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Quem é Francisco I? A cumplicidade de Bergoglio com a ditadura militar

17 Mar 2013   |   comentários

Hoje os grandes meios e a oposição patronal destacam eufóricos o semblante de um Papa “humilde” que construiu sua carreira eclesial “junto aos pobres”. Mas essa imagem não é mais que uma fachada elaborada nos últimos anos. Quando em 2001 foi nomeado cardeal por João Paulo II, sua carreira religiosa deu um salto. Foi o momento em que transformou sua própria imagem, combinando sua “opção pelos pobres” com o férreo dogma da Igreja. Ao mesmo tempo em que condenava a pobreza, o tráfico de pessoas e o trabalho escravo, opunha-se à anulação das leis de impunidade e chamava à “reconciliação nacional” com os genocidas da ditadura. Ao mesmo tempo em que se mostrava “sensível” percorrendo cidades e falando com as crianças vítimas da miséria, encabeçava sua cruzada contra a Lei do Matrimônio Igualitário argumentando que era “uma guerra de Deus” contra uma “investida do Diabo”, e censurando toda possibilidade de educação sexual nas escolas e políticas de saúde reprodutivas.

Para além de toda aparência, Bergoglio encarna a essência mesma da Igreja Católica como instituição reacionária a serviço da opressão e exploração.

Guarda de Ferro

Este jesuíta “austero” e de “costumes modestos”, que acaba de adotar o nome de Francisco I em honra ao santo dos pobres, em realidade tem um passado sinistro.

Em 1969, aos 33 anos, ordenou-se como sacerdote. A pouco tempo começou a militar na Guarda de Ferro, uma organização da direita peronista. Em 1973, ao ser designado titular da Companhia de Jesus (a congregação jesuíta) Bergoglio deixou nas mãos desta organização a direção da Universidade do Salvador. Em 1976 essa casa de altos estudos nomearia “doctor honoris causa” nada menos que Emilio Massera, por pedido do próprio Bergoglio. Tão estreita era a relação entre o marinheiro genocida e o padre que este oficiou de enlace com a Guarda de Ferro para que esta organização terminasse sendo o aparato político do mandachuva da ESMA.

Partícipe necessário

Foi tal a relação de Bergoglio com o genocídio que ele mesmo entregou membros de sua congregação aos militares. Em maio de 1976, logo após pressioná-los até obrigá-los a abandonar a Companhia de Jesus, Bergoglio deixou à mercê da ditadura os padres Orlando Yorio e Francisco Jalics, que faziam assistência nas cidades do Baixo Flores. Ambos terminaram sequestrados e torturados na ESMA junto a quatro catequistas e dois de seus esposos. Foram os únicos sobreviventes daquele operativo, sendo liberados cinco meses mais tarde em um brejo de Cañuelas. Uma das catequistas desaparecidas era Mônica Mignone, filha do fundador da CELS Emilio Mignone, que em 1986 escreveu o livro “Igreja e ditadura” onde exemplifica com o caso de Bergoglio “a sinistra cumplicidade” da Igreja com os militares.

Não mentirás?

A finais de 2010, no julgamento pela megacausa ESMA, Nora Cortiñas denunciou que Bergoglio “entregou seus próprios sacerdotes”. No marco destas audiências, como parte das querelas judiciais, os advogados do CeProDH, Myriam Bregman y Luis Bonomi, junto a Enrique Fukman de Ex Detidos Desaparecidos, presenciaram a declaração testemunhal tomada a Bergoglio na sede do Arcebispado portenho. Ali, sobre os casos de Yorio e Jalics, o Cardeal desmentiu todas as acusações. Mas quando Bregman lhe perguntou sobre o roubo de bebês apropriados ilegalmente pela ditadura, Bergoglio se transfigurou e, com cara ameaçadora, disse que disso havia-se inteirado apenas há alguns anos [1]. Uma canalhice desmentida por Estela de la Cuadra, que em 1977 entrevistou-se com ele buscando o paradeiro de sua neta e lhe contou toda a sua história.

Rodolfo Yorio, irmão de Orlando, sintetizou a atuação de Bergoglio nesses anos: “Conheço gente a quem ele ajudou (...) Maneja a ambiguidade com maestria. Se os matavam, tirava-os de cima, se se salvavam, ele os havia salvo. Por isso há gente que o considera um santo e outros que lhe tem terror.”

Autor intelectual

Em seu livro “O Jesuíta”, publicado em 2010, Bergoglio se encarregou de encobrir a colaboração da Igreja com o genocídio. “No princípio se sabia pouco ou nada”, escreve sobre a ditadura. Não obstante, a 10 de maio de 1976, dois meses depois do golpe, na Assembléia Plenária do Episcopado, cada bispo informou sobre os sequestros e assassinatos ocorridos na diocese. O documento emitido, “País e bem comum”, mostrou-se compreensivo com a Junta Militar, afirmando que era um erro pedir-lhe que atuasse “com pureza química em tempos de paz, enquanto corre sangue a cada dia”.

O periodista Horacio Verbitsky denunciou que Bergoglio alterou importantes documentos da época. Na minuta sobre a reunião da Junta Militar com a Comissão Executiva da Conferência Episcopal, a 15 de dezembro de ’76, Bergoglio omitiu que os bispos Primatesta, Aramburu e Zaspe disseram que “de nenhuma maneira pretendemos colocar uma posição crítica à ação do governo” dado que “um fracasso levaria, com muita probabilidade, ao marxismo”, pelo qual “acompanhamos o atual processo de reorganização do país”.

Se a impunidade de grande parte dos responsáveis pelo genocídio não seguisse reinando no país, o prontuário de Bergoglio teria bastado para julgá-lo por sua cumplicidade com os crimes da ditadura.

[1LVO nº400, 11/11/10, disponible en www.pts.org.ar

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