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Questão Negra, marxismo e classe operária no Brasil

13 Nov 2013 | Em dezembro de 2012, a Liga Estratégia Revolucionária – Quarta In­ternacional realizou uma conferência especialmente dedicada à ques­tão negra. Este livro reúne uma coletânea dos textos debatidos nesta conferência, antecedidos por um prólogo especialmente dedicado a refletir como a questão negra vem se relacionando com a nova etapa da luta de classes aberta pelas jornadas de manifestações que sacudi­ram o Brasil em junho de 2013.   |   comentários

Lançamento nesse sábado, dia 23, as 16 horas, na praça América Jacomino, 49, ao lado do metrô Vila Madalena. Após o lançamento, festa com hip hop, funk e samba. Compareça!


APRESENTAÇÃO

Em dezembro de 2012, a Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional realizou uma conferência especialmente dedicada à questão negra. Este livro reúne uma coletânea dos textos debatidos nesta conferência, antecedidos por um prólogo especialmente dedicado a refletir como a questão negra vem se relacionando com a nova etapa da luta de classes aberta pelas jornadas de manifestações que sacudiram o Brasil em junho de 2013.

Os trabalhos O espírito guerreiro de Palmares como exemplo à classe operária e Inconfidência Mineira – entre a resistência negra e a opressão da metrópole permitem aprofundarmos uma compreensão marxista da formação do estado brasileiro. Esta contribuição demonstra, através da análise da Inconfidência Mineira localizada em meio às grandes lutas dos negros e negras, como a negativa das elites dominantes em armar as massas negras e populares para lutar por uma genuína independência nacional não era um problema de força de vontade e sim uma questão de sobrevivência, uma vez que a afirmação do negro como sujeito histórico desde o início – ainda mais com armas na mão – colocava em xeque o domínio da elite colonial. Localizar a luta negra como uma determinação social e política tão importante como a pressão imperialista da metrópole cumpre um papel essencial para compreender a debilidade originária das elites dominantes brasileiras para encarar de forma minimamente séria qualquer uma das demandas democráticas estruturais ou formais mais sentidas do país.

A intelectualidade e a esquerda brasileira historicamente basearam-se – e ainda baseiam-se – numa compreensão da história do país que nega ou subvaloriza o papel da luta negra na formação do Estado. Como muito, a exemplo de setores importantes do reformismo (que estudam e resgatam a história dos negros e negras no Brasil), enxergam esse papel como algo que poderia ter cumprido um papel auxiliar às classes dominantes caso essas tivessem mostrado maior coragem no enfrentamento contra a metrópole e o imperialismo. Trata-se de uma concepção profundamente influenciada por uma matriz de pensamento weberiana, que interpreta o desenvolvimento histórico como uma soma de vontades dos sujeitos sociais e não a partir das determinações sócio-históricas estabelecidas pela relação dialética entre a economia, a política e a luta de classes. Apesar de distinta, essa concepção, ainda que nem sempre de forma consciente, termina se adaptando à ideologia dominante de que o Brasil foi formado por um povo “pacato e pacífico”.

Compreender profundamente como e porque o pensamento social e político brasileiro se manteve preso a essa matriz metodológica (que influencia demasiadamente as interpretações do marxismo brasileiro) cumpre um papel fundamental para valorizar corretamente a superioridade da Teoria da Revolução Permanente elaborada por León Trotsky como base metodológica para uma interpretação científica do desenvolvimento histórico brasileiro que coloque em seu devido lugar o papel que a classe trabalhadora historicamente deveria ter cumprido e ainda precisará cumprir. Entendemos que esse é um aporte completamente original, fundamental para a constituição de uma tradição revolucionária no Brasil.

O conjunto dos ensaios demonstra como a forma específica de desenvolvimento do capitalismo brasileiro depende orgânica e estruturalmente da fusão entre a burguesia capitalista, o latifúndio e o capital imperialista. Tal dependência está fundamentada na negação de uma reforma agrária que permitisse o desenvolvimento de uma acumulação primitiva de capital interno capaz de assentar as bases para uma economia nacional relativamente mais independente do capital estrangeiro. A Lei de Terras, implementada no Brasil em 1850, duas semanas depois de promulgada a lei que extinguiu o trafego negreiro, teve a função de impedir que os negros “livres” e os colonos imigrantes se assentassem como camponeses para sobreviver da terra. Por mais importante que fosse a realização de algum nível de reforma agrária para o desenvolvimento de um mercado interno, o medo que a burguesia brasileira nascente tinha de uma possível revolução das massas negras determinou o aprofundamento de sua dependência em relação ao grande latifúndio e ao capital imperialista.

Os trabalhos A questão negra na formação do proletariado no Rio de Janeiro, Identidade negra e subjetividade proletária e O racismo como pilar estruturante da formação do Brasil debatem a complexa relação entre a transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado, a luta contra a opressão racial ao povo negro e a constituição da classe trabalhadora como um sujeito político independente.

O texto A estratégia de independência de classe frente às tarefas democráticas resgata os debates estratégicos e programáticos feitos na III Internacional antes de sua degeneração stalinista e na IV Internacional acerca da questão negra como parte das tarefas democráticas historicamente não resolvidas pela burguesia. Deste resgate, destacamos a concepção que define porque as tarefas democráticas mais sentidas pelas massas dos países atrasados só podem ser resolvidas se a classe operária as assume a luta política contra todas as frações da burguesia.

Em O PCB frente à questão negra e O ascenso negro dos anos 70-80 e a tradição petista, partindo de um relato da profunda relação que historicamente se estabeleceu entre os ascensos da luta de classes no país e os ascenso da luta negra, debatemos como o anarco-sindicalismo das primeiras décadas do século XX, o stalinismo, o petismo e as correntes de origem trotskista nunca encararam a questão negra como um problema fundamental para que a classe operária pudesse emergir como um sujeito político independente da burguesia. Nenhuma delas encarou a resposta à questão negra como uma pré-condição para que a classe trabalhadora pudesse afirmar-se como sujeito político ao mesmo tempo em que afirmava a identidade negra de amplos contingentes de seus batalhões, e por essa via não só unificar suas fileiras trazendo para a linha de frente os setores mais explorados da classe, mas também hegemonizar as massas negras não proletárias que historicamente compuseram a maioria mais oprimida do país. Tal contribuição demonstra como o balanço do golpe de 64 e da posterior transição à democracia, ao diminuírem as tendências revolucionárias do movimento de massas e embelezarem o papel cumprido pelo stalinismo e pelo petismo, são funcionais ao abandono da estratégia de independência de classe para encarar as questões democráticas; ao mesmo tempo em que constituem um fundo ideológico às concepções reformistas que negam a possibilidade e a necessidade da revolução proletária.

Por fim, o trabalho Ofensiva neoliberal, ‘ações afirmativas’ e estratégia revolucionária busca refletir sobre os impactos que as derrotas que a classe operária mundial sofreu nessas décadas impactou sobre a questão negra, e particularmente como as ações afirmativas se constituíram como um instrumento a serviço das elites dominantes para cooptar e disciplinar o movimento negro à miséria do possível determinada pelo “Estado mínimo” neoliberal. A partir dessa análise, polemizamos com a maneira pela qual a esquerda que se reivindica socialista e revolucionária se adaptou às ações afirmativas e apontamos chaves programáticas para responder à questão negra nos dias atuais.

DEPOIMENTOS

O marxismo ensina que toda história é história da luta de classes. Aqui no Rio de Janeiro isso não foi exceção. O rio foi o principal porto negreiro das Américas, e esta cidade se construiu no enfrentamento cotidiano dos negros com a elite racista e assassina. Mas chegou a hora de dizer basta! Chegou a hora de vingarmos nossa história e construir uma sociedade livre de exploração e opressão!

Tristan Jenifer, Rio de Janeiro

Nós, mulheres negras, a gente trabalha fora, na limpeza, nas fábricas, na construção civil, nas salas de aula, nos metrôs, dentro de casa, e precisamos nos organizar. A maioria dos terceirizados são negros. Lutar pela efetivação dos terceirizados sem concurso público, com direitos e salários iguais e salário mínimo digno para todos, é essencial para unificar todos os trabalhadores, efetivos, terceirizados e temporários.

Silvana Ramos, uma das lideranças da greve das trabalhadoras terceirizadas da limpeza

O Rio foi construido em cima do suor dos negros escravos e depois tabalhadores negros precários. Nossas lutas desvendam isso na realidade dos negros hoje. Junho sacudiu o Rio e deixou à vista de todos o que estava escondido: os milhares de Amarildos, a violência e opressão das UPPs, do Estado racista e assassino...Tenho certeza, a luta dos negros e a revolução no Rio estão entrelaçadas, sem uma não haverá a outra!

Cacau, estudante de Serviço Social da UERJ

Quando conheci a verdadeira historia de palmares, senti algo novo, até hoje não sei muito bem o que foi, mas deve se parecer com que os negros sentiam ao chegarem no quilombo fugidos dos senhores de engenho. Os 100 anos de resistência de palmares acima de tudo nos inspiram na luta contra a exploração do homem pelo homem.

Tiagão

O movimento estudantil deve se colocar como tribuno do povo, levantar as demandas dos negros dentro da universidade se colocando contra as reitorias e o Estado racista. Para isso é preciso lutar por uma educação a serviço dos trabalhadores e do povo pobre e preto, onde todos tenham direito de entrar na universidade e o conhecimento produzido estará de acordo com as demandas dos oprimidos e explorados e não servirá mais para o lucro dos exploradores!

Marcela, estudante de Educação Física da USP

O esforço coletivo de elaboração e debate que deu origem a esse livro tem o objetivo de, utilizando as ferramentas do marxismo, contribuir para o desen¬volvimento de bases programáticas e estratégicas que respondam à questão negra numa perspectiva revolucionária.

Pablito Santos, diretor do Sintusp e trabalhador do restaurante da USP

Para a classe operária brasileira, a questão negra está ligada à sua própria origem e formação, à sua própria identidade. Porém, temos o problema da suposta democracia racial, uma farsa por trás da qual está muito mal dissimulado o profundo preconceito racial que leva ao assassinato, pelas mãos da policia, de dezenas ou centenas de jovens negros todos os meses, o que equivale a dezenas de milhares todos os anos. Dar respostas desde já às demandas do povo negro, e de forma clara e objetiva, apontar os meios de desmascarar a farsa da democracia racial, é condição imprescindível para que a classe operaria brasileira consiga hegemonizar e acaudilhar não só o conjunto da população pobre e oprimida do pais, mas principalmente para que consiga pôr em movimento suas franjas mais abnegadas compostas majoritariamente pelo povo negro.

Brandão, demitido político pelo governo estadual do PSDB e diretor do Sintusp

Depois de 12 anos de governos petistas, em con¬ciliação com os capitalistas, a situação dos negros e negras continua exprimindo a profundidade da exploração no Brasil. Mesmo as “políticas públicas compensatórias” dos governos petistas preservam o racismo como mecanismo de superexploração e extração de taxas ainda maiores de mais-valia. Em 2011, conforme estudos do Dieese, os negros trabalharam a mesma jornada que os não negros (em média 42 horas semanais), mas o seu rendimento cor¬respondeu a apenas 61,7% do recebido pelos não negros, e para as mulheres negras o quadro é ainda pior. A crise capitalista mundial prepara catástrofes sociais que afligirão mais cruelmente os negros e negras. Não há conciliação possível entre explorados e exploradores. Apenas uma revolução vitoriosa mudará radicalmente a relação entre as classes – relações de propriedade – e a relação entre as raças, garantindo aos negros e negras o lugar que lhes corresponde no Estado, de acordo com seu número.

Val Lisboa, dirigente da LER-QI

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