Terça 23 de Abril de 2024

Nacional

Frente à reunião dos BRICs

Retórica, divisão e pressão para melhor negociar com o imperialismo

27 Jun 2009   |   comentários

A recente reunião dos BRICs ’ sigla com a qual se denominam os países semicoloniais e dependentes com maior peso na economia mundial, Brasil, Rússia, Ã ndia e China ’ ocorrida em 16 de junho em Ecaterimburgo na Rússia tinha como objetivo fundamental vender a idéia de que estes países estariam se articulando para lançar medidas visando ampliar seu espaço político e económico no cenário mundial. Embora tenha sido propagandeada como um ensaio de uma atuação comum nas próximas reuniões do G20 e fóruns internacionais, que tem se tornado cada vez mais freqüentes com a crise económica, o que se viu no encontro dos BRICs foi a falta de consenso entre os seus participantes, e a impotência para a tomada de qualquer medida económica relevante. E mais importante ainda, ficou absolutamente claro que apesar de toda discussão de que caberia aos países dos BRICs alavancar a economia mundial frente a crise económica-imperialista, o que se vê em realidade é que estes apesar de terem mais espaço na situação internacional fruto da crise e da decadência do imperialismo norte-americano, são essencialmente economias dependentes do imperialismo, sobretudo dos EUA, e que suas advertências não superam o limite de serem pressões para obter dos países centrais mais concessões.

Por mais que o aumento da participação destes países tanto economicamente como politicamente na arquitetura das relações inter-estatais seja um elemento parcialmente real, seu peso é super-dimensionado, e muitas vezes esconde-se sua dependência ao imperialismo. Os EUA, mesmo em meio à profunda recessão que pode evoluir para uma depressão possuem PIB estimado em US$ 14,57 trilhões. O da China não passa de US$ 4,78 trilhões, o Brasil US$ 1,59 tri e a à ndia US$ 1,35. No Brasil, onde o governo Lula ensaia o relançamento do mito do descolamento da economia, os índices de desemprego são de 8,7% para o segundo trimestre de 2009. E a geração das vagas comemorada pelo governo está longe de suavizar o problema. Segundo o IBGE a população em idade ativa cresceu nos cinco primeiros meses do ano 1,3% acima da geração do postos de trabalho que é de 0,9 por cento. "A geração de vagas é tão pífia esse ano que não supera nem o crescimento vegetativo", disse Cimar Pereira, economista da instituição.

Já a produção industrial chinesa apesar de ter sofrido um aquecimento, sobretudo no setor automobilístico, caiu 8% em relação ao mesmo período de 2008. Além disso, já há consenso entre vários analistas, dentre os quais Nouriel Roubini, que os empréstimos concedidos pelos bancos chineses para aquecer a economia gerarão novas bolhas de dívidas impagáveis. Portanto, não se pode ignorar que a crescente importância dos BRICs se deve menos a uma fortaleza sólida destas economias, e mais à profunda crise que golpeia os imperialismos. E que cedo ou tarde, se fará sentir com mais força nos países dos BRICs, tanto pelo retrocesso do comércio internacional, que golpeia fortemente a China, pela profunda penetração do capital estrangeiro nestas economias como na China, Brasil e à ndia, como pelos desequilíbrios financeiros e ameaça constante de fuga de capitais.

Continuidade do dólar e divisões internas

Uma divisão patente diz respeito ao papel dos países na ONU, e portanto na geopolítica internacional. Brasil e à ndia reivindicam um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, motivo pelo qual o Brasil mantém a ocupação assassina do Haiti com as tropas da MINUSTAH, e contam com o apoio da Rússia. Mas a China é contrária, pois se houver ampliação do Conselho de Segurança, naturalmente um próximo assento caberia à segunda economia mundial: o Japão. A Rússia tem uma relação económica bastante próxima com a China e a à ndia, mas nenhuma parceria estratégica. Os três permanecem países muito diferentes em termos de orientação estratégica e geopolítica. E a própria relação privilegiada do Brasil com os EUA de Obama pode ser ume elemento que dificultará uma política coordenada com a Rússia. Isso demonstra os grandes limites da política de Lula de transformar a reunião entre os BRICs numa instituição coordenada.

Mas a discussão mais relevante do encontro terminou sem nenhuma medida concreta. Tratou-se do debate acerca da necessidade de adoção de uma nova moeda, ou conjunto de moedas, para as transações entre os países dos BRICs que atuasse como substituição ao dólar. A China que já vinha dando declarações neste sentido é a mais prejudicada com a flutuação do dólar, por ter hoje as maiores reservas da moeda.

Já discutimos em artigos anteriores que o papel do dólar como moeda de reserva internacional é o reflexo da localização dos EUA como imperialismo hegemónico, constituindo um privilégio através do qual aqueles exportavam suas crises ao resto do mundo. Portanto, sua erosão, agravada pela profunda recessão em que os EUA e boa parte do mundo se encontram, é mais um aspecto de um processo mais profundo em que se reflete a própria decadência histórica do imperialismo norte-americano como potência hegemónica. Neste sentido, não se pode descartar que no próximo período vejamos uma crescente corrida por outras divisas, e mesmo desvalorizações competitivas das moedas, o que em si contradiz todas as visões de a “emergência” de semicolonias e países emergentes como os BRICs poderiam trazer mais equilíbrio para a economia e as relações inter-estatais.

Porém, no imediato vemos que na discussão realizada pelos BRICs de tornar esta política oficial, que de fato seria um golpe aos EUA, há mais blefe e tentativa de pressão, que intenções reais. Não à toa sequer é mencionada na declaração final publicada pelos governos presentes, mostrando seu caráter retórico. Tampouco é digno de desprezo o fato de que ao contrário de diminuírem suas reservas de dólares, os países dos BRICs as tenham incrementando US$ 60 bilhões no último mês. “Não podemos ficar sujeitos a flutuações da moeda de um único país, mas também há a compreensão de que essas coisas ocorrem muito gradualmente", disse o ministro de Lula, Celso Amorim das Relações Exteriores, preparando o recuo. "Mudanças no sistema monetário, se feitas de maneira brusca, poderiam criar outra crise. " Crises económicas e políticas, na medida em que ainda não há um padrão de crescimento que substitua o atual em crise, cujo elemento constitutivo chave é orbitar em torno dos EUA.

É preciso avançar no internacionalismo proletário como via de conformar uma real unidade entre os povos oprimidos

Nada de positivo pode derivar para os interesses estratégicos da classe trabalhadora e dos povos do mundo deste tipo de política entre os distintos governos reunidos em Ecaterimburgo. Antes de qualquer coisa, estes governos buscam regatear em melhores condições com o imperialismo medidas que visam beneficiar suas burguesias locais. São incapazes de enfrentar a exploração e o saque imperialista. Por outro lado, disseminam a idéia de que é possível pelo alto resolver os problemas dos países semicoloniais e dependentes. Enquanto isso os trabalhadores e os povos destes países sentem na pele os efeitos da crise. Milhares começam a se manifestar contra o desemprego na China apesar do regime repressivo, como os trabalhadores migrantes que se viram desempregados com a crise. Na à ndia os caminhoneiros realizaram grandes greves no início deste ano, que se estendeu a outros setores. No Brasil houve as demissões na Embraer e Vale do Rio Doce, e de metalúrgicos no ABC. Na Rússia são os trabalhadores do setor energético e industrial os que mais sofrem. É preciso que estas lutas sejam apoiadas e estes ataques barrados, semeando o internacionalismo proletário ativo, capaz de fazer avançar a consciência da classe trabalhadora internacional. Essa é única unidade efetiva que pode haver frente à crise capitalista e às misérias que anuncia.

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