto os bolcheviques defenderam uma política abertamente derrotista. As diferenças se faziam mais evidentes quando a posição assumida frente à burguesia liberal, a qual depois de um momento inicial de apoio “patriótico” , tinha expectativas, abertamente ou não, em que uma derrota do czarismo obrigasse o regime a impulsionar reformas.

No primeiro momento, o crescimento da impopularidade da guerra beneficiou aos liberais, que realizavam uma grande agitação por reformas, por uma nova constituição mais democrática, impulsionando esta campanha com petições (requerimentos) e outras medidas. Os mencheviques sustentavam uma posição de seguidismo aos liberais. O “novo” Iskra, sob direção menchevique escrevia. “Se se examina a arena da luta política, o que se vê? Duas forças somente: a autocracia czarista e a burguesia liberal, que já esta organizada e exerce agora uma influência considerável. A classe operaria está diluída, e não pode fazer nada; como força autónoma, não existimos, e por isso devemos sustentar, apoiar a burguesia liberal, e não assustá-la em nenhum caso com reivindicações proletárias” . Estas linhas seguidistas da burguesia liberal levara a ruptura de Parvus e Trotsky com os mencheviques.

Lênin se opós completamente ao projeto menchevique: “Nos pedem que não assustemos nem os liberais nem os nobres “liberalóides” ; mas, não vê que sois vós mesmos os que têm medo da sombra do liberal assustado? Pretendeis que não haja mais que duas forças dignas de se ter em conta: a autocracia russa e a nobreza liberal. Mas não haveis observado que, além destas duas forças, existe outra, formidável, soberana: a classe operária. Esta tem crescido politicamente, se desenvolve e se organiza rapidamente, na perspectiva da revolução, e ainda que seu partido seja clandestino e que ela mesma esteja sendo perseguida, é a força motriz principal da revolução. Deve ter esquecido que o proletariado tem sua missão particular e que seu papel não é simplesmente optar entre o Tzar e Roditchev, entre a autocracia e a constituição liberal. Deve ter esquecido que a classe operária tem seu caminho distinto, caminho que conduz a união com os camponeses, a verdadeira revolução popular, que desarraigará a monarquia, abolirá os atrasos do feudalismo, realizará a ditadura democrática do proletariado e dos camponeses, debilitará os pomiestchiks [1] e será o primeiro passo até uma revolução proletária verdadeira” .

Aqui se nota que as primeiras diferenciações entre bolcheviques e mencheviques não eram em vão, as discussões dos estatutos e do comitê de redação do Iskra foram os sintomas de uma diferença política que se ia aprofundando cada vez mais. Isto se expressa mais claramente durante a guerra, quando a política de Lênin é independência e hegemonia do proletariado e a dos mencheviques é o seguidismo à burguesia liberal. Isto não quer dizer que os bolcheviques não participaram do movimento de massas: saudavam e impulsionavam a intervenção audaz dos operários e estudantes bolcheviques nos atos convocados pelos liberais, defendendo a ligação entre a luta contra a autocracia e as demandas proletárias, opondo-se a política liberal de buscar uma saída negociada com o czarismo.

Enquanto isso, os bolcheviques vão se reagrupando. Em agosto de 1904, Lênin convocou uma conferencia na Suíça na qual participaram vinte e dois dirigentes bolcheviques. Esta conferencia resolve editar um chamado intitulado “O partido” , que teve boa aceitação nos comitês locais, através dos quais Lênin ia ganhando força sobre aqueles dirigentes históricos que estavam entre os mencheviques. Pouco depois os bolcheviques decidem lançar uma publicação própria, cujo primeiro numero saiu em 22 de dezembro de 1904, chamado Vperiod (adiante, em russo).

Duas semanas mais tarde aconteceria o “Domingo Sangrento” . No interior da Rússia, os bolcheviques contavam com o “Secretariado dos Comitês da maioria” . Mesmo com este reagrupamento, sua situação, frente ao estouro da revolução, era de uma forte debilidade organizativa.

O “Domingo Sangrento”

A jornada do domingo 9 de janeiro se via gestando desde setembro de 1904, quando começou a agitação nas fábricas. A situação se radicalizou com o início da greve dos trabalhadores da fabrica Putilov, a partir de 5 de janeiro, tendendo a converter-se em uma greve geral. Esse dia, os grevistas eram 26.000; dois dias mais tarde já se contavam 105.000; e no seguinte chegavam a 110.000. As reivindicações iam tomando um caráter mais político: e a reunião de massas de 5 de janeiro votou a convocatória imediata a uma Assembléia Constituinte, a necessidade de conquistar a liberdade política, o final da guerra e a libertação dos prisioneiros políticos. Mesmo com isso, até esse momento os operários social-democratas estavam relativamente isolados e, inclusive, tiveram um forte debate sobre se participavam ou não na manifestação de 9 de janeiro, à qual finalmente decidiram encampar.

Há que se ter em conta que como forma de conter o descontentamento operário, ao chefe de policia Zubatov havia ocorrido de criar sindicatos legais que funcionaram, e inclusive elegeram comitês, sobre a vigilância policial, e cujo objetivo fosse realizar atividades sindicais, com um caráter estritamente económico e apolítico. O paradoxo é que o descontentamento operário se expressou originalmente nestas organizações, que conseguiram superar seu caráter original. Muitos bolcheviques, segundo defende o próprio Lênin, tiveram uma atividade sectária negando-se a participar nestas organizações por considerá-las “zubatovistas” , apesar que na organização que dirigia o padre Grigori Gaspón ’ que logo estará à cabeça dos acontecimentos do “Domingo Sangrento” - entre seus oito mil militantes, havia operários que haviam passado por organizações social-democratas e alguns bolcheviques.

Em 9 de janeiro, cerca de 140.000 pessoas participaram da manifestação, realizada em frente ao Palácio de Inverno; operários com suas famílias, vestindo suas roupas de domingo e portando ícones eclesiásticos. A petição dos operários levada ao Tzar pelo padre Gaspón dizia: “soberano, nós os operários, nossas mulheres e nossos frágeis anciões, nossos pais, estamos vindo a ti, soberano, para pedir justiça e proteção. Estamos na miséria, somos oprimidos, sofremos com um trabalho superior a nossas forças, injuriados, não se quer nos reconhecer como homens, somos tratados como escravos que devem sofrer sua sorte e calar. Temos esperado com paciência, mas nos encaminhamos cada vez mais até o abismo da indigência, a servidão e a ignorância. O despotismo e a arbitrariedade nos esmaga. As forças nos faltam, soberano! Foi alcançado o limite da paciência; para nós, este é o terrível momento no qual a morte vale mais que a prolongação de insuportáveis tormentos” .

O czar recebeu esta pacifica manifestação com bala: se contam ao menos 4.600 pessoas entre feridas e assassinadas. A magnitude desta resposta foi tal que logo do massacre o próprio Gapon denunciou o czar e chamou a “insurreição armada” . O czar Nicolas II foi desde então apelidado de “o sanguinário” . Essa mesma noite os operários se organizam e recorrem à cidade em busca de armas.

O movimento se estende rapidamente. No dia seguinte aparecem barricadas em São Petersburgo e o dia 17 de janeiro, 160.000 trabalhadores organizam uma greve política e uns 15.000 ocupam as ruas em uma marcha de protesto. Na região do Cáucaso, no dia 12 se inicia uma greve ferroviária que alcança caráter nacional. Lênin escrevia pouco depois desde o exílio na Suíça: “A classe operária recebeu uma grande lição de guerra civil; a educação revolucionária do proletariado avançou em um dia como não havia podido fazer em meses e anos de vida monótona, cotidiana, de opressão. O lema de “liberdade ou morte” ! do heróico proletariado peterburguense repercute agora em toda Rússia” .

Frente às manifestações operárias, o czar respondeu nomeando um burocrata conservador em substituição do ministro liberal Svyatopolk-Mirsky e dando poderes ilimitados ao repressor, Trepov. Mas por sua vez, devia publicar um manifesto referendando indiretamente a necessidade de uma constituição e de um organismo de representação popular. Pouco depois, com o objetivo de conciliar com a burguesia liberal e frear o movimento, impulsiona a comissão Shidlovski com o objetivo de “investigar as causas do descontentamento entre as massas” . Os bolcheviques discutiram qual posição deviam tomar frente a esta comissão, e finalmente decidiram utiliza-la como “tribuna” para desmascarar a manobra do czarismo, tática que se demonstrou correta, frente à falta de respostas que o regime deu as massas.

O IIIº congresso do POSDR e a Conferência menchevique de Genebra

A situação aberta com o “Domingo Sangrento” repercutiu fortemente sobre o partido. Lênin requereu incorporar operários nos comitês, enquanto impulsionava o chamado a um novo congresso, para o qual ganhou o apoio da maioria dos militantes dos comitês locais. Os mencheviques, que temiam não ter a maioria, não aceitaram participar e convocaram a sua própria conferencia em Genebra, enquanto os bolcheviques iniciavam em 12 de Abil o IIIº congresso em Londres.

Na decorrer do dia expressa as discussões que tiveram lugar no mesmo: 1) a insurreição armada; 2) atitude para com a política do governo, incluía a consigna de governo provincial revolucionário; 3) atitude para com o movimento camponês; 4) relações entre os trabalhadores e os intelectuais dentro do partido; 5) estatutos do partido; 6) atitude para com os outros partidos (incluindo os mencheviques); 7) atitude para com as organizações social-democrata não russas; 8) atitude para com os liberais; 9) acordos práticos com os social-revolucionarios e as questões organizativas.

As divergências fundamentais entre os bolcheviques se referiam a posição frente a consigna de “governo provincial revolucionário” que defendiam os bolcheviques, considerada pelos mencheviques como uma expressão “seguidismo a lá democracia burguesa” . Lênin defendia que o principal seguidismo passava por não enfrentar decididamente o compromisso entre o czarismo e os liberais que, quando muito, levaria a uma monarquia constitucional. Nisto radica a importância de consignas como “república” e “governo provincial revolucionário” que implicavam a impossibilidade de um acordo com o czarismo e empurravam as massas para a insurreição. Lênin dizia que a aparente “ortodoxia” dos mencheviques era, na realidade, uma adaptação a uma visão evolutiva da revolução, na qual viam que não podiam chegar à outra coisa, senão, uma republica burguesa constitucional, onde o proletariado fosse oposição. Pelo contrário, ele empurrava a perspectiva de uma revolução “plebéia” , e assinalava a influência dos liberais como a principal escolha que tinham que superar os operários e camponeses para levar até o final a revolução democrática.

O III Congresso tomou partido, além disso, pela consigna de “greve geral” , cuja utilidade estava em discussão na social-democracia internacional. E também foi cenário de uma batalha entre Lênin e os chamados “homens de comitê” que diziam: “estamos superestimando a psicologia dos trabalhadores, como se os trabalhadores por si mesmos pudessem converter-se em social-democratas consciente” . Opunham-se a uma resolução redigida por Lênin que, reconhecendo as dificuldades impostas pela clandestinidade, ao mesmo tempo defendia a aplicação do principio de eleições amplas, abrir o partido aos trabalhadores, dar lugar para as camadas mais novas e frescas nos comitês dirigentes do partido. O mesmo afirma “Tem-se falado aqui que os portadores das idéias social-democratas são fundamentalmente intelectuais. Isso não é verdade. Na época do economicismo, os portadores de idéias revolucionárias eram os trabalhadores, não os intelectuais... Além disso, se tem afirmado que à cabeça dos economistas normalmente se situam os intelectuais. Essa observação é muito importante, mas não se ajusta a realidade. Há muito, em meus trabalhos escritos adverti que os trabalhadores deveriam entrar nos comitês em maior numero possível. O período que seguiu o II congresso se caracterizou por uma instrumentação insuficiente desta obrigação, essa e a impressão que percebo de minhas conversas com os “trabalhadores práticos” ... É necessário superar a inércia dos homens de comitê... os trabalhadores têm instinto de classe, e com um pouco de experiência política rapidamente se convertem em social-democratas incondicionais. Estaria muito satisfeito se, na composição de nossos comitês, para cada dois intelectuais houvesse oito trabalhadores” . Fica expresso uma importante mudança frente a interpretação literal das formular de “O que fazer” que defendia os Komitetchiki [2].

Lênin foi derrotado nesta proposta, assim como na votação de quem teria o controle político do jornal. Vota-se também uma resolução secreta que ocupa o CC da tarefa de buscar a reunificação.

Em 1905 os bolcheviques contavam com 8.000 membros e estavam inseridos na maioria dos centros industriais e militando em organizações clandestinas. Nos meses seguintes serão protagonistas de acontecimentos revolucionários, que trataremos na próxima conferência.

Glossário

Gapón, Grigori Apollonovich (1870-1906) Padre (sacerdote da Igreja Orotodoxa Russa). Contando com a aprovação da policia, organizou as Uniões Operárias, de caráter socialista e cristão. Dirigiu a manifestação de São Petersburgo de 19 de janeiro de 1905. Foi executado.

Pravus. Pseudónimo de Izrail Lazárevich Guelfand (1867 ’ 1923) Socialista russo. Desde sua chegada a Alemanha em 1891 se destacou como um dos principais escritores da esquerda da social-democracia e foi o primeiro a intervir contra o revisionismo de Bernstein. Com exceção do POSDR em 1903, tentou mediar entre mencheviques e bolcheviques. Em 1905 formou parte, junto a Trotsky, no soviet de San Petersburgo até que foi preso. Logo se dedicou aos negócios, e com a Iº guerra mundial, foi conselheiro do social-democrata Ebert na República de Weimar.

[1Camponeses acomodados (sinónimo de kulak)

[2Homens dos comitês, em russo.









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