Terça 23 de Abril de 2024

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ENCHENTES

Rio, Minas, São Paulo: não apenas tragédias anunciadas, mas o resultado do atrelamento dos governos aos lucros dos capitalistas

14 Jan 2011   |   comentários

Junto à posse da presidência da república por Dilma Rousseff e os trâmites de cargos e regalias a tal ou qual partido burguês junto ao exorbitante aumento salarial de deputados, a população brasileira continua sofrendo mais uma vez com consequências de desastres pelas enchentes. Esta é uma situação que extrapola as grandes cidades (como ocorre no estado de Minas Gerais), porém, nestas acaba causando transtornos e tragédias concentradas, como vê-se agora com a última enchente no estado do Rio de Janeiro que somam centenas de mortos e na cidade de SP que deixou 16 mortos da noite para o dia. No Brasil o problema das enchentes é antigo e no suposto “Brasil potência” de Lula continua morrendo gente pelos mesmos problemas de 40 anos atrás. A preocupação que os governantes tiveram para ocupar os morros do Rio de Janeiro com a polícia e o exército no marco de uma política repressiva de uma suposta urbanização se traduz hoje em descaso e problema habitacional histórico, como demonstra a atual situação caótica a que estão relegados os moradores da região fluminense. A verdade é que são apenas duas as preocupações que os governantes vêm tendo sobre a política de organização territorial das cidades: como esconder moradores das favelas dos turistas da Copa e das Olimpíadas e como preparar grandes desalojamentos pela especulação imobiliária.

As chuvas que ocorrem desde dezembro já deixaram mais de uma centena de mortos, milhares de famílias desabrigadas e altos prejuízos na infraestrutura das cidades. As chuvas que atingiram o Brasil em 2010 provocaram a morte de 473 pessoas em 11 estados das regiões Sul, Sudeste, Norte e Nordeste. De acordo com a Secretaria Nacional de Defesa Civil, ao todo, mais de 7,8 milhões de moradores de 1.211 municípios foram afetados de alguma forma pelas chuvas gerando mais de 100 mil desabrigados [1] e mais de 300 mil desalojados [2]. O Rio é o estado que registrou mais óbitos decorrentes dos temporais, com 316 mortes apenas no ano de 2010. As enchentes em Alagoas e Pernambuco de junho de 2010 também deixaram 47 mortos e mais de 80 mil desabrigados. Novamente, o estado do Rio de Janeiro lidera os índices de tanta brutalidade contra sua população.

Nas mais recentes enchentes da virada do ano de 2010 para 2011 o estado de Minas Gerais conta com 119 municípios afetados, mais de 15 mil desalojados, 16 mortos e 1.234.386 atingidos pelas enchentes [3]. A principal região atingida é o sul do estado. Apenas a cidade de Belo Horizonte precisaria de cerca de R$ 5 bilhões – o equivalente a 77% do orçamento da prefeitura em 2010 (R$ 6,45 bilhões) – para acabar com os 82 pontos de alagamentos. Porém, do custo total projetado, o município dispõe de menos de um quinto. Para maior revolta da população o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), ainda teve a cara-de-pau de dizer que a prefeitura desconhecia as grandes chances de enchentes com as chuvas que atingiram a cidade no final do ano mesmo quando especialistas já haviam publicado boletins sobre os altos índices pluviométricos que atingiriam a região!

Longe das necessidades de investimento nas distintas áreas afetadas pelas enchentes foi aprovado o Orçamento da União pelo Congresso. Enquanto no último ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a estimativa era de R$ 168 milhões de investimentos no setor, no primeiro ano da presidente Dilma o montante é só de R$ 137,5 milhões (o orçamento previsto para programas de prevenção de enchentes, nacionalmente, é de R$1 bilhão). E se não bastasse, a insuficiência de recursos no orçamento, menos de 40% do total foi investido no programa durante o governo Lula. Isso mostra como nem o governo Lula, nem o atual governo de Dilma, nem os atuais governos estaduais, como o de Minas, com Anastasia (que até agora não fez um único pronunciamento sobre as vítimas das enchentes, mas não teve nenhuma demora em aprovar na Câmara a possibilidade das leis delegadas, que permite ao governador promulgar leis sem a aprovação do legislativo) podem responder a direitos tão elementares como à vida e à moradia.

As enchentes que hoje ocorrem em diversas partes do país não podem mais ser vistas apenas como falta de investimentos em obras públicas. Se há problemas gritantes em falta de investimentos há que se ver a questão no marco da necessidade do capitalismo de potencializar ao máximo seus lucros. A cidade se organiza com um tipo de logística para a circulação das mercadorias e realização dos lucros capitalistas, ou seja, as áreas destinadas para a burguesia, outras para a classe média e setores mais favorecidos da classe trabalhadora (não sem cobrar altos preços por isso), áreas produtivas para as fábricas – nenhuma grande empresa é construída sem um estudo geológico e das condições geofísicas antes –, áreas de fluxo de mercadorias, como grandes vias e estradas, e as áreas não aproveitáveis para os capitalistas. São essas as áreas propícias a enchentes, acidentes geológicos, deslizamentos etc. Porém mesmo essas áreas se tornam indiretamente lucrativas na medida em que, desvalorizadas, se tornam endereço certo dos setores mais precarizados da classe trabalhadora, forçados pelos baixos salários que recebem a ocupar essas áreas. Dessa maneira os capitalistas garantem disponibilidade de mão-de-obra e festejam a dádiva da moradia irregular que tem baixo custo e conseqüentemente possibilita menos gastos para garantir a reprodução da força de trabalho e a taxa de lucro. Para eles não interessa como vivem os trabalhadores. É justamente sobre essas condições que se dá o ciclo de estabilidade lulista, é a prova que sob a égide do capitalismo decadente - mesmo com estabilidade econômica e crescimento dos empregos - todas as condições de vida da classe trabalhadora se esvaem e se tornam cifras nos cofres da burguesia; é o preço que ela cobra pelas novas carteiras assinadas.

Com um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias [4] , as chuvas do início de ano escancaram este problema estrutural do crescimento capitalista às custas da vida da população, que o Programa Minha Casa Minha Vida não pode esconder. Na capital de São Paulo cerca de 300 mil imóveis desocupados e outros cerca de 256 mil na cidade do Rio de Janeiro, 89 mil em Belo Horizonte e 106 mil em Salvador [5] contribuem para a especulação de grandes imobiliárias e construtoras e para a morte da população. Não deve passar em branco a relação do governo federal e estadual com as grandes construtoras que tiveram alto lucro no último governo de Lula e com muitas concessões dos governos estaduais a consórcios como CCR de São Paulo [6] e OHL (este último responsável pela concessão das rodovias Régis Bittencourt e Fernão Dias que contou com muitos pontos de alagamento, o mesmo ocorrido com outras dezenas de estradas em Minas Gerais). Os lucros destas empresas vêm apenas para confirmar que a especulação imobiliária e o crescimento desordenado é parte central do problema de milhares de famílias que moram em encostas ou regiões de risco.

Frente à alarmante situação, a população pobre e os trabalhadores são os mais afetados. Faz-se necessário que as populações atingidas pelas enchentes tenham o direito de decidir se querem ou não continuar no local tendo garantida sua moradia. A população não tem que mais escutar que índices pluviométricos surpreenderam enquanto perdem suas vidas. Basta desta “balela” contada todo ano! É necessário que se garantam todos os procedimentos para que as famílias que queiram possam voltar ao local de sua moradia atingido pelas chuvas. Os moradores das regiões atingidas devem contar com o apoio de especialistas e das organizações populares, de direitos humanos e de trabalhadores para que sejam investigados, apurados e conhecidos os motivos das enchentes e não depender de planos da prefeitura que quase nunca existem de forma científica. A UFMG e universidades como UFRJ e USP, a primeira que hoje organiza a solidariedade aos atingidos pelas chuvas, devem não apenas organizar doações, mas também dispor de suas instalações para abrigar temporariamente famílias atingidas pelas chuvas e dispor seus especialistas (engenheiros, geógrafos, geólogos, psicólogos, sociólogos etc) para ajudar no atendimento e em projetos de verdadeiros planos de obras públicas. É neste momento que as entidades estudantis e os estudantes podem prestar a maior solidariedade operária e popular dispondo seu conhecimento e recursos universitários disponíveis e chamarem a consolidação de comissões de pesquisa e investigação independente, junto aos sindicatos de trabalhadores, moradores, direitos humanos etc, com independência de interesses escusos da prefeitura, do governo e das burocracias acadêmicas. Os distintos governos mostram sua incapacidade de resolver qualquer problema da população: as verbas não devem ser esperadas (por alguma lei delegada de Anastasia!!)! Deve-se lutar por uma campanha de ocupação dos imóveis desocupados das cidades assim como a desapropriação dos imóveis utilizados para especulação imobiliária; que todo o lucro de consórcios como CCR e OHL sejam destinados a obras nas regiões atingidas pelas enchentes; por um real plano de obras públicas capaz de responder realmente às necessidades do conjunto da população e dos trabalhadores e não aos interesses dos capitalistas. Os sindicatos e as centrais sindicais, em primeiro lugar a CSP-Conlutas, devem lançar uma campanha nacional de solidariedade operária e popular aos atingidos pelas chuvas.

[1Pessoas que perderam tudo e precisam dos abrigos públicos

[2Pessoas que podem contar com ajuda de vizinhos e familiares

[3Dados retirados do boletim estadual da Defesa Civil de Minas de 13/01/10. No Espírito Santo, segundo dados da Defesa Civil Estadual, 32 municípios foram atingidos pelas chuvas afetando mais de 530 mil pessoas, deixando aproximadamente 16 mil pessoas desalojadas e o governo do estado fez a previsão da necessidade de mais de R$ 300 milhões para investir nos estragos causados pela chuva na região neste final de ano. Em Pernambuco, estado afetado pelas chuvas, em junho de 2010, moradores que perderam suas casas estão até hoje vivendo em barracas que chegam a marcar 44 graus de temperatura, sendo este um dos estados que mais tiveram acesso ao pífio investimento do governo federal. A resposta mais rápida do governo local foi colocar termômetros para medir o pico de temperatura que as barracas chegam a atingir!

[4Dado apresentado pelo Ministério das Cidades no ano de 2008.

[5Com base a dados IBGE, somando domicílios particulares não ocupados (fechados e vagos).

[6Consórcio responsável por obas nas vias da Marginal Tietê enquanto a mesma sofre grandes inundações, assim como comunidades vizinhas, e nem ou o assoreamento das calhas do rio são garantidas nem pelo governo estadual nem por sua iniciativa público privada.

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