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RIO DE JANEIRO

Realengo: O assassinato das crianças e a tragédia da escola brasileira

13 Apr 2011   |   comentários

A primeira observação que salta aos olhos no crime do Realengo, além do horror produzido pelo assassino que executou mais de dez crianças – meninas em sua maioria - em uma escola, é o próprio drama, que o noticiário não pôde esconder em torno da realidade escolar que vitima os filhos e filhas da classe trabalhadora.

Basta comparar com as escolas de ricos e salta aos olhos o tipo de escola que é oferecida aos filhos das classes pobres e proletárias, escola abandonada em todos os sentidos. São depósitos de crianças, sem as mínimas condições de ensino, professores mal pagos, salas onde se amontoam dezenas e dezenas de alunos, onde reina a violência sutil ou declarada, onde o ensino é de má qualidade, prevalecem relações autocráticas direção-aluno, a homofobia, o racismo e a total ausência de democracia escolar.

Para os filhos da classe trabalhadora, ao horror do assassino em série se soma o horror cotidiano de escolas públicas cada vez mais degradadas, inseguras, desestimulantes e de ensino mais que precário. E ambientes mais vulneráveis a todo tipo de degradação, discriminação e violência.

Por isso mesmo a “comoção” da presidente Dilma, do ministro Haddad da Educação ou do prefeito e governador do Rio são um acinte e retratam a impotência dessa democracia de ricos, desses gerentes de um regime falido e que não têm mais nada a balbuciar a não ser o mantra do “basta de violência”. Eles é que são os pais e patronos da violência. Da violência policial, social e são eles que treinam sua polícia na ocupação militar do Haiti para depois matarem e torturarem negros pobres nas favelas do Rio. Nenhuma iniciativa fundamental, nenhuma medida de peso contra as podres condições de ensino a que são relegados os mais pobres pode ser tomada por esse Estado burguês. São atores bem pagos e unidos pela hipocrisia.

Vale reiterar: a grande violência contra massas pobres como a de Realengo – a violência cotidiana – vem do sistema desses mandatários políticos que estão, neste momento, cortando verbas para educação e saúde, ambas em estado de absoluta decadência, enquanto continuam jorrando bilhões nos bolsos dos banqueiros e da elite que espolia nossa nação.

Dilma é cúmplice de tudo isso. O que ela tem a dizer sobre as mortes desnecessárias de centenas de milhares de jovens por conta da inexistência do direito ao aborto público e gratuito? Sobre a violência no trânsito? E os quase trinta mil jovens mortos pela violência urbana e rural todos os anos, em sua maioria pobres, negros e sem oportunidade na vida? E quando o jovem consegue concluir a escola de pobre e consegue um emprego, todos sabemos que irá para a lista do setor mais vitimado por acidentes do trabalho, milhares todos os anos, sem qualquer proteção séria por parte do Estado.

O único gesto afirmativo das autoridades foi o de saudar à polícia, louvar o bom policial. E agora falam em mais polícia e mais repressão e há até quem acene com uma lei anti-terror para o Brasil. Esta linha tem que ser frontalmente rechaçada. O Estado sequer indeniza todas as famílias vitimadas em uma escola do Estado, o governo sequer assume todas as despesas médicas das vítimas sobreviventes, medidas imediatas e mínimas, de mínimo respeito às famílias vitimadas. E vem falar em militarizar a vida. Precisamos de boas escolas e não de militarização.

A impotência desses governantes – que estão à serviço da classe dominante – se manifesta na incapacidade crônica e crescente de tomar qualquer medida séria, qualquer planejamento sério para sanear a escola pública. Para por de pé uma escola com bibliotecas, setor de informática, de esportes, lazer e cursos realmente dignos desse nome. E que não seja uma escola mera reprodutora de força de trabalho precarizada, o mais alienada possível, para preservar os bons negócios dos ricos. E reprodutora da ideologia dominante, um poço de preconceito e “domesticação” da juventude, especialmente de discriminação da mulher, e do racismo.

As massas necessitam de escolas com salários qualificados para os professores, com democracia interna (eleição direta de diretor, o direito a partir das assembléias de professores, alunos, trabalhadores e pais, a demitir professores ruins e formação de comitês de bairro para auto-defesa e vigilância sobre a escola, seu conteúdo, seu funcionamento e a qualidade de ensino); por outro lado é essencial abolir todas as armas de fogo das escolas a começar das armas da polícia (fora a polícia das escolas!); e pelo direito, se este for o desejo e decisão coletiva da assembléia de populares e trabalhadores, de instalar – sob seu controle e por um período de transição - detector de metais na entrada de cada escola, de forma que nenhuma arma de fogo possa entrar em nenhuma escola. E pela tomada de medidas diretas – sempre a partir da democracia de bairro e de locais de trabalho - de forma a inibir diariamente a reprodução de relações homofóbicas, racistas, de bullying e de prepotência e individualismo no ambiente escolar.

Como parte deste processo se faz necessário o mais aberto combate contra o falso moralismo sexual imperante. A começar da crítica à família patriarcal e castradora, verdadeira fábrica de miséria emocional, desajuste e preconceito contra a mulher, e em sua condição de célula construtora de seres submissos, que sirvam passivamente de pasto para a exploração capitalista. Cria-se por aí um ambiente funcional para todo tipo de fundamentalismo religioso ou afim: a religião é reprodutora da repressão à mulher, da homofobia e portadora da dupla moral.

Em outras palavras, a família instituída pela sociedade burguesa reproduz, em regra, uma relação patronal, patriarcal, onde funcionam mil e uma chantagens especialmente dirigidas à repressão à sexualidade (sobretudo a homoerótica), à total liberdade de escolha da profissão, das leituras, às chantagens emocionais de todo tipo e à negação da relação baseada no afeto, na justiça e no respeito ao próximo. Usualmente ainda se baseiam na moral religiosa, reprodutora do respeito à propriedade privada burguesa, à polícia e à ordem imperante.

A escola é um foco de repressão, a matriz ideológica – ao lado da família castradora – de todas as mazelas do capitalismo elitista, consumista e que dilacera e desagrega a humanidade das crianças e tolhe a juventude em todos os sentidos. Este é o papel que lhe delega a burguesia e a Igreja de uma sociedade onde a juventude é privada de oportunidade por todos os lados e, se for pobre, tromba com a polícia racista, homofóbica e assassina por cada canto onde andar. E no cotidiano escolar trombam com a repressão à liberdade sexual, aliada à desinformação e ao não-debate e experimentação sobre o corpo e o prazer.

Abaixo a hipocrisia dos religiosos que acolhem assassinos como o de Realengo nas suas igrejas e agora aparecem sonsamente unidos ao lamento das vítimas. Abaixo o fascismo moral, político e sexual dos bolsonaros e seus bandos. Só a democracia direta nas escolas, bairros e centros de trabalho poderá varrer com a violência que impera nas escolas, nas relações escolares e com a hipocrisia religiosa, que primeiro alimenta beatos assassinos e inimigos das mulheres e depois sai, esquizofrenicamente, dando cobertura “cristã” com declarações contra a violência que nunca passam de declarações. Abaixo o ensino religioso nas escolas, obra-prima dos prefeitos e governadores por todo lado. Pela democratização – e não militarização – das relações escolares e de bairro.

Não se trata de polícia nas escolas, nem de militarizar a escola e nem qualquer setor da sociedade. A escola como ela é já funciona como uma prisão e antro de disciplina e adestramento funcional para a vida no capitalismo. Quanto à polícia ela é essencialmente corrupta e está a serviço do capital.

O governo vai tentar aproveitar o ocorrido justamente nessa direção. Somos contra. Fundamentalmente o que se necessita é poder efetivo para a assembléia de bairro, centrada nos comitês de empresas e órgãos públicos como escolas e hospitais sediadas na região; tais organismos democráticos é que devem assumir o controle das escolas para pô-las a serviço dos seus filhos. Para liquidar com a atual e vergonhosa dualidade da existência de escola de rico e de escola de pobre. A escola reproduz as relações do conjunto da sociedade, com sua segregação social, racial, moral, de gênero e reproduzindo todos os dias a aberrante falta de relações coletivas, democráticas.

Por mais que jornalistas burgueses argumentem que tais crimes como os de Realengo são inevitáveis – mais ou menos como é inevitável impedir que aviões caiam – é preciso de uma vez por todas criar condições que limitem ao mínimo do mínimo a possibilidade de tais eventos sem falarmos na violência escolar de cada dia. Esses mesmos jornalistas acomodados jamais aceitariam matricular seus filhos em escolas como as do Realengo.

Eles, com suas escolas de elite, sabem muito bem onde é mais fácil e mais provável que tais eventos ocorram e onde está encravada a violência cotidiana contra jovens e crianças. Professores entrevistados informam que é comum que circulem armas, e alunos armados e drogados (inclusive com álcool) dentro de escolas daquela região. Cabe às massas pobres controlarem esta situação, controlando as escolas, transportes, bairros e locais de trabalho. E expropriando o poder econômico e cultural da burguesia sobre nós e nossa juventude.

A escola, da mesma forma que a fábrica e o ambiente de trabalho em geral, reproduzem relações que só podem ser combatidas pela raiz, pelo controle direto da classe trabalhadora sobre a vida social; e pela estatização e controle público das escolas privadas; pela distribuição de todas horas de trabalho disponíveis entre toda a população de modo que todos possam trabalhar.

Pela instalação de alojamentos públicos com restaurantes e lavanderias para todo jovem que quiser sair de casa, que quiser escapar da relação opressora da família castradora; pela transformação da escola em centro de atividades culturais e sociais, foco da relação estudantes-trabalhadores-bairro; somente assim se poderá fazer valer a vontade daquela classe social, da população de bairros pobres e proletários, que é quem sofre na pele todas as mazelas do sistema capitalista, a começar das balas perdidas, da insegurança que vem do trânsito caótico e assassino, das privações de toda espécie, da permanente violência escolar e, também agora, de assassinos dentro não somente fora mas dentro da escola.

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