Quinta 25 de Abril de 2024

Economia

QUATRO PERGUNTAS SOBRE A CRISE ECONÔMICA MUNDIAL

Ruídos de “recuperação”

18 Dec 2009   |   comentários

Pouco mais de um ano transcorreu desde a quebra do Lehman Brothers que precedeu a crise econômica mundial mais extensa e profunda desde a Grande Depressão. A intervenção massiva dos principais Estados capitalistas sobre suas economias, logrou conter o curso catastrófico com o que inicialmente ameaçava a crise. Entretanto, pouco dias passaram desde o tremor financeiro no Emirado Árabe de Dubai que por algumas horas deixou o capital internacional apreensivo. Há horas apenas, na Grécia, a bolsa de Atenas sofreu uma forte caída seguindo os bônus da dívida pública, uma rota similar. Estes fatos dizem muito a respeito do caráter da “recuperação” à que assistimos. No presente artigo e sob a forma de perguntas e respostas tentamos fazer chegar ao leitor alguns aspectos centrais sobre a crise econômica mundial.

1 –As intervenções estatais massivas conseguiram estabelecer as condições para uma recuperação econômica de longo prazo?
Não. Enfoquemo-nos no Estados Unidos, o epicentro da crise. As políticas estatais de expansão monetária, taxas de juros historicamente baixas e salvamentos fiscais, lograram frear quebras bancárias em cadeia (mediante nacionalizações parciais), assim como limitar a queda livre de empresas como a General Motors.
Não há dúvida que a crise provocou uma importante destruição de capital fictício assim como múltiplas quebras de empresas com demissões massivas. Estes mecanismos estão permitindo tanto um processo de concentração e centralização de capital como o aumento da taxa de exploração dos trabalhadores. Mas também é certo que, como conseqüência da intervenção massiva do Estado, a destruição de capital não se produziu da maneira e no grau que o exigia o nível da crise.
O resultado é contraditório porque o mecanismo “clássico” da crise capitalista operou só parcialmente.
E em que fenômenos se expressa? Na falta de relação entre a evolução de três variáveis fundamentais como o mercado de valores, o crescimento da chamada “economia real” e a evolução do emprego. Vejamos alguns dados. No Estados Unidos, o índice Dow Jones, cresceu 56% desde seu mínimo de março deste ano com o qual se encontra 28% por debaixo de seu pico do ano 2007. Se se tem em conta o que a economia oficial denomina “economia real”, anualizados (depois de cair quatro trimestres consecutivos). Esta cifra poderia parecer alta se não fosse porque está associada fundamentalmente a planos de estímulo fiscal como por exemplo o plano “dinheiro por sucata” (chave na demanda de carros que por sua vez jogou um rol central na recuperação da demanda do trimestre) e a baixas taxas de juros. Se se retiram os planos fiscais e aumentam as taxas de juros, a demanda e o crescimento desaparecem. De modo que não há relação entre a forte subida da bolsa de valores e a débil subida da economia real. Por sua vez o desemprego continua crescendo e se encontram em 10% no Estados Unidos.
Tanto a continuidade da retração no emprego como as características da recuperação da produção de bens e serviços, dão conta de uma recuperação muito parcial das condições de criação de valor e do restabelecimento de uma taxa de lucro aceitável para o capital. Mas à par deste processo, restabelecem com força as condições de crescimento do capital fictício. Isto é, condições de aumento do preço das ações, commodities, títulos e outros instrumentos financeiros, associados não ao valor produzido na economia, senão aos resgates estatais, ao crescimento da dívida pública, às chamadas “expectativas” e a formas enganosas de registro das operações contábeis.
A conseqüência é que o investimento não se recompõe porque as expectativas de lucro se plasmam em rendimentos rápidos, de tipo fundamentalmente especulativo. Não há nem demanda de crédito para investimento nem recomposição de estipulação de crédito por parte do sistema financeiro que aposta a endividar-se em dólares a baixa taxa de juros para logo investir esse capital líquido em ativos de alta e rápida rentabilidade.
A continuidade da caída do emprego é um resultado desta situação, sintoma importante que indica que o saneamento do capital foi só parcial. A recuperação se apóia nas muletas da intervenção estatal que augura instabilidades e muito prováveis novos estouros. Os recentes terremotos em Dubai e na Grécia podem ser os primeiros alertas.
Estes elementos explicam porque muitos analistas burgueses, começam a pronunciar, logo de décadas, e com muita preocupação, termos como “valor” recomendando medir a relação entre o preço das ações e as utilidades das empresas. O que está no fundo desta preocupação é que o capitalismo não pode sustentar-se com um divórcio semelhante entre a rentabilidade obtida no circuito financeiro e a produção de bens e serviços, que é a fonte verdadeira da produção de valor.

2 – Que conseqüências têm as características da recuperação norte-americana em curso com respeito ao devir da economia mundial?
A forma da recuperação norte-americana tem claros efeitos sobre as relações inter-estatais e o modo particular que nas últimas décadas adquiriu a divisão mundial do trabalho, dentro do período de crise do equilíbrio capitalista do pós-guerra, aberto a fins dos anos 60 e começo dos 70.
A característica da recuperação do Estados Unidos, questiona seu rol de comprador mundial assim como o rol de exportadores da China, Alemanha e Japão, tornando muito difícil que se possa restaurar a forma em que se estabeleceu a divisão mundial do trabalho nos últimos 20 anos. A debilidade da demanda norte-americana sustentada em planos de estimulo fiscal e taxas de lucro de referência a níveis historicamente baixos com a conseqüência de uma dívida pública que está por cima de 80% do PIB, a situação de queda continuada do nível de emprego (ainda que haja diminuído o ritmo) tornam muito difícil que o EUA restaure a relação de dependência comercial e monetária estabelecida, em particular com a China, antes do estouro da crise. Ainda que débeis, os elementos de recuperação alimentam maior especulação financeira com todo tipo de ativos, questão que impulsiona uma saída do dólar que contraditoriamente, desde 2008, tinha se revalorizado como ativo mais seguro. Esta situação esteve impulsionando uma forte desvalorização do dólar em relação ao euro, ao yen e a outras moedas. Neste contexto se apresenta um aspecto central: o EUA pareceria estar apostando em uma política internacional mais intervencionista que lhe permita compensar dívida com um melhoramento de sua balança comercial. Este aspecto, desde o ponto de vista internacional, representa um foco de tensão para a Alemanha, o Japão e a China, que são países fundamentalmente exportadores.

3 – Que efeitos poderiam ter este conjunto de elementos na relação entre o Estados Unidos e a China?
O processo de restauração capitalista, em particular na China, permitiu a incorporação ao mercado mundial de uma poderosa zona de extração de mais valia, geradora de uma forte pressão à baixa sobre os salários dos trabalhadores do mundo, fator chave do crescimento econômico mundial dos últimos anos. O desenvolvimento capitalista na China se produziu fundamentalmente na Costa Leste mediante uma combinação do surgimento de uma classe capitalista chinesa muito ligada ao aparato estatal em associação com capitalistas estrangeiros de origem fundamentalmente norte-amreicano, europeu e japonês. O crescimento chinês implicou um consumo privado muito reduzido, dado que sua vantagem comparativa está baseada em baixos salários. Durante as últimas aproximadamente duas décadas a China foi convertendo no principal destino (de países centrais) do investimento estrangeiro direto proveniente do EUA, da Europa e do Japão. Enquanto as principais multinacionais norte-americanas foram avançando na penetração da China, o EUA se convertia, por via direta ou indireta, em um destino principal de suas exportações. Ao tempo que as divisas recebidas pela China através destas exportações foram progressivamente investidas em dólares e bonos do tesouro norte-americano. A China possui 1,9 bilhões de dólares de suas reservas em moeda norte-americana e 22% dos bonos emitidos pelo Tesouro estadounidense. Os excedentes chineses subvencionavam o consumo e o endividamento crescente do EUA, contribuindo ademais ao sustento do valor do dólar. As condições particulares da recuperação fazem muito difícil que se restabeleça essa forma específica da divisão mundial do trabalho. A desvalorização do dólar e as pressões norte-americanas sobre a China para que valorize Yuan 9 que está atado ao dólar e, portanto, não perde competitividade frente à desvalorização da moeda estadunidense) são prova disso.
Se a recuperação da economia norte-americana fosse mais “genuína”, provavelmente o EUA poderia voltar ao esquema anterior e mediante um incremento das taxas de juros, continuar atraindo capitais retornando a seu rol de comprador do mundo financiado por capitais forasteiros.
São estas condições as que necessitariam a China para sustentar o esquema exportador (ademais de para salvaguardar suas reservas em dólares) garantindo uma taxa de crescimento anual de 8%, que é o mínimo necessário para empregar aos setores que se incorporaram ao mercado de trabalho.
Mas a América do Norte, para sustentar os planos de estímulo fiscal e as baixas taxas, para apostar à baixa do desemprego, que é um foco de provável luta de classe interna, necessita utilizar o dólar baixo para frear a entrada de importações ademais de ter uma política mais agressiva desde o ponto de vista comercial internacional. Isto significa em última instância descarregar sua crise sobre a China (além de sobre outras economias exportadoras como Japão e Alemanha). Desde o ângulo da relação mantida até o momento com a China implica tentar limitar o “modelo” exportador e em última instância, uma política mais agressiva de penetração do capital norte-americano ademais de abarcar um mercado interno chinês de aproximadamente 200 milhões de pessoas de classe média acomodada e 10 milhões de ricos.
Deste modo, as próprias condições nas que a economia norte-americana esboça primeiros sintomas de recuperação são contraditórias com a continuidade da relação prévia ao estouro de 2008 que incluía um processo relativamente evolutivo de penetração do capital imperialista na China em certa conivência com o capital de origem chinesa e outros capitais imperialistas como o japonês e o europeu. Entretanto, temos que levar em conta que por um lado a China segue sendo um país dependente entre outras coisas pelo peso do capital estrangeiro, porque seu Estado não se tem constituído como um Estado burguês sólido e sua produtividade em 2005 era apenas 15% da do EUA, ou porque o consumo interno apenas roça os 40% do PIB aportando o Estado com 27% desse consumo. Por outro lado, a China em sua capacidade produtiva é o 3º país do mundo só detrás do Japão e possui 22% dos bônus do Tesouro norte-americano. Isto constitui um elemento de pressão sobre o EUA muito grande porque a estabilidade do dólar possui uma forte dependência da poupança chinesa. É uma combinação de aspectos novos, que seguramente apresentarão cenários convulsivos e novos fenômenos políticos da luta de classes.

4 – Que primeiras conclusões podemos extrair do estado de saúda da economia mundial?

As políticas estatais lograram até agora uma recuperação débil, que além de não resolver nenhuma dos problemas estruturais, colocava a possibilidade de que os Estados tenham que recorrer a novos salvamentos bancários como sucedeu há pouco na Inglaterra ou inclusive a medidas mais extremas. Coloca em cena prováveis estouros de novas bolhas associadas em particular ao incremento das dívidas públicas, mas também à especulação no mercado de commodities e outros ativos como no mercado imobiliário ou até no do alho, como poderia ser o caso da China. Ou como conseqüência de novos default como faz pouco sucedeu no Emirado Árabe de Dubai o segundo maior dos 7 Emirados Emirados Árabes Unido, que possui escasso petróleo e cujo espetacular crescimento desde o ano 2002 esteve associado ao desenvolvimento da indústria imobiliária. Conhecida como a “Cidade de Ouro”, Dubai se construiu como paraíso financeiro, com grande afluência de capital estrangeiro, cheio de pomposas construções como ilhas artificiais adquiridas por muitos ricos e famosos do mundo. Como conseqüência da situação crítica que começou a vislumbrar-se durante os primeiros seis meses deste ano quando os preços da propriedade caíram mais de 40%, as empresas Dubai World e Nakheel, a construtora das ilhas em forma de palmeira, declararam a moratória de 26 bilhões de dólares de sua dívida. Poucos dias depois a bolsa de Atenas e os bônus públicos gregos foram abaixo como conseqüência de que as qualificadoras de risco lhe baixaram a nota a sua dívida pública (que em 2010 alcançará 120% do PIB) deixando seus títulos em um nível próximo ao dos “bônus tóxicos”. A situação da Grécia ameaça a estabilidade do euro e põe o Banco Central Europeu ante a opção de resgatar a Grécia ou deixar que colapse um membro de sua zona monetária. As qualificadoras advertiram ademais que poderiam baixar a qualificação dos bônus dos Estados Unidos e do Reino Unido em função do mal estado de suas finanças públicas. Ao tempo que o Brasil se apresenta como outro foco de possível bolha. A recuperação é débil e os focos de tensão múltiplos.
Os principais estadistas e ministros de Economia, tanto do BCE, como do Japão, Inglaterra e também dos Estados Unidos, debatem entre por um lado continuar com os planos fiscais e taxas de juros baixas que sustentam um crescimento débil mas geram risco de estouro e inclusive possíveis fenômenos inflacionários e, por outro lado, frear os estímulos fiscais e aumentar as taxas de juros, questão que, quase com segurança, redundaria em uma nova abrupta caída da economia. Este é em definitiva, o resultado visível da ação dos Estados sobre a economia para frear a crise.
Enquanto o EUA mantiver baixas as taxas de juros dificilmente, e mais ainda em um contexto de desvalorização do dólar, o BCE ou o Japão encarem na prática políticas distintas. Não obstante o avultado endividamento dos Estados e a fragilidade financeira podem exigir giros bruscos de política econômica.
Já seja por uma ou por outra via, as características da recuperação em curso predizem maiores tensões inter-estatais, maiores ataques ao movimento operário e os setores populares associados tanto ao crescimento do desemprego e à exploração, como a possíveis novos estouros financeiros cujos custos tentarão descarregar sobre os trabalhadores e os setores populares, e maiores enfrentamentos entre as classes como subproduto destes ataques ou de tentativas de maior penetração imperialista como poderia ser o caso da China. As intervenções estatais lograram conter as tendências mais catastróficas ao menos por um período, mas a crise está longe de ser resolvida e os remendos saltam por todos os lado reatualizando o caráter convulsivo da época imperialista em que vivemos.

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