Quinta 28 de Março de 2024

Salário, preço e lucro

08 Oct 2007   |   comentários

Observações preliminares

Cidadãos!

Antes de entrar no assunto, permiti que faça algumas observações preliminares.

Reina atualmente no Continente uma verdadeira epidemia de greves e um clamor geral por aumentos de salários. O problema há de ser levantado no nosso Congresso. Vós, como dirigentes da Associação Internacional, deveis manter um critério firme perante este problema fundamental. De minha parte julguei-me, por isso, no dever de entrar a fundo na matéria, embora com risco de submeter vossa paciência a uma dura prova.

Outra observação prévia tenho a fazer com respeito ao cidadão Weston. Atento ao que julga ser do interesse da classe operária, ele não somente expós perante vós, como também defendeu publicamente, opiniões que ele sabe serem profundamente impopulares no seio da classe operária. Esta demonstração de coragem moral deve calar fundo em todos nós. Confio em que apesar do estilo desataviado de minha conferência, o cidadão Weston me verá afinal de acordo com a acertada idéia que, no meu entender, serve de base às suas teses, as quais, contudo, na sua forma atual, não posso deixar de considerar teoricamente falsas e perigosas na prática.

Com isso, passo diretamente ao mérito da questão.

1 - Produção e salários

O argumento do cidadão Weston baseia-se, na realidade, em duas premissas:

1ª ) que o volume da produção nacional é algo de fixo, uma quantidade ou grandeza constante, como diriam os matemáticos;

2ª ) que o montante dos salários reais, isto é, dos salários medidos pelo volume de mercadorias que permitem adquirir, é também uma soma fixa, uma grandezaconstante.

Pois bem, a sua primeira asserção é manifestamente falsa. Podeis ver que o valor e o volume da produção aumentam de ano para ano, que as forças produtivas do trabalho nacional crescem e que a quantidade de dinheiro necessária para pór em circulação esta crescente produção varia sem cessar. O que é exato no fim de cada ano e para diferentes anos comparados entre si, também o é com respeito a cada dia médio do ano. O volume ou grandeza da produção nacional varia continuamente. Não é uma grandeza constante, mas variável, e assim tem que ser, mesmo sem levar em conta as flutuações da população, devido às contínuas mudanças que se operam na acumulação de capital e nas forças produtivas do trabalho. Éinteiramente certo que se hoje houvesse um aumento da taxa geral de salários, este aumento por si só, quaisquer que fóssem os seus resultados ulteriores, não alteraria imediatamente o volume da produção. Em primeiro lugar, teria que brotar do estado de coisas existente. E se a produção nacional, antes da elevação dos salários era variável, e não fixa, ela continuaria a sê-lo, também, depoisda alta.

Admitamos, porém, que o volume da produção nacional fósse constante em vez de variável.Ainda neste caso, aquilo que o nosso amigo Weston considera uma conclusão lógica permaneceria como uma afirmação gratuita. Se tomo um determinado número, digamos 8, os limites absolutos dêste algarismo não impedem que variem os limites relativos de seus componentes. Por exemplo: se o lucro fosse igual a 6 e os salários a 2, estes poderiam aumentar até 6 e o lucro baixar a 2, que o número resultante não deixaria por isso de ser 8. Desta maneira, o volume fixo da produção jamais conseguirá provar que seja fixo o montante dos salários. Como, então, nosso amigo Weston demonstra essa fixidez? Simplesmente, afirmando-a.

Mas mesmo dando como boa a sua afirmativa, ela teria efeito em dois sentidos, ao passo que ele quer fazê-la vigorar apenas em um. Se o volume dos salários representa uma quantidade constante, não poderá aumentar, nem diminuir. Portanto, se os operários agem corno tolos, ao arrancarem um aumento temporário de salários, não menos tolamente estariam agindo os capitalistas, ao impor uma baixa temporária dos salários. Nosso amigo Weston não nega que, em certas circunstâncias, os operários podemarrancar aumentos de salários, mas, segundo ele, corno por lei natural a soma dos salários é fixa, êste aumento provocará, necessariamente, uma reação. Por outro lado, ele sabe também que os capita- listas podem, do mesmo modo, impor uma baixa de salários, e tanto assim que o estão tentando continuamente. De acordo com o princípio do nível constante dos salários, neste caso deveria ter lugar uma reação, exatamente como no anterior. Por conseguinte, os operários agiriam com acerto reagindo contra as baixas de salários ou contra as tentativas em tal sentido. Procederiam, portanto, acertadamente, ao arrancar aumentos de salários, pois toda reação contra uma baixa de salários é uma ação a favor do seu aumento. Logo, mesmo que aceitássemos o princípio do nível constante dos salários, como sustenta o cidadão Weston, vemos que os operários devem, em certas circunstâncias, unir-se e lutar pelo aumento de salários.

Para negar esta conclusão ele teria que renunciar à premissa em que se baseia. Não deveria dizer que o volume dos salários é uma grandeza constante, mas, sim, que embora não possa, nem deva aumentar, pode e deve baixar todas as vezes que o capital sinta vontade de diminuí-lo. Se o capitalista quer vos alimentar com batatas, em vez de carne, ou com aveia em vez de trigo, deveis acatar a sua vontade como uma lei da economia política e vos submeter a ela. Se num país, por exemplo, nos Estados Unidos, as taxas de salários são mais altas do que em outro, por exemplo na Inglaterra, deveis explicar esta diferença no nível dos salários corno uma diferença entre a vontade do capitalista norte-americano e a do capitalista inglês; método este que, sem dúvida, simplificaria imenso não já apenas o estudo dos fenómenos económicos, como também o de todos os demais fenómenos.

Ainda assim caberia perguntar: Por que a vontade do capitalista norte-americano difere da do capitalista inglês? E para responder a esta questão, não teriam outro remédio senão ir além dos domínios da vontade. É possível que venha um padre dizer-me que Deus quer na França uma coisa e na Inglaterra outra. E se o convido a explicar esta dualidade de vontade, êle poderá ter a impudência de responder que está nos desígnios de Deus ter uma vontade em França e outra na Inglaterra. Mas nosso amigo Weston será, com certeza, a última pessoa a converter em argumento esta negação completa de todo raciocínio.

Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites.

2 - Produção, salários, lucros

A conferência proferida pelo cidadão Weston poderia ser condensada a ponto de caber numa casca de noz.

Toda a sua argumentação reduz-se ao seguinte: se a classe operária obriga a classe capitalista a pagar-lhe, sob a forma de salário em dinheiro, 5 xelins em vez de 4, o capitalista devolver-lhe-á sob a forma de mercadorias, o valor de 4 xelins em vez do valor de 5. Então a classe operária terá que pagar 5 xelins pelo que antes da alta de salários lhe custava apenas 4. E por que ocorre isto? Por que o capitalista só entrega o valor de 4 xelins por 5? Porque o rnontante dos salários é fixo. Mas por que fixo precisamente no valor de 4 xelins em mercadorias? por que não em 3, em 2, ou outra qualquer quantia? Se o limite do montante dos salários está fixado por uma lei económica, independente tanto da vontade do capitalista como da do operário, a primeira coisa que deveria ter feito o cidadão Weston era expor e demonstrar essa lei. Deveria provar, além disso, que a soma de salários efetivamente pagos em cada momento dado, corresponde sempre, exatamente, à soma necessária dos salários, e nunca se desvia dela. Em compensação, se o limite dado da soma de salários depende da simples vontade do capitalista, ou das proporções da sua avareza, trata-se de um limite arbitrário, que nada tem em si de necessário. Tanto pode ser modificado pela vontade do capitalista, como também se pode fazê-lo variar contra a sua vontade.

O cidadão Weston ilustrou a sua teoria dizendo-nos que se uma terrina contém determinada quantidade de sopa, desti nada a determinado número de pessoas, a quantidade de sopa não aumentará se se aumentar o tamanho das colheres. Seja-me permitido considerar este exemplo pouco substancioso. Ele me faz lembrar um pouco aquele apólogo de que se valeu Menênio Agripa. Quando a plebe romana entrou em luta contra os patrícios, o patrício Agripa disse-lhes que a pança patrícia é que alimentava os membros plebeus do organismo político. Mas Agripa não conseguiu demonstrar como se ali- mentam os membros de um homem quando se enche a barriga de outro. O cidadão Weston, por sua vez, se esquece de que a terrina da qual comem os operários, contém todo o produto do trabalho nacional, e o que os impede de tirar dela uma ração maior não é nem o tamanho reduzido da terrina, nem a escassez do seu conteúdo, mas unicamente a pequena dimensão de suas colheres.

Graças a que artifício consegue o capitalista devolver um valor de 4 xelins por aquilo que vale 5? A alta dos preços das mercadorias que vende. Mas então, a alta dos preços, ou falando em termos mais gerais, as variações nos preços das mercadorias, os próprios preços destas, porventura dependem da simples vontade do capitalista? Ou, ao contrário, são ne- cessárias determinadas circunstâncias para que prevaleça essa vontade? Se não fosse assim, as altas e baixas, as incessantes oscilações dos preços no mercado seriam um enigma indecifrável.

Se admitimos que não se operou em absoluto alteração alguma, nem nas forças produtivas do trabalho, nem no volume do capital e do trabalho empregados, ou no valor do dinheiro em que se expressam os valores dos produtos, mas que se alteraram tão somente as taxas de salários, de que maneira poderia esta alta de salários influir nos preços das mercadorias? Somente influindo na proporção real entre a oferta e a procura dessas mercadorias.

É inteiramente certo que a classe operária, considerada em conjunto, gasta e será forçosamente obrigada a gastar a sua receita em artigos de primeira necessidade. Uma alta geral na taxa de salários provocaria, portanto, um aumento da procura de artigos de primeira necessidade e, conseqüentemente, um aumento de seus preços no mercado. Os capitalistas que produzem estes artigos de primeira necessidade compensariam o aumento de salários por meio da alta dos preços dessas mercadorias. Mas que sucederia com os demais capitalistas que não produzem artigos de primeira necessidade? E podeis estar certos que o seu número não é pequeno.Se levardes em conta que duas terças partes da produção nacional são consumidas por um quinto da população - um deputado da Câmara dos Comuns declarou, recentemente, que tais consumidores constituem apenas a sétima parte da nação -, podereis imaginar que enorme parcela da produção nacional se destina a objetos de luxo, ou a ser trocada por objetos de luxo, e que imensa quantidade de artigos de primeira necessidade se desperdiça em criadagem, cavalos, gatos, etc., esbanjamento esse que, como nos ensina a experiência diminui cada vez mais, com a elevação dos preços dos artigos de primeira necessidade.

Pois bem, qual seria a situação desses capitalistas que não produzem artigos de primeira necessidade? Não poderiam compensar a queda na taxa de lucro, após uma alta geral de salários, elevando os preços de suas mercadorias, visto que a procura destas não teria aumentado. A sua renda diminuiria; e com esta renda diminuída teriam de pagar mais pela mesma quantidade de artigos de primeira necessidade, que subiriam de preço. Mas a coisa não pararia aí. Diminuída a sua renda, menos teriam para gastar em artigos de luxo, com o que também se reduziria a procura recíproca de suas respectivas mercadorias. E como conseqüência desta diminuição da procura, cairiam os preços das suas mercadorias. Portanto nestes ramos da indústria, a taxa de lucros cairia, não só em proporção simplesmente ao aumento geral da taxa de salários, como, também, essa queda seria proporcional à ação conjunta da alta geral de salários, do aumento de preços dos artigos de primeira necessidade e da baixa de preços dos artigos de luxo.

Qual seria a conseqüência desta diferençaentre as taxas de lucro dos capitais colocados nos diversos ramos da indústria? Ora, a mesma que se produz sempre que, seja qual for a causa, se verificam diferenças nas taxas médias de lucro dos diversos ramos da produção. O capital e o trabalho se deslocariam dos ramos menos remunerativos para os que o fossem mais; e este processo de deslocamento iria durar até que a oferta em um ramo industrial aumentasse a ponto de se nivelar com a maior procura e nos demais ramos industriais diminuísse proporcionalmente à menor procura. Uma vez operada esta mudança, a taxa geral de lucro voltaria a igualar-se nos diferentes ramos da indústria. Como todo esse desarranjo obedecia originariamente a uma simples mudança na relação entre a oferta e a procura de diversas mercadorias, cessando acausa, cessariam também os efeitos, e os preços voltariam ao seu antigo nível e ao antigo equilíbrio. A redução da taxa de lucro, por efeito dos aumentos de salários, em vez de limitar-se a uns quantos ramos da indústria, tomar-se-ia geral. Segundo a suposição de que partimos, nenhuma alteração ocorreria nas forças produtivas do trabalho, nem no volume global da produção, sendo que aquêle volume dado de produção apenas teria mudado de forma. Uma maior parte do volu- me de produção estaria representada por artigos de primeira necessidade, ao passo que diminuiria a parte dos artigos deluxo, ou, o que vem a ser o mesmo, diminuiria a parte destinada à troca por artigos de luxo importados do estrangeiro e consumida desta forma; ou, o que ainda é o mesmo, em outros termos, uma parte maior da produção nacional seria trocada por artigos importados de primeira necessidade, em lugar de ser trocada por artigos de luxo. Isto quer dizer que, depois de transtornar temporariamente os preços do mercado, a alta geral da taxa de salários só conduziria a uma baixa geral da taxa de lucro, sem introduzir nenhuma alteração permanente nos preços das mercadorias.

Se me disserem que, na anterior argumentação, dou por estabelecido que todo o aumento de salários se gasta em artigos de primeira necessidade, replicarei que fiz a suposição mais favorável ao ponto de vista do cidadão Weston. Se o aumento dos salários fosse aplicado em objetos que antes não entravam no consumo dos trabalhadores, seria inútil que nos detivéssemos a demonstrar que seu poder aquisitivo havia experimentado um aumento real. Sendo, porém, mera conse- qüência da elevação de salários, este aumento do poder aquisitivo dos operários terá de corresponder, exatamente, à dimi- nuição do poder aquisitivo dos capitalistas. Vale dizer, portanto, que a procura global de mercadorias não aumentaria, e apenas mudariam os elementos integrantes dessa procura. O incremento da procura de um lado seria contrabalançado pela diminuição da procura do outro lado. Deste modo, como a procura global permaneceria invariável, não se operaria rnudança de cunho algum nos preços das mercadorias.

Chegamos, assim, a um dilema: ou o incremento dos salários se gasta por igual em todos os artigos de consumo, caso em que o aumento da procura por parte da classe operária tem que ser compensado pela diminuição da procura por parte da classe capitalista; ou o incremento dos salários só se gasta em determinados artigos cujos preços no mercado aumentarão temporariamente. Neste caso, a conseqüente elevação da taxa de lucro em alguns ramos da indústria e a conseqüente baixa da taxa de lucro em outros provocarão uma mudança na distribuição do capital e do trabalho, que persiste até que a oferta se tenha ajustado à maior procura em alguns ramos da indústria e à menor procura nos outros. Na primeira hipótese não se produzirá nenhuma mudança nos preços das mercadorias. Na outra hipótese, após algumas oscilações dos preços do mercado, os valores de troca das mercadorias baixarão ao nível anterior. Em ambos os casos, chegaremos à conclusão de que a alta geral da taxa de salários conduzirá, afinal de contas, a nada menos que uma baixa geral da taxa de lucro.

Para espicaçar o vosso poder de imaginação, o cidadão Weston vos convidava a pensar nas dificuldades que acarre taria à Inglaterra uma alta geral de 9 para 18 xelins nas jornadas dos trabalhadores agrícolas. Meditai, exclamou ele, no enorme acréscimo da procura de artigos de primeira necessidade em que isso implicaria e, como conseqüência, na terrivel ascensão dos preços, a que daria lugar! Pois bem, todos sabeis que os salários médios dos trabalhadores agrícolas da América do Norte são mais do dobro dos dos trabalhadores agrícolas inglêses, apesar de os preços dos produtos da lavoura serem mais baixos nos Estados Unidos do que na Grã-Bretanha, apesar de reinarem nos Estados Unidos as mesmas relações gerais entre o capital e o trabalho que na Inglaterra e apesar de que o volume anual da produção norte-americana é muito mais reduzido que o da inglêsa. Por que, então, o nosso amigo toca com tanto vigor este sino? Simplesmente para desviar a nossa atenção do verdadeiro problema. Um aumento repentino de 9 para 18 xelins nos salários representaria um acréscimo repentino de 100 por cento. Ora, não estamos discutindo aqui se seria possível duplicar na Inglaterra, de súbito, a taxa dos salários. Não nos interessa em nada a grandeza do aumento, que em cada caso concreto depende de determinadas circunstâncias e tem que se adaptar a elas. Apenas nos interessa investigar quais os efeitos em que se traduziria uma alta geral da taxa dos salários, mesmo que não fosse além de um por cento.

Pondo de lado èste aumento imaginário de 100 por cento do amigo Weston, desejo chamar a vossa atenção para o aumento efetivo de salários operado na Grã-Bretanha de 1849 a 1859.

Todos vós conheceis a Lei das Dez Horas ou, mais precisamente, das Dez Horas e Meia, promulgada em 1848. Foi uma das maiores modificações económicas que já presenciamos. Representou um aumento súbito e obrigatório de salários não em umas quantas indústrias locais, porém nos ramos Industriais mais eminentes, por meio dos quais a Inglaterra domina os mercados do mundo. Foi uma alta de salários em circunstâncias singularmente desfavoráveis. O dr. Ure, o prof. Senior e todos os demais porta-vozes oficiais da burguesia no campo da economia demonstraram, e devo dizer, com razões muito mais sólidas do que as do nosso amigo Weston, que aquilo era o dobre de finados da indústria inglêsa. Demonstraram que não se tratava de um simples aumento de salário, mas de um aumento de salários provocado pela redução da quantidade de trabalho empregado, e nela fundamentado. Afirmaram que a duodécima hora que se queria arrebatar ao capitalista era justamente aquela em que este obtinha o seu lucro. Ameaçaram com o decréscimo da acumulação, a alta dos preços, a perda dos mercados, a redução da produção, a conseqüente reação sobre os salários e, enfim, a ruína. Sustentavam que a lei de Maximilian Robespierre sobre os limites máximos era uma ninharia comparada com esta outra; e, até certo ponto, tinham razão. Mas qual foi, na realidade, o resultado? Os salários em dinheiro dos operários fabris aumentaram, apesar de se haver reduzido a jornada de trabalho; cresceu consideravelmente o número de operários em atividade nas fábricas; baixaram constantemente os preços dos seus produtos; desenvolveram-se às mil maravilhas as forças produtivas do seu trabalho e se expandiram progressivamente, em proporções nunca vistas, os mercados para os seus artigos. Em Manchester, na assembléia da Sociedade Pelo Progresso da Ciência, em 1860, eu próprio ouvi o sr. Newman confessar que ele,, o dr. Ure, Senior e todos os demais representantes oficiais da ciência económica se haviam equivocado, ao passo que o instinto do povo não falhara. Cito neste passo o sr. W. Newman e não o prof. Francis Newman, porque ele ocupa na ciência económica um lugar proeminente, como colaborador e editor da History of Prices ["História dos Preços"] da autoria do sr. Thomas Tooke, essa obra magnífica, que retraça a história dos preços desde 1793 a 1856. Se a idéia fixa de nosso amigo Weston acêrca do volume fixo dos salários de um volume de produção fixo, de um grau fixo de produtividade do trabalho, de uma vontade fixa o constante dos capitalistas e tudo o mais que há de fixo e imutável em Weston, fossem exatos, o prof. Senior teria acertado em seus sombrios presságios, e Robert Owen ter-se-ia equivocado, ele que, já em 1816, pedia urna limitação geral da jornada de trabalho como primeiro passo preparatório para a emancipação da classe operária, implantando-a efetivamente, por conta e risco próprios, na sua fábrica têxtil de New Nanark, contra o preconceito generalizados.

Na mesmíssima época em que entrava em vigor a Lei das Dez Horas e se produzia o subseqüente aumento dos salários, ocorreu na Grã-Bretanha, por motivo que não vem ao caso relatar, uma elevação geral dos salários dos trabalhadores agrícolas.

Conquanto isto não seja indispensável ao meu objetivo imediato, desejo fazer algumas observações preliminares, para vos colocar melhor no assunto.

Se um homem percebe 2 xelins de salário por semana e seu saláxio aumenta para 4 xelins, a taxa do salário aumentará 100 por cento. Isto, expresso como aumento da taxa de salário, pareceria algo maravilhoso, ainda que na realidade a quantia efetiva do salário, ou sejam, os 4 xelins por semana, continue a ser um ínfimo, um mísero salário de fome. Portanto, não vos deveis fascinar pelas altissonantes percentagens da taxa de salário. Deveis perguntar sempre: qual era a quantia original?

Outra coisa que também compreendereis é que, se há dez operários que ganham cada um 2 xelins por semana, 5 ganhando 5 xelins cada um e outros 5 que ganhem 11, eles, os 20, ganharão 100 xelins, ou 5 libras esterlinas por semana. Logo, se a soma global destes salários semanais aumenta, digamos de uns 20 por cento, haverá uma melhora de 5 para 6 libras. Tomando a média, poderíamos dizer que a taxa geral de salários aumentou de 20 por cento, embora na realidade os salários de dez dos operários variassem, os salários de um dos dois grupos de cinco operários só aumentassem de 5 para 6 xelins por cabeça e os do outro grupo de 5 operários se elevassem, ao todo, de 55 para 70 xelins. Metade dos operários não melhoraria absolutamente nada de situação, a quarta parte deles teria uma melhoria insignificante e somente a quarta parte restante obteria um benefício sensível. Calculando-se, porém, a média, a sorna global dos salários destes 20 operários aumentaria de 20 por cento e no que se refere ao capital global, para a qual trabalham, bem como no concernente aos preços das mercadorias que produzem, seria exatamente o mesmo como se todos participassem por igual na elevação média dos salários. No caso dos trabalhadores agrícolas, como os salários médios pagos nos diversos condados da Inglaterra e Escócia diferem consideravelmente, o aumento foi muito desigual.

Enfim, durante a época em que se processou aquele aumento de salários, manifestaram-se, também, influências que o contrabalançavam, tais como os novos impostos lançados no cortejo da Guerra da Criméia, a demolição extensiva das habitações dos trabalhadores agrícolas, etc.

Feitas estas reservas, vou agora prosseguir, para constatar que de 1849 a 1859 a taxa média dos salários agrícolas na Grã-Bretanha registrou um aumento de cerca de 40 por cento. Poderia dar-vos amplos detalhes em apoio da minha afirmação, mas para o objetivo em mira creio que bastará indicar-vos a obra de crítica, tão conscienciosa, lida em 1860 pelo finado Sr. John C. Morton, na Sociedade de Artes e Ofícios de Londres, sóbre As Forças Empregadas na Agricultura. O Sr. Morton expõe os dados estatísticos colhidos nas contas e outros documentos autênticos de uns cem agricultores, aproximadamente, em doze condados da Escócia e trinta e cinco da Inglaterra.

Segundo o ponto de vista do nosso amigo Weston, e em harmonia com a alta simultânea operada nos salários dos operários de fábrica, durante o período 1849-1859, os preços dos produtos agrícolas deveriam ter registrado um aumento enorme. Mas o que aconteceu realmente? Apesar da Guerra da Criméia e das péssimas colheitas consecutivas de 1854 a 1856, os preços médios do trigo, o produto agrícola mais importante da Inglaterra, baixaram de cêrca de 3 libras esterlinas por quarter, como eram cotados de 1838 a 1848, para cerca de 2 libras e 10 xelins por quarter, nas cotações do período de 1849 a 1859 .Representa isto uma baixa de mais de 16 por cento no preço do trigo, em simultaneidade com um aumento médio de 40 por cento nos salários agrícolas. Durante a mesma época, se compararmos o seu final com o começo, quer dizer, o ano de 1859 com o de 1849, a cifra do pauperisrno oficial desce de 934 419 a 860 470, o que supõe urna diferença de 73 949 pobres; reconheço que é um decréscimo muito pequeno, e que se voltou a perder nos anos seguintes, mas, em todo caso, é sempre uma diminuição.

Pode-se objetar que, em conseqüência da anulação das leis sóbre os cereais, a importação de trigo estrangeiro mais que duplicou, no período de 1849-1859, comparada à de 1838-1848. E que significa isso? Do ponto de vista do cidadão Weston, dever-se-ia supor que esta enorme procura, repentina e sem cessar crescente, sobre os mercados estrangeiros tivesse feito subir a uma altura espantosa os preços dos produtos agrícoIas, posto que os efeitos de uma crescente procura são os mesmos, quer venham de fora ou de dentro do país. Mas o que ocorreu na realidade? Afora alguns anos de colheitas decepcionantes, durante todo este período a ruinosa baixa no preço do trigo constituiu um motivo permanente de queixas na França; os norte-americanos viram-se várias vezes obrigados a queimar excedentes da produção; e a Rússia, se acreditarmos no Sr. Urquhart, atiçou a guerra civil nos Estados Unidos, porque a concorrência ianque nos mercados da Europa paralisava a sua exportação de produtos agrícolas.

Reduzido à sua forma abstrata, o argumento do cidadão Weston traduzir-se-ia no seguinte: todo aumento da procura se opera sempre à base de um dado volume de produção. Portanto, não pode fazer aumentar nunca a oferta dos artigos procurados, mas unicamente fazer subir o seu preço em dinheiro. Ora, a mais comum observação demonstra que, em alguns casos, o aumento da procura deixa inalterados os preços das mercadorias e provoca, em outros casos, uma alta passageira dos preços do mercado, à qual se segue um aumento da oferta, por sua vez seguido pela queda dos preços até o nível anterior e, em muitos casos, abaixo dele. Que o aumento da procura obedeça à alta dos salários, ou a outra causa qualquer, isto em nada modifica os dados do problema. Do ponto de vista do cidadão Weston, tão difícil é explicar o fenómeno geral como o que se revela sob as circunstâncias excepcionais de um aumento de salários. Portanto, a sua argumentação não tem nenhum valor para o assunto de que tratamos. Apenas exprimiu a sua perplexidade ante as leis em virtude das quais um acréscimo da procura engendra am acréscimo da oferta, em vez de um aumento definitivo dos preços no mercado.

3 - Salários e dinheiro

No segundo dia de debate, nosso amigo Weston vestiu as suas velhas afirmativas com novas formas. Disse ele: Ao verificar-se uma alta geral dos salários em dinheiro, será necessária maior quantidade de moeda corrente para pagar os ditos salários. Sendo fixa a quantidade de moeda em circulação, como podeis pagar com esta soma fixa de moeda circulante, um montante maior de salários em dinheiro? Primeiro, a dificuldade surgia de que, embora subisse o salário em dinheiro do operário, a quantidade de mercadorias que lhe cabia era fixa; e agora surge do aumento de salários em dinheiro, adespeito do volume fixo de mercadorias. Naturalmente, se rejeitardes o seu dogma original, desaparecerão também as dificuldades dele resultantes.

Vou demonstrar, contudo, que este problema da moeda não tem absolutamente nada a ver com o tema em questão.

No vosso país, o mecanismo dos pagamentos está muito mais aperfeiçoado do que em qualquer outro país da Europa. Graças à extensão e à concentração do sistema bancário, necessita-se de muito menos moeda para por em circulação a mesma quantidade de valores e realizar o mesmo ou um maior número de negócios, . No que, por exemplo, concerne aos salários, o operário fabril inglês entrega semanalmente o seu salário ao vendeiro, que semanalmente o envia ao banqueiro, o qual o devolve semanalmente ao fabricante, que volta a pagá-lo a seus operários, e assim por diante. Graças a este processo o salário anual de um operário que se eleva, vamos supor, a 52 libras esterlinas, pode ser pago com um único soberano, que todas as semanas percorra o mesmo ciclo. Na própria Inglaterra, este mecanismo de pagamento não é tão perfeito como na Escócia, nem apresenta a mesma perfeição em todos os lugares; por isso vemos que, por exemplo, em alguns distritos agrícolas, comparados com os distritos fabris, muito mais moeda é necessária para fazer circular um menor volume de valores.

Se atravessardes a Mancha, observareis que no Continente os salários em dinheiro são muito mais baixos do que na Inglaterra e, apesar disso, na Alemanha, na Itália, na Suíça e na França, estes salários são postos em circulação mediante uma quantidade muito maior de moeda. O mesmo soberano não é interceptado com tanta rapidez pelo banqueiro, nem retorna com tanta presteza ao capitalista industrial; por isso, em vez de um soberano fazer circular 52 libras anualmente, talvez sejam necessários três soberanos para movimentar um salário anual no montante de 25 libras. Deste modo, no comparar os paises do Continente com a Inglaterra, vereis em seguida que salários baixos em dinheiro podem exigir, para a sua circulação, quantidades muito maiores de moeda do que salários altos e que isso, na realidade, é uma questão meramente técnica e, como tal, estranha ao nosso assunto.

De acordo com os melhores cálculos que conheço, a renda anual da classe operária deste país pode ser estimada nuns 250 milhões de libras esterlinas. Esta soma imensa se põe em circulação com uns 3 milhões de libras. Suponhamos que se verifique um aumento de salários de 50 por cento. Em vez de 3 milhões seriam precisos 4 milhões e meio de libras em dinheiro circulante. Como urna parte considerável dos gastos diários do operário é coberta em prata e cobre, isto é, em meros signos monetários, cujo valor relativo ao ouro é arbitrariamente fixado por lei, tal como o papel-moeda inconversível, resulta que essa alta de 50 por cento nos salários em dinheiro exigiria, em caso extremo, a circulação adicional, digamos, de um milhão de soberanos. Lançar-se-ia em circulação um milhão, que está inativo, em barras de ouro ou em metal amoedado, nos subterrâneos do Banco da Inglaterra ou de bancos particulares. Poder-se-ia inclusive poupar-se, e efetivamente se pouparia, o insignificante gasto na cunhagem suplementar, ou o maior desgaste deste milhão de moedas, se anecessidade de aumentar a moeda em circulação ocasionasse algum desgaste. Todos vós sabeis que a moeda deste país se divide em dois grandes grupos. Uma parte, suprida em notas de banco de diversas categorias, é usada nas transações entre comerciantes, e também entre comerciantes e consumidores, para saldar os pagamentos mais importantes; enquanto outra parte do meio circulante, a moeda metálica, circula no comércio varejista. Conquanto distintas, estas duas classes de moeda rnisturam-se e combinam-se mutuamente. Assim, as rnoedas de ouro circulam em boa proporção, inclusive em pagamentos importantes, para cobrir as quantias fracionárias inferiores a 5 libras. Se amanhã se emitissem notas de 4 libras, de 3 libras ou de 2 libras, o ouro que enche, estes canais de circulação seria imediatamente expulso deles, refluindo para os canais em que fosse necessário a fim de atender ao aumento dos salários em dinheiro. Com este processo poderia ser mobilizado o milhão adicional exigido por um aumento de 50 por cento nos salários, sem que se acrescentasse um único soberano ao meio circulante. E o mesmo resultado seria obtido sem que fosse preciso emitir uma só nota de banco adicional, com o simples aumento de circulação de letras de câmbio, conforme ocorreu no Lancashire, durante rnuito tempo.

Se uma elevação geral da taxa de salários, vamos dizer, de uns 100 por cento, como supõe o cidadão Weston relativamente aos salários agrícolas, provocasse urna grande alta nos preços dos artigos de primeira necessidade e exigisse, segundo os seus conceitos, uma soma adicional de meios de pagamento, que não se poderia conseguir logo, uma redução geral de salários deveria provocar o mesmo resultado em idêntica proporção, se bem que em sentido contrário. Pois bem, sabeis todos que os anos de 1858 a 1860 foram os mais favoráveis para a indústria algodoeira e que, sobretudo, o ano de 1860 ocupa a este respeito um lugar único nos anais do comércio; foi também um ano de grande prosperidade para os outros ramos industriais. Em 1860, os salários dos operários do algodão e dos demais trabalhadores relacionados com esta indústria chegaram ao seu ponto mais elevado até então. Veio, porém, a crise norte-americana e todos estes salários viram-se de pronto reduzidos aproximadamente à quarta parte do seu montante anterior. Em sentida inverso isto teria significado um aumento de 300 por cento. Quando os salários sobem de 5 para 20 xelins dizemos que sobem 300 por cento; se baixam de 20 para 5, dizemos que caem 75 por cento, mas a quantia do ascenso, num caso, e da baixa, no outro, é a mesma, a saber: 15 xelins. Sobreveio, assim, uma repentina mudança nas taxas dos salários, como jamais se conhecera anteriormente, e essa mudança afetou um número de operários que, - não incluindo apenas aqueles que trabalham diretamente na indústria algodoeira, mas também os que indiretamente dependiam desta indústria -, excedia em cerca de metade o número de trabalhadores agrícolas. Acaso baixou o preço do trigo? Ao contrário, subiu de 47 xelins e 8 pence, por quarter, preço médio no triênio de 1858-1860, para 55 xelins e 10 pence o quarter, segundo a média anual referente ao triênio de 1861-1863. Pelo que diz respeito aos meios de pagamento, durante o ano de 1861, cunharam-se na Casa da Moeda 8 673 232 libras contra 3 378 102 cunhadas em 1860. Vale dizer que em 1861 cunharam-se mais 5 295 130 libras que em 1860. É certo que o volume da circulação de papel-moeda, em 1861, foi inferior em 1 319 000 libras ao de 1860. Mas mesmo deduzindo esta soma, ainda persiste para o ano de 1861, comparado com o ano anterior de prosperidade, 1860, um excesso de moeda no valor de 3 976 130 libras, ou quase 4 milhões; em troca, a reserva de ouro do Banco da Inglaterra neste período de tempo diminuiu; não exatamente na mesma proporção, mas aproximadamente.

Comparai agora o ano de 1862 com o de 1842. Sem contar o formidável aumento do valor e do volume de mercadorias em circulação, o capital desembolsado apenas para cobrir as transações regulares de ações, empréstimos, etc., de valores das ferrovias, ascendeu, na Inglaterra e Gales, em 1862, à soma de 320 milhões de libras esterlinas, cifra que em 1842 parecia fabulosa. E no entanto as somas globais de moeda foram aproximadamente as mesmas nos anos de 1862 e 1842; e, em termos gerais, haveis de verificar, ante um aumento enorme de valor não só das mercadorias como em geral das operações em dinheiro, uma tendência à diminuição progressiva dos meios de pagamento. Do ponto de vista do nosso amigo Weston, isto é um enigma indecifrável.

Se se aprofundasse um pouco mais no assunto, contudo, ele teria visto que, independentemente dos salários e supondo que estes permaneçam invariáveis, o valor e o volume das mercadorias postas em circulação e, em geral, o montante das transações concertadas em dinheiro, variam diariamente; que o montante das notas de banco emitidas varia diariamente; que o montante dos pagamentos efetuados sem ajuda de dinheiro, por meio de letras de câmbio, cheques, créditos escriturais, clearing house, etc., varia diariamente; que, na medida em que se necessita efetivamente de moeda metálica, a proporção entre as moedas que circulam e as moedas e lingotes guardados de reserva, ou entesourados nos subterrâneos bancários, varia diariamente; que a soma do ouro absorvido pela circulação nacional e a soma enviada ao estrangeiro para fins de circulação internacional, variam diariamente. Teria percebido que o seu dogrna de um volume fixo dos meios de pagamento é um erro monstruoso, incompatível com a realidade cotidiana. Ter-se-ia informado das leis que permitem aos meios de pagamento adaptar-se a condições que variam de maneira tão constante em lugar de converter a sua falsa concepção das leis da circulação monetária em argumento contra o aumento dos salários.

4 - Oferta e procura

Nosso amigo Weston faz seu o provérbio latino repetitio est mater studiorum, que significa: "a repetição é a mãe do estudo", razão pela qual nos repete o seu dogma inicial sob a nova forma de que a redução dos meios de pagamento, resultante de um aumento dos salários, determinaria uma diminuição do capital, etc. Depois de haver tratado de sua fantasiosa teoria da moeda, considero de todo inútil deter-me a examinar as conseqüências imaginárias que ele crê necessário deduzir de sua imaginária catástrofe dos meios de pagamento. Passo, pois, imediatamente, a reduzir à forma teórica mais simples o seu dogma, que é sempre um e o mesmo, embora repetido sob tantas formas diversas.

Urna única observação evidenciará a ausência de sentido crítico com que ele trata o tema. Declara-se contrário ao aumento de salários, ou aos salários altos, obtidos em conseqüência deste aumento. Pois bem, pergunto eu: o que são salários altos e o que são salários baixos? Por que, por exemplo, 5 xelins semanais são considerados como um salário baixo e 20 por semana são reputados um salário alto? Se um salário de 5 é baixo, em comparação com um de 20, o de 20 será todavia mais baixo comparado com um de 200. Se alguém fizesse uma conferência sobre o termómetro e se pusesse a declamar sobre graus altos e graus baixos, nada nos ensinaria. A primeira coisa que teria de explicar é como se encontra o ponto de congelamento e o ponto de ebulição, e como estes dois pontos-padrão obedecem às leis naturais e não à fantasia dos vendedores ou dos fabricantes de termómetros. Ora, pelo que se refere a salários e lucros, o cidadão Weston não só se esqueceu de deduzir das leis económicas esses pontos-padrão, mas também não sentiu sequer a necessidade de indagá-los. Contenta-se em admitir as expressões vulgares e correntes de alto e baixo, como se estes termos tivessem algum significado fixo, apesar de que salta à vista que os salários só podem ser qualificados de altos ou baixos quando comparados a alguma norma que nos permita medir a sua grandeza.

O cidadão Weston não poderá dizer-me por que se paga uma determinada soma de dinheiro por uma determinada quantidade de trabalho. Se me contestasse que isto corre por conta da lei da oferta e da procura, eu lhe pediria antes de mais nada que me dissesse qual a lei que, por sua vez, regula a da oferta e da procura. E esta réplica pó-lo-la imediatamente fora de combate. As relações entre a oferta e a procura de trabalho acham-se sujeitas a constantes modificações e com elas flutuam os preços do trabalho no mercado. Se a procura excede a oferta, sobem os salários; se a oferta supera a procura, os salários baixam, ainda que em certas circunstâncias possa ser necessário comprovar o verdadeiro estado da procura e da oferta por uma greve, por exemplo, ou outro procedimento qualquer. Mas se tomardes a oferta e a procura como lei reguladora dos salários, seria tão pueril quanto inútil clamar contra uma elevação de salários, visto que, de acordo com a lei suprema que invocais, as altas periódicas dos salários são tão necessárias e tão legítimas como as suas baixas periódicas. E se não considerais a oferta e a procura como lei reguladora dos salários, então repito minha pergunta: por que se dá uma determinada soma de dinheiro por uma determinada quantidade de trabalho?

Mas para focalizar as coisas com maior amplidão: equivocar-vos-ei por inteiro, caso acrediteis que o valor do trabalho ou de qualquer outra mercadoria se determina, em última análise, pelo jogo da procura e da oferta. A oferta e a procura só regulam as oscilações temporárias dos preços no mercado. Explicam porque o preço de um artigo no mercado. se eleva acima ou desce abaixo do seu valor, mas não explicam jamais esse valor em si mesmo. Vamos supor que a oferta e a procura se equilibrem ou, como dizem os economistas, se cubram mutuamente. No preciso instante em que estas duas forças contrárias se nivelam, elas se paralisam mutuamente, deixam de atuar num ou noutro sentido. No mesmo instante em que a oferta e aprocura se equilibram e deixam, portanto, de atuar, o preço de uma mercadoria no mercado coincide com o seu valor real, com o preço normal em torno do qual oscilam seus preços no mercado. Por conseguinte, se queremos investigar o caráter deste valor, não nos devemos preocupar com os efeitos transitórios que a oferta e a procura exercem sobre os preços do mercado. E outro tanto caberia dizer dos salários e dos preços de todas as demais mercadorias.

5 - Salários e preços

Reduzidos à sua expressão teórica mais simples, todos os argumentos de nosso amigo se traduzem num só e único dogma: "os preços das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários".

Ante esta heresia antiquada e desacreditada, eu poderia invocar a observação prática. Poderia dizer-vos que os operários fabris, os mineiros, os construtores navais e outros trabalhadores inglêses, cujo trabalho é relativamente bem pago, vencem a todas as demais nações pela barateza de seus produtos, enquanto, por exemplo, o trabalhador agrícola inglês, cujo trabalho é relativamente mal pago, é batido por quase todos os demais países, em conseqüência da carestia de seus produtos. Comparando uns artigos com outros, dentro do mesmo país, e as mercadorias de distintos países entre si, poderia demonstrar que, se abstrairmos algumas exceções mais aparentes que reais, em termo médio o trabalho que recebe alta remuneração produz mercadorias baratas e o trabalho que recebe baixa remuneração, mercadorias caras. Isto, naturalmente, não demonstraria que o elevado preço do trabalho em certos casos e, em outros, o seu preço baixo, sejam as respectivas causas destes efeitos diametralmente opostos mas em todo caso serviria para provar que os preços das mercadorias não são governados pelos preços do trabalho. Todavia, prescindiremos perfeitamente deste método empírico.

Poder-se-ia, talvez, negar que o cidadão Weston sustente o dogma de que "os preços das mercadorias se determinam ou regulam pelos salários". De fato, ele jamais formulou este dogma. Disse, ao contrário, que o lucro e a renda do solo são também partes integrantes dos preços das mercadorias, posto que destes têm de sair não só os salários dos operários como os lucros do capitalista e as rendas do proprietário da terra. Porém, a seu modo de ver, como se formam os preços? Formam-se, em primeiro lugar, pelos salários; em seguida, soma-se ao preço um tanto por cento adicional em benefício do capitalista e outro tanto por cento adicional em benefício do proprietário da terra. Suponhamos que os salários do trabalho invertido na produção de uma mercadoria ascendem a 10. Se a taxa de lucro fosse de 100 por cento, o capitalista acrescentaria 10 aos salários desembolsados, e se a taxa de renda fosse também de 100 por cento sobre os salários, ter-se-ia que ajuntar mais 10, com o que o preço total da mercadoria viria a cifrar-se em 30. Semelhante determinação do preço, porém, estaria presidida simplesmente pelos salários. Se estes, no nosso exemplo, subissem a 20, o preço da mercadoria elevar-se-ia a 60 e assim sucessivamente. Eis porque todos os escritores antiquados de economia política que alvitravam a tese de que os salários regulam os preços, intentavam prová-la apresentando o lucro e a renda do solo como simples percentagens adicionais sobre os salários. Nenhum deles era, naturalmente, capaz de reduzir os limites dessas percentagens a uma lei económica. Pareciam, ao contrário, acreditar que os lucros se fixavam pela tradição, costume, vontade do capitalista, ou por qualquer outro método igualmente arbitrário e inexplicável. Quando afirmavam que os lucros se determinam pela concorrência entre os capitalistas, portanto, não explicavam absolutamente nada. Esta concorrência por certo nivela as diferentes taxas de lucros das diversas indústrias, ou seja, as reduz a um nível médio, porém jamais pode determinar este nível, ou a taxa geral de lucro.

Que queremos dizer quando afirmamos que os preços das mercadorias são determinados pelos salários? Como o salário não é mais do que uma denominação do preço do trabalho, queremos dizer com isso que os preços das mercadorias regulam-se pelo preço do trabalho. E como "preço" é valor de troca - e quando falo de valor refiro-me sempre ao valor de troca - a saber: valor de troca expresso em dinheiro, aquela afirmativa equivale a esta outra: "o valor das rnercadorias é determinado pelo valor do trabalho", ou, o que vem a dar no mesmo, "o valor do trabalho é a medida geral do valor".

Mas, por sua vez, como se determina o "valor do trabalho"? Aqui, chegamos a um ponto morto. A um ponto morto, sem dúvida, se tentamos raciocinar logicamente. Porém, os proponentes desta teoria não têm lá grandes escrúpulos em matéria de lógica. Tomemos o nosso amigo Weston, como exemplo. Primeiro, dizia-nos que os salários regulavam os preços das mercadorias e que, portanto, quando os salários subiam, estes deviam subir também. Depois, dava meia volta para nos demonstrar que um aumento de salários não serviria para nada, visto que também subiriam os preços das mercadorias, e os salários se mediam, na realidade, pelos preços das mercadorias com eles compradas. Assim, partindo da afirmativa deque o valor do trabalho determina o valor da mercadoria, viemos parar na afirmativa de que o valor da mercadoria determina o valor do trabalho. Nada mais fazemos do que nos mover num círculo vicioso, sem chegar a nenhuma conclusão.

No geral, é evidente que, tomando a valor de uma mercadoria, por exemplo, o trabalho, o trigo ou outra mercadoria qualquer, como medida e regulador geral do valor, apenas desviamos a dificuldade, já que determinamos um valor por outro, que, por sua vez, também necessita ser determinado.

Expresso em sua forma mais abstrata, o dogma de que "os salários determinam os preços das mercadorias" equivale a dizer que "o valor se determina pelo valor", e esta tautologia só demonstra, na realidade, que nada sabemos a respeito do valor. Se admitíssemos semelhante premissa, toda a argumentação acerca das leis gerais da economia política converter-se-ia em mera tagarelice. Por isso deve-se reconhecer a Ricardo o grande mérito de haver destruido até aos fundamentos, com a sua obra sobre os Princípios da Economia Política, publicada em 1817, o velho erro, tão divulgado e gasto, de que "os salários determinam os preços", falácia iá rechaçada por Adam Smith e seus predecessores franceses na parte verdadeiramente científica de suas investigações, mas que, não obstante, eles reproduziram nos seus capítulos mais esotéricos e de vulgarização.

6 - Valor e trabalho

Cidadãos! Cheguei ao ponto em que devo necessariamente entrar no verdadeiro desenvolvimento do tema. Não posso asseverar que o faça de maneira muito satisfatória, pois isso, me obrigaria a percorrer todo o campo da economia política. Apenas posso, como diria o francês, effleurer Ia question, tocar os aspectos fundamentais.

A primeira pergunta que temos de fazer é esta: Que é o valor de uma mercadoria? Como se determina este valor?

A primeira vista, parecerá que o valor de uma mercadoria é algo completamente relativo, que não se pode determinar sem pór uma mercadoria em relação com todas as outras. Com efeito, quando falamos do valor, do valor de troca de uma mercadoria, entendemos as quantidades proporcionais nas quais é trocada por todas as demais mercadorias. Isto, porém, conduz-nos aperguntar: como se regulam as proporções em que umas mercadorias se trocam por outras?

Sabemos por experiência que essas proporções variam ao infinito. Tomemos uma única mercadoria, por exemplo, o trigo, e veremos que um quarter de trigo se permuta, numa série quase infinita de graus de proporção, por diferentes mercadorias. E, sem embargo, como o seu valor é sempre o mesmo, quer se expresse em sêda, em ouro, ou outra qualquer mercadoria, este valor tem que ser alguma coisa de distinto e independente dessas diversas proporções em que se troca por outros artigos. Necessariamente há de ser possível exprimir, de uma forma muito diferente, estas diversas equações com várias mercadorias.

De resto, quando digo que um quarter de trigo se troca por ferro numa determinada proporção ou que o valor de um quarter de trigo se expressa numa determinada quantidade de ferro, digo que o valor do trigo ou seu equivalente em ferro são iguais a uma terceira coisa, que não é trigo nem ferro, pois suponho que ambos exprimem a mesma grandeza sob duas formas distintas. Portanto, cada um destes dois objetos, tanto o trigo como o ferro, deve poder reduzir-se, independentemente um do outro, àquela terceira coisa, que é a medida comum de ambos.

Para esclarecer este ponto, recorrerei a um exemplo geométrico muito simples. Quando comparamos a área de vários triângulos das mais diversas formas e grandezas, ou quando comparamos triângulos com retângulos, ou com outra qualquer figura retilínea, qual é o processo que empregamos? Reduzimos a área do triângulo qualquer a uma expressão cornpletamente distinta de sua forma visível. E como, pela natureza do triângulo, sabemos que a área desta figura geométrica é sempre igual à metade do produto de sua base pela sua altura, isto nos permite comparar entre si os diversos valores de toda classe de triângulos e de todas as figuras retilíneas, já que todas elas podem reduzir-se a um certo número de triângulos.

Temos que seguir o mesmo processo para os valores das mercadorias. Temos que poder reduzi-los todos a uma expressão comum, distinguindo-os unicamente pela proporção em que contêm esta mesma e idêntica medida.

Como os valores de troca das mercadorias não passam de funções sociais delas, e nada têm a ver com suas propriedades naturais, devemos antes de mais nada perguntar: Qual é a substância social comum a todas as mercadorias? É o trabalho. Para produzir uma mercadoria tem-se que inverter nela ou a ela incorporar uma determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho, mas trabalho social. Aquele que produz um objeto para seu uso pessoal e direto, para consumi-lo, cria um produto, mas não uma mercadoria. Como produtor que se mantém a si mesmo, nada tem com a sociedade. Mas para produzir uma mercadoria, não só se tem de criar um artigo que satisfaça uma necessidade social qualquer, como também o trabalho nele incorporado deverá representar uma parte integrante da soma global de trabalho invertido pela sociedade. Tem que estar subordinado à divisão de trabalho dentro da sociedade. Não é nada sem os demais setores do trabalho, e, por sua vez, é chamado a integrá-los.

Quando consideramos as mercadorias como valores, vemo-las somente sob o aspecto de trabalho social realizado, plasmado ou, se assim quiserdes, cristalizado. Consideradas desse modo, só podem distinguir-se umas das outras enquanto representem quantidades maiores ou menores de trabalho; assim, por exemplo, num lenço de seda pode encerrar-se uma quantidade maior de trabalho do que um tijolo. Mas como se medem as quantidades de trabalho? Pelo tempo que dura o trabalho, medindo este em horas, em dias, etc. Naturalmente, para aplicar esta medida, todas as espécies de trabalho se reduzem a trabalho médio, ou simples, como a sua unidade.

Chegamos portanto a esta conclusão. Uma mercadoria tem um valor por ser uma cristalização de um trabalho social. A grandeza de seu valor, ou seu valor relativo, depende da maior ou menor quantidade dessa substância social que ela encerra, quer dizer, da quantidade relativa de trabalho necessário à sua produção. Portanto, os valores relativos das mercadorias se determinam pelas correspondentes quantidades ou somas de trabalho invertidas, realizadas, plasmadas nelas. As quantidades correspondentes de mercadorias, que foram produzidas no mesmo tempo de trabalho, são iguais. Ou, dito de outro modo, o valor de uma mercadoria está para o valor de outra, assim como a quantidade de trabalho plasmada numa está para a quantidade de trabalho plasmada na outra.

Suspeito que muitos de vós perguntareis: existe então uma diferença tão grande, supondo que exista alguma, entre a determinação dos valores das mercadorias na base dos salários e sua determinação pelas quantidades relativas de trabalhonecessárias à sua produção? Não deveis perder de vista que a retribuição do trabalho e a quantidade de trabalho são coisas perfeitamente distintas. Suponhamos, por exemplo, que num quarter de trigo e numa onça de ouro se plasmam quantidades iguais de trabalho. Valho-me deste exemplo porque já foi empregado por Benjamin Franklin no seu primeiro ensaio, publicado em 1729, sob o título de Uma Modesta Investigação Sobre a Natureza e a Necessidade do Papel-Moeda, que é um dos primeiros livros em que se reconhece a verdadeira natureza do valor. Pois bem, suponhamos, como ficou dito, que um quarter detrigo e uma onça de ouro são valores iguais ou equivalentes, por serem cristalizações de quantidades iguais de trabalho médio, de tantos dias, ou tantas semanas de trabalho plasmado em cada uma delas. Acaso, ao determinar assim os valores relativos do ouro e do trigo, fazemos qualquer referência aos salários que percebem os operários agrícolas e os mineiros? Em absoluto, nem por sombra. Não dizemos, sequer remotamente, como se paga o trabalhodiário ou semanal destes obreiros, nem ao menos dizemos se aqui se emprega, ou não, trabalho assalariado. Ainda supondo que se empregue trabalho assalariado, os salários podem ser muito desiguais. Pode acontecer que o operário cujo trabalho se plasma no quarter de trigo só perceba por ele dois bushels enquanto o operário empregado na mina pode ter percebido pelo seu trabalho metade da onça de ouro. Ou, supondo que os seus salários sejam iguais, podem diferir nas mais diversas proporções dos valores das mercadorias por eles produzidas. Podem representar a metade, a terça, quarta ou quinta parte, ou outra fração qualquer daquele quarter de trigo, ou daquela onça de ouro. Naturalmente, os seus salários nãopodem exceder os valores das mercadorias por eles produzidas, não podem ser maiores que estas, mas podem, sim, ser inferiores em todos os graus imagináveis. Seus salários achar- se-ão limitados pelos valoresdos produtos, mas os valores de seus produtos não se acharão limitados pelos salários. E sobretudo aqueles valores, os valores relativos do trigo e do ouro, por exemplo, se terão fixado sem atentar em nada no valor do trabalho invertido neles, isto é, sem atender em nada aos salários. A determinação dos valores das mercadorias pelas quantidades relativas de trabalho nelas plasmado difere, como se vê, radicalmente, do método tautológico da determinação dos valores das mercadorias pelo valor do trabalho, ou seja pelos salários.Contudo, no decurso de nossa investigação teremos oportunidade de esclarecer ainda mais este ponto.

Para calcular o valor de troca de uma mercadoria, temos de acrescentar à quantidade de trabalho invertida nela, em último lugar, a que antes se incorporou nas matérias-primas com que se elabora a mercadoria e o trabalho aplicado nos meios de trabalho - ferramentas, maquinaria e edifícios - que serviram para esse trabalho. Por exemplo, o valor de uma determinada quantidade de fio de algodão é a cristalização da quantidade de trabalho incorporada ao algodão durante o processo da fiação e, além disso, da quantidade de trabalho anteriormente plasmado nesse algodão, da quantidade de trabalho encerrada no carvão, no óleo e em outras matérias auxiliares empregadas, bem como da quantidade do trabalho materializado, na máquina a vapor, nos fusos, no edifício da fábrica, etc. Os meios de trabalho propriamente ditos, tais como ferramentas, maquinaria e edifícios, utilizam-se constantemente, durante um período de tempo mais ou menos longo, em processos repetidos de produção. Se se consumissem de uma vez, como acontece com as matérias-primas, transferir-se-ia imediatamente todo o seu valor à mercadoria que ajudam a produzir. Mas como um fuso, por exemplo, só se desgasta aos poucos, calcula-se um termo médio tomando por base a sua duração média, o seu aproveitamento médio ou a sua deterioração ou desgaste durante um determinado tempo, digamos, um dia. Deste modo calculamos qual aparte do valor dos fusos que passa ao fio fabricado durante um dia e que parte, portanto, dentro da soma global de trabalho realizado, por exemplo, numa libra de fio, corresponda à quantidade de trabalho anteriormente incorporado nos fusos. Para o objetivo a que visamos é desnecessário insistir mais neste ponto.

Poderia parecer que, se o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho que se inverte na sua produção, quanto mais preguiçoso ou inábil seja um operário, mais valiosa será a mercadoria por ele produzida, pois que o tempo de trabalho necessário para produzi-Ia será proporcionalmente maior. Mas aquele que assim pensa incorre num lamentável erro. Lembrai-vos que eu empregava a expressão ’trabalho social" e nesta denominação de "social" cabem muitas coisas. Ao dizer que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho incorporado ou cristalizado nela, queremos referir-nos à quantidade de trabalho necessário para produzir essa mercadoria num dado estado social e sob determinadas condições sociais médias de produção, com urna dada intensidade social média e com uma destreza média no trabalho que se emprega. Quando, na Inglaterra, o tear a vapor começou a competir com o tear manual, para converter uma determinada quantidade de fio numa jarda de tecido de algodão, ou pano, bastava a metade da duração de trabalho que anteriormente se invertia. Agora, o pobre tecelão manual tinha que trabalhar 17 ou 18 horas diárias, em vez das 9 ou 10 de antes. Não obstante, o produto de suas 20 horas de trabalho só representava 10 horas de trabalho social; isto é, as 10 horas de trabalho socialmente necessárias para converter uma determinada quantidade de fio em artigos têxteis. Portanto, seu produto de 20 horas não tinha mais valor, do que aquele que antes elaborava em 10.

Se então a quantidade de trabalho socialmente necessário, materializado nas mercadorias, é o que determina o valor de troca destas, ao crescer a quantidade de trabalho exigível para produzir uma mercadoria aumenta necessariamente o seu valor e, vice-versa, diminuindo aquela, baixa este.

Se as respectivas quantidades de trabalho necessário para produzir as respectivas mercadorias permanecessem constantes, seriam também constantes seus valores relativos.Porém, assim não sucede. A quantidade de trabalho necessário para produzir uma mercadoria varia constantemente, ao variarem as forças produtivas do trabalho aplicado. Quanto maiores são as forças produtivas do trabalho, mais produtos se elaboram num tempo de trabalho dado; e quanto menores são, menos se produzem na mesma unidade de tempo. Se, por exemplo, ao crescer a população, se fizesse necessário cultivar terras menos férteis, teríamos que inverter uma quantidade maior de trabalho para obter a mesma produção, e isto faria subir, por conseguinte, o valor dos produtos agrícolas. Por outro lado, se um só fiandeiro, com os modernos meios de produção, ao fim do dia converte em fio mil vezes mais algodão que antes fiava no mesmo espaço detempo com auxílio da roca, é evidente que, agora, cada libra de algodão absorverá mil vezes menos trabalho de fiação que dantes e, por conseqüência, o valor que o processo de fiação incorpora em cada libra de algodão será mil vezes menor. E na mesma proporção baixará o valor do fio.

À parte as diferenças nas energias naturais e na destreza adquirida para o trabalho entre os diversos povos, as forças produtivas do trabalho dependerão, principalmente:

1. - Das condições naturais do trabalho: fertilidade do solo, riqueza das jazidas minerais, etc.

2. - Do aperfeiçoamento progressivo das forças sociais do trabalho por efeito da produção em grande escala, da concentração do capital, da combinação do trabalho, da divisão do trabalho, maquinaria, melhoria dos métodos, aplicação dos meios químicos e de outras forças naturais, redução do tempo e do espaço graças aos meios de comunicação e de transporte, e todos os demais inventos pelos quais a ciência obriga as forças naturais a servir o trabalho, e pelos quais desenvolve o caráter social ou cooperativo do trabalho. Quanto maior é a força produtiva do trabalho, menos trabalho se inverte numa dada quantidade de produtos e, portanto, menor é ovalor destes produtos. Quanto menores são as forças produtivas do trabalho, mais trabalho se emprega na mesma quantidade de produtos e, por conseqüência, maior é o seu valor. Podemos, então, estabelecer como lei geral o seguinte:

Os valores das mercadorias estão na razão direta do tempo de trabalho invertido em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho empregado.

Como até aqui só temos falado do valor, acrescentarei algumas palavras acerca do preço, que é uma forma particular tomada pelo valor.

Em si mesmo, o preço outra coisa não é senão a expressão em dinheiro do valor. Os valores de todas as mercadorias deste país se exprimem, por exemplo, em preços-ouro, enquanto no Continente se expressam quase sempre em preços-prata. O valor do ouro, ou da prata, se determina como o de qualquer mercadoria, pela quantidade de trabalho necessário à sua extração. Permutais uma certa soma de vossos produtos nacionais, na qual se cristaliza uma determinada quantidade de vosso trabalho nacional, pelos produtos dos países produtores de ouro e prata, nos quais se cristaliza uma determinada quantidade de seu trabalho. É por este processo, na verdade pela simples troca, que aprendeis a exprimir em ouro e prata os valores de todas as mercadorias, isto é, as quantidades respectivas de trabalho empregadas na sua produção. Se vos aprofundardes mais na expressãoem dinheiro do valor, ou o que vem a ser o mesmo, na conversão do valor em preço, vereis que se trata de um processo por meio do qual dais aos valores de todas as mercadorias uma forma independente e homogênea, por meio do qual exprimis estes valores como quantidades de igual trabalho social. Na medida em que é apenas a expressão em dinheiro do valor, o preço foi denominado preço natural, por Adam Smith, e prix nécessaire, pelos fisiocratas franceses.

Que relação guardam pois o valor e os preços do mercado ou os preços naturais e os preços do mercado? Todos sabeis que o preço do mercado é o mesmo para todas as mercadorias da mesma espécie, por muito que variem as condições deprodução dos produtores individuais. Os preços do mercado não fazem mais que expressar a quantidade social média de trabalho, que, nas condições médias de produção, é necessária para abastecer o mercado com determinada quantidade de um certo artigo. Calcula-se tendo em vista a quantidade global de uma mercadoria de determinada espécie.

Até agora o preço de uma mercadoria no mercado coincide com o seu valor. Por outra parte, as oscilações dos preços do mercado que umas vezes excedem o valor, ou preço natural, e outras vezes ficam abaixo dele, dependem das flutuações da oferta e da procura. Os preços do mercado se desviam constantemente dos valores, mas, como diz Adam Smith:

"O preço natural é... o preço central em torno do qual gravitam constantemente os preços das mercadorias. Circunstâncias diversas os podem manter erguidos muito acima desse ponto e, por vezes, precipitá-los um pouco abaixo. Quaisquer, porém, que sejam os obstáculos que os impeçam de se deter neste centro de repouso e estabilidade, eles tendem continuamente para lá."

Não posso agora esmiuçar este assunto. Basta dizer que se a oferta e a procura se equilibram, os preços das mercadorias no mercado corresponderão a seus preços naturais, isto é, a seus valores, os quais se determinam pelas respectivas quantidades de trabalho necessário para a sua produção. Mas a oferta e a procura devem constantemente tender para oequilíbrio, embora só o alcancem compensando uma flutuação com a outra, uma alta com uma baixa e vice-versa. Se em vez de considerar somente as flutuações diárias, analisardes o movimento dos preços do mercado durante um espaço de tempo bastante longo, como o fêz, por exemplo, o Sr. Tooke, na sua História dos Preços, descobrireis que as flutuações dos preços no mercado, seus desvios dos valores, suas altas e baixas, se compensam umas com as outras e se neutralizam de tal maneira que, postas à margem a influência exercida pelos monopólios e algumas outras restrições que aqui temos de passar por alto, vemos que todas as espécies de mercadorias se vendem, em termo médio, pelos seus respectivos valores ou preços naturais. Os períodos médios de tempo, durante os quais se compensam entre si as flutuações dos preços no mercado, diferem segundo as distintas espécies de mercadorias, porque numas é mais fácil que em outras adaptar a oferta à procura.

Se, então, falando de um modo geral e abarcando períodos de tempo bastante longos, todas as espécies de mercadorias se vendem pelos seus respectivos valores, é absurdo supor que o lucro - não em casos isolados, mas o lucro constante e normal das diversas indústrias - brota de uma majoração dos preços das mercadorias, ou do fato de que se vendam por um preço que exceda consideravelmente o seu valor. O absurdo desta idéia evidencia-se desde que a generalizamos. O que alguém ganhasse constantemente como vendedor, haveria de perder constantemente como comprador. De nada serve dizer que há pessoas que compram sem vender, consumidores que não são produtores. O que estes pagassem ao produtor, teriam antes de recebê-lo dele grátis. Se uma pessoa recebe o vosso dinheiro e logo vo-lo devolve comprando-vos as vossas mercadorias, por este caminho nunca enriquecereis por mais caro que vendais. Esta espécie de negócios poderá reduzir uma perda, mas jamais contribuir para realizar um lucro.

Portanto, para explicar o caráter geral do lucro não tereis outro remédio senão partir do teorema de que as mercadorias se vendem, em média, pelos seus verdadeiros valores e que os lucros se obtêm vendendo as mercadorias pelo seu valor, isto é, em proporção à quantidade de trabalho nelas materializado. Se não conseguirdes explicar o lucro sobre esta base, de nenhum outro modo conseguireis explicá-lo. Isto parece um paradoxo e contrário à observação de todos os dias. Parece também paradoxal que a Terra gire ao redor do Sol e que a água seja formada por dois gases altamente inflamáveis. As verdades científicas serão sempre paradoxais, se julgadas pela experiência de todos os dias, a qual somente capta aaparência enganadora das coisas.

7 - Força de trabalho

Depois de termos analisado, na medida em que podíamos fazê-lo, em um exame tão rápido, a natureza do valor, do valor de uma mercadoria qualquer, devemos volver nossa atenção para o valor específico do trabalho. E aqui tenho eu, novamente, que vos surpreender com outro aparente paradoxo. Todos vós estais completamente convencidos de que aquilo que vendeis todos os dias é vosso trabalho; de que, portanto, o trabalho tem um preço e que, embora o preço de uma mercadoria mais não seja que a expressão em dinheiro do seu valor, deve existir, sem dúvida alguma, qualquer coisa parecida com o valor do trabalho. E, não obstante, não existe tal coisa como o valor do trabalho, no sentido corrente da palavra. Vimos que a quantidade de trabalho necessário cristalizado numa mercadoria constitui o seu valor. Aplicando agora este conceito do valor, como poderíamos determinar o valor de uma jornada de trabalho de 10 horas, por exemplo? Quanto trabalho está contido nesta jornada? Dez horas de trabalho. Se disséssemos que o valor de uma jornada de trabalho de 10 horas equivale a 10 horas de trabalho, ou à quantidade de trabalho contido nela, faríamos uma afirmação tautológica e, além disso, sem sentido. Naturalmente, depois de haver desentranhado o sentido verdadeiro, porém oculto, da expressão valor do trabalho, estaremos em condições de interpretar esta aplicação irracional e aparentemente impossível do valor, do mesmo modo que estamos em condições de explicar os movimentos, aparentes ou somente perceptíveis em certas formas, dos corpos celestes, depois de termos descoberto os seus movimentos reais.

O que o operário vende não é diretamente o seu trabalho, mas a sua força de trabalho, cedendo temporariamente ao capitalista o direito de dispor dela. Tanto é assim que, não sei se as leis inglesas, mas, desde logo, algumas leis continentais fixam o máximo de tempo pelo qual uma pessoa pode vender a sua força de trabalho. Se lhe fosse permitido vendê-la sem limitação de tempo, teríamos imediatamente restabelecida a escravatura. Semelhante venda, se o operário se vendesse por toda a vida, por exemplo, convertê-lo-ia sem demora em escravo do patrão até o final de seus dias.

Thomas Hobbes, um dos economistas mais antigos e dos mais originais filósofos da Inglaterra, já havia assinalado em seu Leviathan, instintivamente, este ponto que escapou a todos os seus sucessores. Dizia ele: "o valor de um homem é, como para todas as outras coisas, o seu preço; quer dizer, o que se pagaria pelo uso de sua força".

Partindo desta base podemos determinar o valor do trabalho, como o de todas as outras mercadorias.

Mas, antes de fazê-lo, poderíamos perguntar: de onde provém esse fenómeno singular de que no mercado nós encontremos um grupo de compradores, que possuem terras, maquinaria, matérias-primas e meios de vida, coisas essas que, exceto a terra, em seu estado bruto, são produtos de trabalho, e, por outro lado, um grupo de vendedores que nada têm a vender senão sua força de trabalho, os seus braços laboriosos e cérebros? Como se explica que um dos grupos compre constantemente para realizar lucro e enriquecer-se, enquanto o outro grupo vende constantemente para ganhar o pão do cada dia? A investigação deste problema seria uma investigação do que os economistas chamam "acumulação prévia ou originária", mas que deveria chamar-se expropriação originária. E veremos que esta chamada acumulação originária não é senão uma série de processos históricos que resultaram na decomposição da unidade originária existente entre o homem trabalhador e seus instrumentos de trabalho. Esta observação cai, todavia, fora da órbita do nosso tema atual. Uma vez consumada a separação entre o trabalhador e os instrumentos de trabalho este estado de coisas se manterá e se reproduzirá em escala sempre crescente, até que uma nova e radical revolução do sistema de produção a deite por terra e restaure a primitiva unidade sob uma forma histórica nova.

Que é, pois, o valor da força de trabalho? Como o de toda outra mercadoria, este valor se determina pela quantidade de trabalho necessário para produzi-la. A força de trabalho de um homem consiste, pura e simplesmente, na sua individualidade viva. Para poder crescer e manter-se, um homem precisa consumir uma determinada quantidade de meios de subsistência, o homem, como a máquina, se gasta e tem que ser substituído por outro homem. Além da soma de artigos de primeira necessidade exigidos para o seu próprio sustento, ele precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para criar determinado número de filhos, que hão de substituí-lo no mercado de trabalho e perpetuar a raça dos trabalhadores. Ademais, tem que gastar outra soma de valores no, desenvolvimento de sua força de trabalho e na aquisição de uma certa habilidade. Para o nosso objetivo bastar-nos-á considerar o trabalho médio, cujos gastos de educação e aperfeiçoamento são grandezas insignificantes. Devo, sem embargo, aproveitar a ocasião para constatar que, assim como diferem os custos de produção de força de trabalho de diferente qualidade, assim têm que diferir, tambérn, os valores das forças de trabalho aplicadas nas diferentes indústrias. Por conseqüência, o grito pela igualdade de salarios assenta num erro, é um desejo óco, que jamais se realizará. É um rebento desse falso e superficial radicalismo que admite as premissas e procura fugir às conclusões. Dentro do sistema do salariado, o valor da força de trabalho se fixa como o de outra mercadoria qualquer, e como distintas espécies de força de trabalho possuem distintos valores, ou exigem para a sua produção distintas quantidades de trabalho, necessariamente têm que ter preços distintos no mercado de trabalho. Pedir uma retribuição igual ou simplesmente uma retribuição justa, na base do sistema do salariado, é o mesmo que pedir liberdade na base do sistema da escravatura. O que pudésseis considerar justo ou equitativo não vem ao caso. O problema está em saber o que vai acontecer necessária e inevitavelmente dentro de um dado sistema de produção.

Depois do que dissemos, o valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade exigidos para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho.

8 - A produção da mais-valia

Suponhamos agora que a quantidade média diária de artigos de primeira necessidade imprescindíveis à vida de um operário exija seis horas de trabalho médio para a sua produção. Suponhamos, além disso, que estas 6 horas de trabalho médio se materializem numa quantidade de ouro equivalente a 3 xelins. Nestas condições, os 3 xelins seriam o preço ou a expressão em dinheiro do valor diário da força de trabalho desse homem Se trabalhasse 6 horas diárias, ele produziria diariamente um valor que bastaria para comprar a quantida de média de seus artigos diários de primeira necessidade ou para se manter como operário.

Mas o nosso homem é um obreiro assalariado. Portanto, precisa vender a sua força de trabalho a um capitalista. Se a vende por 3 xelins diários, ou por 18 semanais, vende-a pelo seu valor. Vamos supor que se trata de um fiandeiro. TrabaIhando 6 horas por dia, incorporará ao algodão, diariamente, um valor de 3 xelins. Este valor diariamente incorporado oor ele representaria um equivalente exato do salário, ou preço de sua força de trabalho, que recebe cada dia. Mas neste caso não iria para o capitalista nenhuma mais-valia ou sobreproduto algum. É aqui, então, que tropeçamos com a verdadeira dificuldade.

Ao comprar a força de trabalho do operário e ao pagá-la pelo seu valor, o capitalista adquire, como qualquer outro comprador, o direito de consumir ou usar a mercadoria comprada. A força de trabalho de um homem é consumida, ou usada, fazendo-o trabalhar, assim como se consome ou se usa urna máquina fazendo-a funcionar. Portanto, o capitalista, ao comprar o valor diário, ou semanal, da força de trabalho do operário, adquire o direito de servir-se dela ou de fazê-la funcionar durante todo o diaou toda a semana. A. jornada de trabalho, ou a semana de trabalho, têm naturalmente certos limites, mas a isto volveremos, em detalhe, mais adiante.

No momento, quero chamar-vos a atenção para um ponto decisivo.

O valor da força de trabalho se determina pela quantidade de trabalho necessário para a sua conservação, ou reprodução, mas o uso desta força só é limitado pela energia vital e a força física do operário. O valor diário ou semanal da força de trabalho difere cornpletamente do funcionamento diário ou semanal desta mesma força, de trabalho, são duas coisas completamente distintas, como a ração consumida por um cavalo e o tempo em que este pode carregar o cavaleiro. A quantidade de trabalho que serve de limite ao valor da força de trabalho do operário não limita de modo algum a quantidade de trabalho que sua força de trabalho pode executar. Tomemos o exemplo do nosso fiandeiro. Vimos que, para recompor diariamente a sua força de trabalho, este fiandeiro precisava reproduzir um valor diário de 3 xelins, o que realizava com um trabalho diário de 6 horas. Isto, porém, não lhe tira a capacidade de trabalhar 10 ou 12 horas e mais, diariamente. Mas o capitalista, ao pagar o valor diário ou semanal da força de trabalho do fiandeiro, adquire o direito de usá-la durante todo o dia ou toda a semana. Fa-lo-á trabalhar, portanto, digamos, 12 horas diárias, quer dizer, além das 6 horas necessárias para recompor o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá de trabalhar outras 6 horas, a que chamarei horas de sobretrabalho, e este sobretrabalho irá traduzir-se em uma mais-valia e em um sobre-produto. Se, por exemplo, nosso fiandeiro, com o seu trabalho diário de 6 horas, acrescenta ao algodão um valor de 3 xelins, valor que constitui um equivalente exato de seu salário, em 12 horas acrescentará ao algodão um valor de 6 xelins e produzirá a correspondente quantidade adicional de fio. E como vendeu sua força de trabalho ao capitalista, todo o valor ou todo o produto por ele criado pertence ao capitalista, que é dono de sua força de trabalho, por tempore. Por conseguinte, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizará o valor de 6, pois com o desembolso de um valor no qual se cristalizam 6 horas de trabalho receberá em troca um valor no qual estão cristalizadas 12 horas. Se repete, diariamente, esta operação, o capitalista desembolsará 3 xelins por dia e embolsará 6, cuja metade tornará a inverter no pagamento de novos salários, enquanto a outra metade formará a mais-valia, pela qual o capitalista não paga equivalente algum. Este tipo de intercâmbio entre o capital e o trabalho é o que serve de base à produção capitalista, ou ao sistema do salariado, e tem que conduzir, sem cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como capitalista.

A taxa de mais-valia dependerá, se todas as outras circunstâncias permanecerem invariáveis, da proporção existente entre a parte da jornada que o operário tem que trabalhar para reproduzir o valor da força de trabalho e o sobretempo ou sobretrabalho realizado para o capitalista. Dependerá, por isso, da proporção em que a jornada de trabalho se prolongue além do tempo durante o qual o. operário, com o seu trabalho, se limita a reproduzir o valor de sua força de trabalho ou a repor o seu salário.

9 - O valor do trabalho

Devemos agora voltar à expressão "valor ou preço do trabalho".

Vimos que, na realidade, este valor nada mais é que o da força de trabalho, medido pelos valores das mercadorias necessárias à sua manutenção. Mas como o operário só recebe o seu salário depois de realizar o seu trabalho e como, ademais, sabe que o que entrega realmente ao capitalista é o seu trabalho, ele necessàriarnente imagina que o valor ou preço de sua força de trabalho é o preço ou valor do seu próprio trabalho. Se o preço de sua força de trabalho é 3 xelins, nos quais se materializam 6 horas de trabalho, e eIe trabalha 12 horas, forçosamente o operário considerará esses 3 xelins como o valor ou preço de 12 horas de trabalho, se, bem que estas 12 horas representem um valor de 6 xelins. Donde se chega a um duplo resultado:

Primeiro: O valor ou preço da força detrabalho toma a aparência do preço ou valor do próprio trabalho, ainda que a rigor as expressões de valor e preço do trabalho careçam de sentido.

Segundo: Ainda que só se pague uma parte do trabalho diário do operário, enquanto a outra parte fica sem remuneração, e ainda que este trabalho não remunerado ou sobre-trabalho seja precisamente o fundo de que se forma a mais-valia ou lucro, fica parecendo que todo o trabalho é trabalho pago.

Esta aparência enganadora distingue o trabalho assalariado das outras formas históricas do trabalho. Dentro do sistema do salariado, até o trabalho não remunerado parece trabalho pago. Ao contrário, no trabalho dos escravos parece ser trabalho não remunerado até a parte do trabalho que se paga. Claro está que para poder trabalhar, o escravo tem que viver e uma parte de sua jornada de trabalho serve para repor o valor de seu próprio sustento. Mas como entre ele e seu senhor não houve trato algum, nem se celebra entre eles nenhuma compra e venda, todo o seu trabalho parece dado de graça.

Tomemos, por outro lado, o camponês servo, tal como, existia, quase diríamos ainda ontem mesmo, em todo o oriente da Europa. Este camponês, por exemplo, trabalhava três dias para si, na sua própria terra, ou na que lhe havia sido atribuída, e nos três dias seguintes realizava um trabalho compulsório e gratuito na propriedade de seu senhor. Como vemos, aqui as duas partes do trabalho, a paga e a não paga, aparecem visivelmente separadas, no tempo e no espaço, e os nossos liberais podem estourar de indignação moral ante a idéia disparatada de que se obrigue um homem a trabalhar de graça.

Mas, na realidade, tanto faz uma pessoa trabalhar três dias na semana para si, na sua própria terra, e outros três dias de graça na gleba do senhor como trabalhar diariamente na fábrica, ou na oficina, 6 horas para si e 6 para o seu patrão, ainda que neste caso a parte do trabalho pago e a do não remunerado apareçam inseparavelmente confundidas e o caráter de toda a transação se disfarce por completo com a interferência de um contrato e o pagamento recebido no fim da semana. No primeiro caso, o trabalho não remunerado é visivelmente arrancado pela força; no segundo, parece entregue voluntariamente. Eis a única diferença.

Sempre que eu empregue, portanto, a expressão "valor do trabalho", empregá-la-ei como termo popular, sinónimo de "valor de força de trabalho".

10 - O lucro obtém-se vendendo uma mercadoria pelo seu valor

Suponhamos que uma hora de trabalho médio materialize um valor de 6 pence ou 12 horas de trabalho médio, um valor de 6 xelins. Suponhamos, ainda, que o valor do trabalho represente 3 xelins ou o produto de 6 horas de trabalho. Se nas matérias-primas, maquinaria, etc., consumidas para produzir uma determinada mercadoria se materializam 24 horas de trabalho médio, o seu valor elevar-se-á a 12 xelins. Se, além disso, o operário empregado pelo capitalista junta a estes meios de produção 12 horas de trabalho, teremos que estas 12 horas se materializam num valor adicional de 6 xelins. Portanto, o valor total do produto se elevará a 36 horas de trabalho materializado, equivalente a 18 xelins. Porém, como o valor do trabalho ou o salário recebido pelo operário só representa 3 xelins, decorre daí que o capitalista não pagou equivalente algum pelas 6 horas de sobretrabalho realizado pelo operário e materializadas no valor da mercadoria. Vendendo esta mercadoria pelo seu valor, por 18 xelins, o capitalista obterá, portanto, um valor de 3 xelins, para o qual não pagou equivalente. Estes 3 xelins representarão a mais-valia ou lucro que o capitalista embolsa. O capitalista obterá, por conseqüência, um lucro de 3 xelins, não por vender a sua mercadoria a um preço que exceda o seu valor, mas por vendê-la pelo seu valor real.

O valor de uma mercadoria se determina pela quantidade total de trabalho que encerra. Mas uma parte desta quantidade de trabalho representa um valor pelo qual se pagou um equivalente em forma de salários; outra parte se materializa num valor pelo qual nenhum equivalente foi pago. Uma parte do trabalho incluído na mercadoria é trabalho remunerado; a outra parte, trabalho não remunerado. Logo, quando o capitalista vende a mercadoria pelo seu valor, isto é, como cristalização da quantidade total de trabalho nela invertido, o capitalista deve forçosamente vendê-la com lucro. Vende não só o que lhe custou um equivalente, como também o que não lhe custou nada, embora haja custado o trabalho do seu operário. O custo da mercadoria para o capitalista e o custo real da mercadoria são coisas inteiramente distintas. Repito, pois, que lucros normais e médios se obtêm vendendo as mercadorias não acima do que valem e sim pelo seu verdadeiro valor.

11 - As diversas partes em que se divide a mais-valia

A mais-valia, ou seja aquela parte do valor total da mercadoria em que se incorpora o sobretrabalho, ou trabalho não remunerado, eu chamo lucro. Este lucro não o embolsa na sua totalidade o empregador capitalista. O monopólio do solo permite ao proprietário da terra embolsar uma parte desta mais-valia, sob a denominação de renda territorial, quer o solo seja utilizado na agricultura ou se destine a construir edifícios, ferrovias ou a outro qualquer fim produtivo. Por outro lado, o fato de ser a posse dos meios de trabalho o que possibilita ao empregador capitalista produzir mais-valia, ou, o que é o mesmo, apropriar-se de uma determinada quantidade de trabalho não remunerado, é precisamente o que permite ao proprietário dos meios de trabalho, que os empresta total ou parcialmente ao empregador capitalista, numa palavra, ao capitalista que empresta o dinheiro, reivindicar para si mesmo outra parte desta mais-valia, sob o nome de juro, de modo que ao capitalista empregador, como tal, só lhe sobra o chamado lucro industrial ou comercial.

A questão de saber a que leis está submetida essa divisão da importância total da mais-valia entre as três categorias de pessoas aqui mencionadas, é inteiramente estranha ao nosso tema. Mas, do que deixamos exposto depreende-se, pelo menos o seguinte:

A renda territorial, o juro e o lucro industrial nada mais são que nomes diferentes para exprimir as diferentes partes da mais-valia de uma mercadoria ou do trabalho não remunerado, que nela se materializa, e todos provém por igual desta fonte e só desta fonte. Não provêm do solo, como tal, nem do capital em si; mas o solo e o capital permitem a seus possuidores obterem a sua parte correspondente na mais-valia que o empregador capitalista extorque ao operário. Para o operário mesmo, é uma questão de importância secundária que esta mais-valia, fruto de seu sobretrabalho, ou trabalho não remunerado, seja exclusivamente embolsada pelo empregador capitalista ou que este se veja obrigado a ceder parte a terceiros, com o nome de renda do solo, ou juro. Suponhamos que o empregador utiliza apenas capital próprio e seja ele mesmo o proprietário do solo; neste caso, toda a mais-valia irá parar em seu bolso.

É o empregador capitalista quem extrai diretamente do operário esta mais-valia, seja qual for a parte que, em última análise, possa reservar para si. Por isto, desta relação entre o empregador capitalista e o operário assalariado depende todo o sistema do salariado e todo o regime atual de produção. Alguns dos cidadãos que intervieram em nosso debate, ao intentarem atenuar as proporções das coisas e apresentar esta relação fundamental entre o empregador capitalista e o operário como uma questão secundária, cometeram, portanto, um erro, embora, por outro lado, tivessem razão ao afirmar que, em dadas circunstâncias, um aumento dos preços pode afetar de um modo muito desigual o empregador capitalista, o dono da terra, o capitalista que empresta dinheiro e, se quereis, o arrecadador de impostos.

Do exposto resulta ainda outra conseqüência: A parte do valor da mercadoria que representa unicamente o valor das matérias-primas e das máquinas, numa palavra, o valor dos meios de produção consumidos, não gera nenhum rendimento, mas se limita a repor o capital. Mas, afora isso, é falso que a outra parte do valor da mercadoria, que forma o rendimento, ou pode ser gasta sob a forma de salário, lucro, renda territorial e juro, seja constituída pelo valor dos salários, pelo valor da renda territorial, o valor do lucro, etc. Por ora deixaremos de lado os salários e só trataremos do lucro industrial, do juro e da renda territorial. Acabamos de ver que a mais-valia contida na mercadoria, ou a parte do valor desta na qual está incorporado o trabalhio não remunerado, por sua vez se decompõe em várias partes, designadas por três nomes diferentes. Afirmar, porém, que seu valor se acha integrado, ou formado pela soma total dos valores independentes destas três partes constituintes, seria afirmar o inverso da verdade.

Se uma hora de trabalho se realiza num valor de 6 pence e se a jornada de trabalho do operário é de 12 horas e a metade deste tempo for trabalho não pago, este sobretrabalho acrescentará à mercadoria uma mais-valia de 3 xelins, isto é, um valor pelo qual não se paga nenhum equivalente. Esta mais-valia de 3 xelins representa todo o fundo que o empregador capitalista pode repartir, na proporção que fór com o dono da terra e com o emprestador de dinheiro. O valor destes 3 xelins forma o limite do valor que eles podem repartir entre si. Mas, não é o empregador capitalista que acrescenta ao valor da mercadoria um valor arbitrário para seu lucro, acrescentando em seguida outro valor para o proprietário da terra e assim por diante, de tal maneira que a soma destes valores arbitrariamente fixados constituísse o valor total. Vêdes, portanto, o erro da idéia correntemente exposta, que confunde a divisão de um dado valor em três partes, com a formação desse valor, mediante a soma de três valores independentes, convertendo desta maneira numa grandeza arbitrária o valor total, de onde saem a renda territorial, o lucro e o juro.

Se o lucro total obtido por um capitalista for de 100 libras esterlinas, chamamos a esta soma, considerada como grandeza absoluta, o montante do lucro. Mas se calculamos a proporção entre estas 100 libras e o capital desembolsado, a esta grandeza relativa chamamos taxa de lucro. É evidente que se pode expressar esta taxa de lucro sob duas formas.

Vamos supor seja de 100 libras o capital desembolsado em salários. Se a mais-valia obtida for também de 100 libras - o que nos demonstraria que a metade da jornada de trabalho do operário se compõe de trabalho não remunerado - e se medíssemos este lucro pelo valor do capital desembolsado em salários, diríamos que a taxa de lucro era de 100 por cento, já que o valor desembolsado seria 100 e o valor produzido 200.

Se, por outro lado, não só considerássemos o capital desembolsado em salários, mas todo o capital desembolsado, digamos, por exemplo, 500 libras, das quais 400 representam valor das matérias-primas, maquinaria, etc., diríamos que taxa de lucro apenas se elevava a 20 por cento, visto o lucro de 100 não ser mais que a quinta parte do capital total desembolsado.

O primeiro modo de expressar a taxa de lucro é o único que nos revela a proporção real entre o trabalho pago e o não remunerado, o grau real da "exploitation" do trabalho (permiti-me o uso desta palavra francesa). A outra forma é a usual, e para certos fins é, com efeito, a mais indicada. Em todo caso, prova ser muito útil, por ocultar o grau em que o capitalista arranca do operário trabalho gratuito.

Nas observações que ainda me restam por fazer, empregarei a palavra lucro para exprimir o montante total de mais-valia extorquida pelo capitalista, sem me preocupar com a divisão desta mais-valia entre as diversas partes interessadas, e quando usar o termo taxa de lucro medirei sempre o lucro pelo valor do capital desembolsado em salários.

12 - A relação geral entre os lucros, salários e preços

Se do valor de uma mercadoria descontamos a parte que se limita a repor o das matérias-primas e outros meios de produção empregados, isto é, se descontarmos o valor que representa o trabalho pretérito nela encerrado, o valor restante reduzir-se-á à quantidade de trabalho acrescentada pelo operário que por último se ocupa nela. Se este operário trabalha 12 horas diárias e 12 horas de trabalho médio cristalizam-se numa soma de ouro igual a 6 xelins, este valor adicional de 6 xelins será o único valor criado por seu trabalho. Este valor dado, determinado por seu tempo de trabalho, é o único fundo do qual tanto ele como o capitalista têm de retirar a respectiva participação ou dividendo, é o único valor a ser dividido entre salários e lucros. É evidente que este valor não será em si mesmo alterado pelas proporções variáveis em que possa dividir-se entre ambas as partes. E tampouco haverá alteração se, em vez de um operário isolado, pomos toda a população trabalhadora, 12 milhões de jornadas de trabalho, por exemplo, em vez de uma.

Como o capitalista e o operário só podem dividir este valor limitado, isto é, o valor medido pelo trabalho total do operário, quanto mais perceba um deles, menos obterá o outro, e reciprocamente. Partindo de uma dada quantidade, uma das partes aumentará sempre na mesma proporção em que a outra diminui. Se os salários se modificam, modificar-se-ão em sentido oposto aos lucros. Se os salários baixam, subirão os lucros; e se os salários sobem, baixarão os lucros. Se o operário, na nossa suposição anterior, ganha 3 xelins, equivalentes à metade do valor criado por ele, ou se a metade da sua jornada de trabalho total é trabalho pago e a outra metade trabalho não remunerado, a taxa de lucro será de 100 por cento, visto que o capitalista obterá também 3 xelins. Se o operário só recebe 2 xelins, ou só trabalha para ele a terça parte da jornada total, o capitalista obterá 4 xelins e a taxa de lucro será, neste caso, de 200 por cento. Se o operário percebe 4 xelins, o capitalista só poderá embolsar 2, e a taxa de lucro descerá, portanto, a 50 por cento. Mas todas estas variações não influem no valor da mercadoria. Logo, um aumento geral de salários determinaria uma diminuição da taxa geral de lucro, mas não afetaria os valores.

No entanto, embora os valores das mercadorias, que, em última instância, hão de regular seus preços no mercado, estejam determinados exclusivamente pela quantidade total de trabalho plasmado neles, e não pela divisão desta quantidade em trabalho pago e trabalho não remunerado, daqui não se deduz de modo algum que os valores das diversas mercadorias ou lotes de mercadorias fabricadas em 12 horas, por exemplo, sejam sempre os mesmos. O número, ou a massa das mercadorias fabricadas num determinado tempo de trabalho, ou mediante uma determinada quantidade de trabalho, depende da força produtiva do trabalho empregado e não da sua extensão ou duração. Com um dado grau das forças produtivas do trabalho de fiação, por exemplo, poderão produzir-se numa jornada de trabalho de 12 horas, 12 libras-peso de fio; com um grau mais baixo de força produtiva produzir-se-ão tão somente duas. Portanto, no primeiro caso, se as 12 horas de trabalho médio se materializam num valor de 6 xelins, as 12 libras-peso de fio custarão 6 xelins, justamente o que custariam, no segundo caso, as duas libras. Quer dizer que no primeiro caso a libra-peso de fio sairá por 6 pence e no segundo, por 3 xelins. Esta diferença de preço seria uma conseqüência da diferença existente entre as forças produtivas do trabalho empregado. Com a maior força produtiva, uma hora de trabalho rnaterializar-se-ia numa libra-peso de fio, ao passo que, com a força produtiva menor, para obter uma libra de fio haveria necessidade de 6 horas de trabalho. No primeiro caso, o preço da libra de fio não excederia 6 pence apesar de os salários serem relativamente altos e a taxa de lucro, baixa; no segundo caso, se elevaria a 3 xelins, mesmo com salários baixos e com uma taxa de lucro elevada. Assim sucederia porque o preço da libra-peso de fio é determinado pelo total do trabalho que encerra e não pela proporção em que este total se divide em trabalho pago e não pago. O fato, antes apontado por mim, de que um trabalho bem pago pode produzir mercadorias baratas, e um mal pago mercadorias caras, perde, com isto, a sua aparência paradoxal. Não é mais que a expressão da lei geral de que o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho nela invertido e de que esta quantidade de trabalho invertido depende exclusivamente da força produtiva do trabalho empregado, variando, por conseguinte, ao variar a produtividade do trabalho.

13 - Casos principais de luta pelo aumento de salários ou contra a sua redução

Examinemos agora seriamente os casos principais em que se intenta obter um aumento dos salários, ou se opõe uma resistência à sua redução.

1.- Vimos que o valor da força de trabalho, ou, em termos mais populares, o valor do trabalho, é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade ou pela quantidade de trabalho necessária à sua produção. Por conseguinte, se num determinado país o valor dos artigos de primeira necessidade, em média diária consumidos por um operário, representa 6 horas de trabalho, expressa em 3 xelins, este trabalhador terá de trabalhar 6 horas por dia a fim de produzir um equivalente do seu sustento diário. Sendo de 12 horas a jornada de trabalho. o capitalista pagar-lhe-ia o valor de seu trabalho entregando-lhe 3 xelins. Metade da jornada de trabalho será trabalho não remunerado e, portanto, a taxa de lucro se elevará a 100 por cento. Mas vamos supor agora que, em conseqüência de uma diminuição da produtividade, se necessite de mais trabalho para produzir, digamos, a mesma quantidade de produtos agrícolas que dantes, com o que o preço médio dos víveres diariamente necessários subirá de 3 para 4 xelins. Neste caso, o valor do trabalho aumentaria de um terço, ou seja, de 33, 3 por cento. A fim de produzir o equivalente do sustento diário do trabalhador, dentro do padrão de vida anterior, seriam precisas 8 horas de jornada de trabalho. Logo, o sobretrabalho diminuiria de 6 para 4 horas e a taxa de lucro se reduziria de 100 para 50 por cento. O trabalhador que nestas condições pedisse um aumento de salário limitar-se-ia a exigir que lhe pagassem o valor incrementado de seu trabalho, como qualquer outro vendedor de uma mercadoria que, quando aumenta o custo de produção desta, age de modo a conseguir que o comprador lhe pague esse incremento do valor. E se os salários não sobem, ou não sobem em proporcões suficientes para compensar o incremento do valor aos artigos de primeira necessidade, o preço do trabalho descerá abaixo do valor do trabalho e o padrão de vida do trabalhador piorará.

Mas também pode operar-se uma mudança em sentido contrário. Ao elevar-se a produtividade do trabalho, pode acontecer que a mesma quantidade de artigos de primeira necessidade, consumidos em média, diariamente, baixe de 3 para 2 xelins, ou que, em vez de 6 horas de jornada de trabalho, bastem 4 para produzir o equivalente do valor dos artigos de primeira necessidade consumidos num dia. O operário poderia, então, comprar por 2 xelins exatamente os mesmos artigos de primeira necessidade que antes lhes custavam 3. Na realidade teria baixado o valor do trabalho; mas este valor diminuido disporia da mesma quantidade de mercadorias que antes. O lucro subiria de 3 para 4 xelins e a taxa de lucro, de 100 para 200 por cento. Ainda que o padrão de vida absoluto do trabalhador continuasse sendo o mesmo, seu salário relativo e, portanto, a sua posição social relativa, comparada com a do capitalista, teria piorado. Opondo-se a esta redução de seu salário relativo, o trabalhador não faria mais que lutar para obter uma parte das forças produtivas incrementadas do seu próprio trabalho e manter a sua antiga situação relativa na escala social. Assim, após a abolição das Leis Cerealistas e violando, flagrantemente, as promessas soleníssimas que haviam feito, em sua campanha de propaganda contra aquelas leis, os donos das fábricas inglêsas diminuíram em geral os salários de 10 por cento. A princípio, a oposição dos trabalhadores foi frustrada; porém, mais tarde, logrou-se a recuperação dos 10 por cento perdidos, em conseqüência de circunstâncias que não me posso deter a examinar agora.

2. - Os valores dos artigos de primeira necessidade e, por conseguinte, o valor do trabalho podem permanecer invariáveis, mas o preço deles em dinheiro pode sofrer alteração desde que se opere uma prévia modificação no valor do dinheiro.

Com a descoberta de jazidas mais abundantes, etc., 2 onças de ouro, por exemplo, não suporiam mais trabalho do que antes exigia a produção de uma onça. Neste caso, o valor do ouro baixaria à metade, a 50 por cento. E como, em conseqüência disto, os valores das demais mercadorias se expressariam no dobro do seu preço em dinheiro anterior, o mesmo aconteceria com o valor do trabalho. As 12 horas de trabalho, que antes se expressavam em 6 xelins, agora se expressariam em 12. Logo, se o salário do operário continuasse a ser de 3 xelins, em vez de ir a 6, resultaria que o preço em dinheiro do seu trabalho só corresponderia. à metade do valor do seu trabalho, e seu padrão de vida pioraria assustadoramente. O mesmo ocorreria, em grau maior ou menor, se o seu salário subisse, mas não proporcionalmente à baixa do valor do ouro. Em tal caso, não se tepia operado a menor mudança, nem nas forças produtivas do trabalho, nem na oferta e procura, nem tampouco nos valores. Só teria mudado o nome em dinheiro destes valores. Dizer, neste caso, que o operário deve lutar pelo aumento proporcional do seu salário, equivale a pedir-lhe que se resigne a que se lhe pague o seu trabalho com nomes não com coisas. Toda a história do passado prova que sempre que se produz uma depreciação do dinheiro, os capitalistas se aprestam para tirar proveito da conjuntura e enganar os operários. Uma grande escola de economistas assevera que, em conseqüência das novas descobertas de terras auríferas, da melhor exploração das minas de prata e do barateamento do fornecimento do mercúrio, voltou a se depreciar o valor dos metais preciosos. Isto explicaria as tentativas generalizadas e simultâneas que se fazem no Continente para conseguir um aumento de salários.

3. - Até aqui partimos da suposição de que a jornada de trabalho tem limites dados. Mas, na realidade, essa jornada, em si mesma, não tem limites constantes. O capital tende constantemente a dilatá-la ao máximo de sua possibilidade física, já que na mesma proporção aumenta o sobretrabalho e, portanto, o lucro que dele deriva. Quanto mais êxito tiverem as pretensões do capital para alongar a jornada de trabalho, maior será a quantidade de trabalho alheio de que se apropriará. Durante o século XVII, e até mesmo durante os primeiros dois terços do XVIII, a jornada normal de trabalho, em toda Inglaterra, era de 10 horas. Durante a guerra contra os jacobitas, que, foi, na realidade, uma guerra dos barões ingleses contra as massas trabalhadoras inglêsas, o capital viveu dias de orgia e prolongou a jornada de 10 para 12, 14 e 18 horas. Malthus, que não pode precisamente infundir suspeitas de terno sentimentalismo, declarou num folheto, publicado por volta de 1815, que a vida da nação estava ameaçada em suas raizes, caso as coisas continuassem assim. Alguns anos antes da generalização dos novos inventos mecânicos, cerca de 1765, veio à luz na Inglaterra um folheto intitulado An Essay on Trade ["Um Ensaio Sõbre o Comércio"]. O anónimo autor deste folheto, inimigo jurado da classe operária, clama pela necessidade de estender os limites da jornada de trabalho. Entre outras coisas, propõe criar, com este objetivo, casas de trabalho para pobres que, diz ele, deveriam ser "casas de terror". E qual é a duração da jornada de trabalho proposta para estas "casas de terror"? Doze horas, quer dizer, precisamente a jornada que, em 1832, os capitalistas, os economistas e os ministros declaravam não só vigente de fato, mas também o tempo de trabalho necessário para as crianças menores de 12 anos.

Ao vender a sua força de trabalho, - e o operário é obrigado a fazê-lo, no regime atual -, ele cede ao capitalista o direito de empregar esta força, porém dentro de certos limites racionais. Vende a sua força de trabalho para conservá-la ilesa, salvo o natural desgaste, porém não para destruí-la. E como a vende por seu valor diário, ou semanal, se subentende que num dia ou numa semana não se há de arrancar à sua força de trabalho um uso, ou desgaste de dois dias ou duas semanas. Tomemos uma máquina que valha 1 000 libras. Se ela se usa em dez anos, acrescentará no fim de cada ano 100 libras ao valor das mercadorias que ajuda a produzir. Se se usa em 5 anos, o valor acrescentado por ela será de 200 libras anuais, isto é, o valor de seu desgaste anual está em razão inversa à rapidez com que se esgota. Mas isto distingue o operário da máquina. A maquinaria não se esgota exatamente na mesma proporção em que se usa. Ao contrário, o homem se esgota numa proporção muito superior à que a mera soma numérica do trabalho acusa.

Nas tentativas para reduzir a jornada de trabalho à sua antiga duração racional, ou, onde não podem arrancar uma fixação legal da jornada normal de trabalho, nas tentativas para contrabalançar o trabalho excessivo por meio de um aumento de salário, aumento que não basta esteja em proporção com o sobretrabalho que os exaure, e deve, sim, estar numa proporção maior, os operários não fazem mais que cumprir um dever para com eles mesmos e a sua raça. Limitam-se a refrear as usurpações tirânicas do capital. O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono, das refeições, etc., está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. E, no entanto, toda a história da moderna indústria demonstra que o capital, se não se lhe põe um freio lutará, sempre, implacavelmente e sem contemplações, para conduzir toda a classe operária a este nível de extrema degradação.

Pode acontecer que o capital, ao prolongar a jornada de trabalho, pague salários mais altos e que, sem embargo, o valor do trabalho diminua, se o aumento dos salários não corresponde à maior quantidade de trabalho extorquido e ao mais rápido esgotamento da força de trabalho que daí resultará. Isto pode ainda ocorrer de outro modo. Vossos estatísticos burgueses vos dirão, por exemplo, que os salários médios das famílias que trabalham nas fábricas do Lancashire subiram. Mas se esqueceram de que agora, em vez de ser só o homem, o cabeça da família, são também sua mulher e, talvez, três ou quatro filhos que se vêem lançados sob as rodas do carro de Jaguernaut do capital e que a alta dos salários totais não corresponde à do sobretrabalho total arrancado à família.

Mesmo com uma jornada de trabalho de limites determinados, como existe hoje em dia em todas as indústrias sujeitas às leis fabris, pode-se tornar necessário um aumento de salários, ainda que somente seja com o fito de manter o antigo nível do valor do trabalho. Mediante o aumento da intensidade do trabalho, pode-se fazer que um homem gaste numa hora tanta força vital corno antes em duas. É o que se tem produzido nas indústrias submetidas às leis fabris, até certo ponto, acelerando a marcha das máquinas e aumentando o número de máquinas de trabalho a que deve atender agora um só indivíduo. Se o aumento da intensidade do trabalho ou da quantidade de trabalho despendida numa hora se mantém abaixo da diminuição da jornada de trabalho, sairá então ganhando o operário. Se se ultrapassa este limite, perderá por um lado o que ganhar por outro, e 10 horas de trabalho o arruinarão tanto como antes 12. Ao contrabalançar esta tendência do capital, por meio da luta pela alta dos salários, na medida correspondente à crescente intensidade do trabalho, o operário não faz mais que opor-se à depreciação do seu trabalho e à degeneração da sua raça.

4. - Sabeis todos que, por motivos que não me cabe aqui explicar, a produção capitalista move-se através de determinados ciclos periódicos. Passa por fases de calma, de animação crescente, de prosperidade, de superprodução, de crise e de estagnação. Os preços das mercadorias no mercado e a taxa de lucro no mercado seguem estas fases; ora descendo abaixo de seu nível médio, ora ultrapassando-o. Se considerardes todo o ciclo, vereis que uns desvios dos preços do mercado são compensados por outros e que, tirando a média do ciclo, os preços das mercadorias do mercado se regulam por seus valores. Pois bem. Durante as fases de baixa dos preços no mercado e durante as fases de crise de estagnação, o operário, se é que não o põem na rua, pode estar certo de ver rebaixado o seu salário. Para que não o enganem, mesmo com essa baixa de preços no mercado, ver-se-á compelido a discutir com o capitalista em que proporção se torna necessário reduzir os salários. E se durante a fase de prosperidade, na qual o capitalista obtém lucros extraordinários, o operário não lutar por uma alta de salários, ao tirar a média de todo o ciclo industrial, veremos que ele nem sequer percebe o salário médio, ou seja, o valor do seu trabalho. Seria o cúmulo da loucura exigir que o operário, cujo salário se vê forçosamente afetado pelas fases adversas do ciclo, renunciasse ao direito de ser compensado durante as fases prósperas. Geralmente, os valores de todas as mercadorias só se realizam por meio da compensação que se opera entre os preços constantemente variáveis do mercado, variação proveniente das flutuações constantes da oferta e da procura. No âmbito do sistema atual, o trabalho é uma mercadoria, como outra qualquer. Tem, portanto, que passar pelas mesmas flutuações, até obter o preço médio que corresponde ao seu valor. Seria um absurdo considerá-lo como mercadoria para certas coisas e, para outras, querer excetuá-lo das leis que regem os preços das mercadorias. O escravo obtém uma quantidade constante e fixa de meios de subsistência; o operário assalariado, não. Ele não tem outro recurso senão tentar impor, em alguns casos, um aumento dos salários, ainda que seja apenas para compensar a baixa em outros casos. Se espontaneamente se resignasse a acatar a vontade, os ditames do capitalista, como uma lei económica permanente compartilharia de toda a miséria do escravo, sem compartilhar, em troca, da segurança deste.

5. - Em todos os casos que considerei, e que representam 99 em 100, vistes que a luta pelo aumento de salários vai sempre na pista de modificações anteriores e é o resultado necessário das modificações prévias operadas no volume de produção, nas forças produtivas do trabalho, no valor deste, no valor do dinheiro, na maior extensão ou intensidade do trabalho extorquido nas flutuações dos preços do mercado, que dependem das flutuações da oferta e da procura e se verificam em função das diversas fases do ciclo industrial; numa palavra, é a reação dos operários contra a ação anterior do capital. Se focalizássemos a luta pelo aumento de salários fazendo caso omisso de todas estas circunstâncias, apenas considerando as modificações operadas nos salários e passando por cima de modificações outras, das quais elas provêm, partiríamos de uma falsa premissa para chegar a conclusões falsas.

14 - A luta entre o capital e o trabalho e seus resultados

1. - Após demonstrar que a resistência periódica que os trabalhadores opõem à redução dos salários e suas tentativas periódicas para conseguir um aumento de salários são fenómenos inseparáveis do sistema do salariado e ditadas pelo próprio fato de o trabalho se achar equiparado às mercadorias, por conseguinte submetido às leis que regulam o movimento geral dos preços, tendo demonstrado, ainda, que um aumento geral de salários resultaria numa diminuição da taxa geral de lucro, sem afetar, porém, os preços médios das mercadorias, nem os seus valores, surge a questão de saber até que ponto, na luta incessante entre o capital e o trabalho, tem este possibilidade de êxito.

Poderia responder com uma generalização, dizendo que o preço do trabalho no mercado, da mesma forma que o das demais mercadorias, tem que se adaptar, no decorrer do tempo, ao seu valor; que, portanto, a despeito de todas as altas e baixas e do que possa fazer, o operário acabará recebendo sempre, em média, somente o valor de seu trabalho, que se reduz ao valor da sua força de trabalho, a qual, por sua vez, é determinada pelo valor dos meios de subsistência necessários à sua manutenção e reprodução, valor esse regulado, em última análise, pela quantidade de trabalho necessária para produzi-los.

Mas há certos traços peculiares que distinguem o valor da força de trabalho, ou valor do trabalho, dos valores de todas as demais mercadorias. O valor da força de trabalho é formado por dois elementos, um dos quais puramente físico, o outro de caráter histórico e social. Seu limite mínimo é determinado pelo elemento físico, quer dizer, para poder manter-se e se reproduzir, para perpetuar a sua existência física, a classe operária precisa obter os artigos de primeira necessidade absolutamente indispensáveis à vida e à sua multiplicação. O valor destes meios de subsistência indispensáveis constitui, pois, o limite mínimo do valor do trabalho. Por outra parte, a extensão da jornada de trabalho também tem seus limites máximos, se bem que sejam muito elásticos. Seu limite máximo é dado pela força física do trabalhador. Se o esgotamento diário de suas energias vitais excede um certo grau, eIe não poderá fornecê-las outra vez, todos os dias. Mas, como dizia, esse limite é muito elástico. Uma sucessão rápida de gerações raquíticas e de vida curta manterá abastecido o mercado de trabalho tão bem como uma série de gerações robustas e de vida longa.

Além deste mero elemento físico, na determinação do valor do trabalho entra o padrão de vida tradicional em cada país. Não se trata somente da vida física, mas também da satisfação de certas necessidades que emanam das condições sociais em que vivem e se criam os homens. O padrão de vida inglês poderia baixar ao irlandês; o padrão de vida de um camponês alemão ao de um camponês livónio. A importância do papel que, a este respeito, desempenham a tradição histórica e o costume social podereis vê-Ia no livro do sr. Thornton sobre a "Superpopulação", onde ele mostra que, em distintas regiões agrícolas da Inglaterra de nossos dias, os salários médios continuam a ser hoje diferentes, conforme as condições mais ou menos favoráveis em que essas regiões saíram da servidão.

Este elemento histórico ou social, que entra no valor do trabalho, pode acentuar-se, ou debilitar-se e, até mesmo, extinguir-se de todo, de tal modo que só fique de pé o limite físico.

Durante a guerra contra os jacobitas, que, como costumava dizer o incorrigível devorador de impostos e prebendas, o velho George Rose, foi empreendida para que esses descrentes franceses não destruíssem os consolos da nossa santa religião, os honestos fazendeiros inglêses, a quem tratamos com tanto carinho num capítulo anterior, fizeram baixar os salários dos trabalhadores do campo para além daquele mínimo estritamente físico, completando a diferença indispensável para assegurar a perpetuação física da raça, mediante as leis dos pobres. Era um glorioso método para converter o trabaIhador assalariado em escravo e orgulhoso yeoman de Shakespeare em mendigo.

Se comparais os salários normais ou valores do trabalho em diversos países e em épocas históricas distintas, dentro do mesmo país, vereis que o valor do trabalho não é por si uma grandeza constante, mas variável, mesmo supondo que os valores das demais mercadorias permaneçam fixos.

Um estudo comparativo semelhante das taxas de lucro no mercado provaria que não só elas se modificam como também as suas taxas médias.

Mas, no que se refere ao lucro, não existe nenhuma lei que lhe fixe o mínimo. Não podemos dizer qual seja o limite extremo de sua baixa. E por que não podemos estabelecer esse limite? Porque, embora possamos fixar o salário mínimo, não podemos fixar o salário máximo. Só podemos dizer que, dados os limites da jornada de trabalho, o máximo de lucro corresponde ao mínimo físico dos salários e que, partindo de dados salários, o máximo de lucro corresponde ao prolongamento da jornada de trabalho na medida em que seja compatível com as forças físicas do operário. Portanto, o máximo de lucro só se acha limitado pelo mínimo físico dos salários e pelo máximo físico da jornada de trabalho. É evidente que, entre os dois limites extremos da taxa máxima de lucro, cabe uma escala imensa de variantes. A determinação de seu grau efetivo só fica assente pela luta incessante entre o capital e o trabalho; o capitalista, tentando constantemente reduzir os salários ao seu mínimo físico e a prolongar a jornada de trabalho ao seu máximo físico, enquanto o operário exerce constantemente uma pressão no sentido contrário.

A questão se reduz ao problema da relação de forças dos combatentes.

2. - Pelo que concerne à limitação da jornada de trabalho, tanto na Inglaterra como em todos os outros países, nunca foi ela regulamentada senão por intervenção legislativa.E sem a constante pressão dos operários agindo por fora, nunca essa intervenção se daria. Em todo caso, este resultado não teria sido alcançado por meio de convênios privados entre os operários e os capitalistas. E esta necessidade mesma de uma ação política geral é precisamente o que demonstra que, na luta puramente económica, o capital é a parte mais forte.

Quanto aos limites do valor do trabalho, sua fixação efetiva depende sempre da oferta e da procura, e refiro-me à procura de trabalho por parte do capitalista e à oferta de trabalho pelos operários. Nos países coloniais, a lei da oferta e da procura favorece os operários. Daqui resulta o nível relativamente elevado dos salários nos Estados Unidos. Nestes países, faça o que fizer o capital, ele não pode nunca evitar que o mercado de trabalho esteja constantemente desabastecido pela constante transformação dos trabalhadores assalariados em lavradores independentes com fontes próprias de subsistência. Para grande parte da população norte-americana, a posição de assalariados não é mais do que uma estação de trânsito, que estão seguros de abandonar, mais tarde ou mais cedo. Para remediar este estado colonial de coisas, o paternal governo britânico adotou, há tempos, a chamada teoria moderna da colonização, que consiste em atribuir às terras coloniais um preço artificialmente elevado para, deste modo, obstar à transformação demasiado rápida do trabalhado assalariado em lavrador independente.

Mas passemos agora aos velhos países civilizados onde o capital domina todo o processo de produção. Tomemos, por exemplo, a elevação dos salários agrícolas ingleses, de 1849 a 1859. Qual foi a sua conseqüência? Os agricultores não puderam elevar o valor do trigo, como lhes teria aconselhado nosso amigo Weston, nem sequer o seu preço no mercado. Ao contrário, tiveram que resignar-se a vê-lo baixar. Mas durante estes onze anos introduziram máquinas de todas as classes e novos métodos científicos, transformaram urna parte das terras de lavoura em pastagens, aumentaram a extensão de suas fazendas e com ela a escala de produção; e por estes e outros processos, fazendo diminuir a procura de trabalho graças ao aumento de suas forças produtivas, tornaram a criar um excedente relativo da população de trabalhadores rurais. Tal é o método geral segundo o qual opera o capital nos países antigos, de bases sólidas, para reagir, mais rápida ou mais lentamente, contra os aumentos de salários. Ricardo observou, com exatidão, que a máquina está em continua concorrência com o trabalho e, amiúde, só pode ser introduzida quando o preço do trabalho alcança certo limite; mas a aplicação da maquinaria é apenas um dos muitos métodos empregados para aumentar a força produtiva do trabalho. Este mesmo processo, que cria uma superabundância relativa de trabalho ordinário, simplifica muito o trabalho qualificado e, portanto, o deprecia.

A mesma lei se faz sentir em outra forma. Com o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, acelera-se a acumulação do capital, inclusive a despeito de uma taxa de salário relativamente alta. Daqui poderia inferir-se, conforme fêz Adam Smith, em cujos tempos a indústria moderna ainda estava na sua infância, que a acumulação acelerada do capital tem forçosamente que fazer pender a balança a favor do operário, por garantir uma procura crescente de seu trabalho. Situando-se no mesmo ponto de vista, há muitos autores contemporâneos que se assombram de que, apesar de nos últimos vinte anos, o capital inglês ter crescido mais rapidamente do que a população inglêsa, os salários nem por isso registram um aumento maior. Mas é que, simultâneamente, com a acumulação progressiva, opera-se uma mudança progressiva na composição do capital. A parte do capital global formada por capital fixo : maquinaria, matérias-primas, meios de produção de todo gênero, cresce com maior rapidez que a outra parte do capital destinada a salários, ou seja, à compra de trabalho. Esta lei foi estabelecida, sob uma forma mais ou menos precisa, pelos srs. Barton, Ricardo, Sismondi, prof. Richard Jones, prof. Ramsey, Cherbuliez e outros.

Se a proporção entre estes dois elementos do capital era, originariamente, de 1 para 1, com o progresso da indústria será de 5 para 1, e assim sucessivamente. Se de um capital global de 600 são desembolsados 300 para instrumentos, matérias-primas, etc., e 300 para salários, basta dobrar o capital global para ser possível absorver 600 operários em vez de 300. Mas, se de um capital de 600 se invertem 500 em maquinaria, materiais, etc., e somente 100 em salários, este capital precisa aumentar de 600 a 3 600, para criar uma procura de 600 operários em lugar de 300. Portanto, ao se desenvolver a índústria, a procura de trabalho não avança com o mesmo ritmo da acumulação do capital. Aumenta, sem dúvida, mas aumenta numa proporção constantemente decrescente, quando comparada com o incremento do capital.

Estas breves indicações bastarão para demonstrar, precisamente, que o próprio desenvolvimento da indústria moderna contribui por força para inclinar cada vez mais a balança a favor do capitalista contra o operário e que, em conseqüência disto, a tendência geral da produção capitalista não é para elevar o nível médio normal do salário, mas, ao contrário, para fazê-lo baixar, empurrando o valor do trabalho mais ou menos até seu limite mínimo. Porém, se tal é a tendência das coisas neste sistema, quer isto dizer que a classe operária deva renunciar a defender-se contra os abusos do capital e abandonar seus esforços para aproveitar todas as possibilidades que se lhe ofereçam de melhorar em parte a sua situação? Se o fizesse, ver-se-ia degradada a uma massa informe de homens famintos e arrasados, sem probabilidade de salvação. Creio haver demonstrado que as lutas da classe operária em torno do padrão de salários são episódios inseparáveis de todo o sistema do salariado, que, em 99 por cento dos casos, seus esforços para elevar os salários não são mais que esforços destinados a manter de pé o valor dado do trabalho e que a necessidade de disputar o seu preço com o capitalista é inerente à situação em que o operário se vê colocado e que o obriga a vender-se a si mesmo como uma mercadoria. Se em seus conflitos diários com o capital cedessem covardemente ficariam os operários, por certo, desclassificados para empreender outros movimentos de maior envergadura.

Ao mesmo tempo, e ainda abstraindo totalmente a escravização geral que o sistema do salariado implica, a classe operária não deve exagerar a seus próprios olhos o resultado final destas lutas diárias. Não deve esquecer-se de que luta contra os efeitos, mas não contra as causas desses efeitos; que logra conter o movimento descendente, mas não fazê-lo mudar de direção; que aplica paliativos, mas não cura a enfermidade. Não deve, portanto, deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitáveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou pelas flutuações do mercado. A classe operária deve saber que o sistema atual, mesmo com todas as misérias que lhe impõe, engendra simultaneamente as condições materiais e as formas sociais necessárias para uma reconstrução económica da sociedade. Em vez do lema conservador de: "Um salário justo por uma jornada de trabalho justa!", deverá inscrever na sua bandeira esta divisa revolucionária: "Abolição do sistema de trabalho assalariado!".

Depois desta exposição longuíssima e, receio eu, fatigante, que julguei indispensável para esclarecer um pouco o nosso tema principal, vou concluir, propondo a aprovação da resolução seguinte:

1. - Uma alta geral da taxa de salários acarretaria uma baixa da taxa geral de lucro, mas não afetaria, em linhas gerais, os preços das mercadorias.

2. - A tendência geral da produção capitalista não é para elevar o padrão médio de salários, mas para reduzi-lo.

3. - Os sindicatos trabalham bem como centro de resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas, são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em lugar de ao mesmo tempo se esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado.

Informe pronunciado por Marx nos dias 20 e 27 de junho de 1865 nas sessões do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores. Publicado pela primeira vez em folheto à parte em Londres em 1898. Transcrito da edição em português das Obras escolhidas de Marx e Engels publicada em 1953 pela Ediciones en Lenguas Extranjeras, Moscou.









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