Quarta 24 de Abril de 2024

Internacional

Qual a estratégia para a libertação nacional da Palestina?

29 Aug 2014   |   comentários

Estamos diante da ruptura da frágil trégua e da continuidade dos bombardeios sionistas a Faixa de Gaza. A trégua que durou dez dias, pactuada pelo governo egípcio de Abdel Fatah-al Sissi, com o colaboracionista Al Fatah, chegou ao fim devido à política de Benjamin Netanyahu que declarou que os ataques aos palestinos “durarão até que a população israelense sinta-se (...)

Estamos diante da ruptura da frágil trégua e da continuidade dos bombardeios sionistas a Faixa de Gaza. A trégua que durou dez dias, pactuada pelo governo egípcio de Abdel Fatah-al Sissi, com o colaboracionista Al Fatah, chegou ao fim devido à política de Benjamin Netanyahu que declarou que os ataques aos palestinos “durarão até que a população israelense sinta-se segura”. Como resultado disso, no último dia 24 de agosto foram realizadas 27 incursões aéreas contra a Faixa de Gaza, resultando em mais mortes e feridos. Trata-se já da ofensiva mais dura desde 2005, contabilizando mais de 2 mil mortos e 10200 feridos.

Mas os palestinos seguem resistindo. A despeito da imensa disparidade militar existente entre o exército sionista e o Hamas, este último respondeu ao ataque do Estado terrorista de Israel lançando 180 foguetes, alguns dos quais conseguiram atingir Tel Aviv. Por sua vez, o sentimento geral da população palestina, apesar dos imensos sofrimentos impostos pela ofensiva israelense que os têm privado de água, atendimento médico e suprimentos, não se caracteriza pelo anseio de qualquer rendição. Seguem exigindo o fim do bloqueio a Gaza, e protagonizaram diversas manifestações contra o massacre. É nesse contexto que se faz necessário o debate sobre qual a estratégia para que a autodeterminação palestina seja efetivamente respondida, e sob qual direção política.

A OLP: de sua fundação à capitulação

Há 50 anos, em 24 de maio de 1964, acontecia a fundação da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) em Jerusalém, em um congresso inaugurado pelo rei Hussein da Jordânia, e que contou com a presença de 420 delegados. A OLP reunia em seu interior diversas organizações políticas palestinas e árabes. Entre os participantes do congresso de fundação estiveram Khaled Al-Hassan, Khalil Al-Wazir (Abou Jihad) e Yasser Arafat, fundador em 1958 e dirigente do Al Fatah, hoje comandado por Mahmoud Abbas.

Ainda que tenha marcado o início de uma articulação política das organizações palestinas, desde o começo a OLP se caracterizou como uma frente nacionalista burguesa. Como relembra o analista do Le Monde Diplomatique, Alain Gresh “o congresso aprovaria dois textos fundamentais: a Carta Nacional (qawmiya) e os Estatutos da OLP. Em tais documentos não se encontra nenhuma referência à ideia de uma soberania territorial do povo palestino. (…) A presença do rei Hussein esteve condicionada a isso.” [1]

Foi a partir da guerra de 1967 em que Israel expande seu território tomando para si as Colinas de Golã, que o Al Fatah hegemoniza a OLP, e institui a suas diretrizes políticas. Essas eram mais avançadas que os documentos fundacionais do congresso de 1964, na medida em que se negava a aceitar a política de dois Estados, um palestino e um israelense, e defendia o direito de retorno de todos os refugiados. Porém, ao estarem absolutamente desvinculadas de qualquer determinação de classe, defendendo uma “Palestina única, laica, democrática e não racista”, sedimentou o caminho para a crescente capitulação do Al Fatah, até os dias atuais.

Em 1979 é firmado o Acordo de Camp David, elaborado pelos EUA, que envolvia Israel e o Egito, no qual esse último reconhecia oficialmente o Estado sionista, acordo mantido através da era de Mubarak até os dias atuais. Em 1993 era firmado o Acordo de Oslo, também sob a tutela do imperialismo norte-americano, que estabelece a capitulação do Al Fatah em relação ao reconhecimento de Estado de Israel. A partir desse momento, a organização de Yasser Arafat renuncia na prática ao direito de retorno de todos os refugiados, ao aceitar o projeto de uma ficção de Estado sem nenhuma unidade territorial, e numa ínfima porção da Palestina histórica. Como se sabe hoje o Al Fatah, que governa a Cisjordânia é uma das organizações mais colaboracionistas com o Estado de Israel.

A própria autoridade adquirida pelo Hamas, e por diversas outras organizações do islamismo político, só foi possível pela falência total do Al Fatah como alternativa para a resistência palestina frente ao Estado de Israel. O Al Fatah crescentemente foi sendo visto como uma força absolutamente entreguista e corrupta, pela sua colaboração aberta com a CIA e o Mossad [2] contra o Hamas. Mahmoud Abbas, líder do Al Fatah, respondeu a vitória eleitoral do Hamas em 2006 com um criminoso bloqueio a Faixa de Gaza, condenando seu próprio povo a mais fome e sofrimento. Ainda que no presente esteja num governo de coalizão com o Hamas, um dos motivos prováveis que levaram a cúpula israelense a atacar a Faixa de Gaza, o Al Fatah é o grande agente das tentativas de cessar-fogo elaboradas pelo imperialismo e pelos governos aliados da região, como é atualmente o egípcio de Abdel Al Sissi, que na verdade significam a rendição absoluta do povo palestino.

O Hamas, por sua vez, ao defender a instauração de um Estado teocrático tampouco pode responder às aspirações do povo e da classe trabalhadora palestina. Seria um Estado reacionário, tal como os que se regem pela sharia (lei islâmica), que negam direitos elementares às mulheres, e demais setores que não professem as mesmas crenças. Do ponto de vista da resistência palestina, estrategicamente é também impotente, ainda que tenha resistido aos ataques atuais, direito que defendemos incondicionalmente. Mas mantém suas milícias separadas do conjunto da população, que foram obrigadas a recorrerem às pedras usadas como armas durante as duas Intifadas.

“Palestina livre” com a burguesia?

Como analisava Trotsky quando formulou a teoria da revolução permanente, a burguesia dos países de desenvolvimento capitalista atrasado é incapaz de levar a luta pela libertação nacional contra o imperialismo, e seus agentes, até as últimas consequências. Se por um lado podem ter contradições com o imperialismo, por outro temem ainda mais ao seu próprio povo, cujos levantes são débeis para controlar. Termina sempre pactuando e aceitando a miséria do possível oferecida pelos seus opressores. No caso do Al Fatah a oferenda mais recente foi o governo de parte da Cisjordânia.

Assim, o combate pelo fim da ocupação colonialista materializada na fundação do Estado de Israel, apoiado pelos imperialismos, sobretudo os EUA, só pode se efetivar se tiver como sujeito a classe trabalhadora e se está ligada desde o início a luta pela libertação da Palestina ao combate pela revolução socialista. Sobretudo agora, quando inclusive a saída de “dois Estados”, seja através da instauração do pseudo-estado na Faixa de Gaza e porção da Cisjordânia, seja pela “democratização do Estado de Israel”, encontra-se negada pela direita devido ao recrudescimento da ofensiva colonizadora sionista.

A primavera árabe, que hoje encontra-se em um grande retrocesso, marcado pela ascensão do chefe do exército no Egito e instauração de um regime bonapartista, pela guerra civil síria que não conseguiu derrubar Assad, e pela constante ameaça de divisão do país na Líbia, cruzada por disputas entre milícias após a queda de Kadafi pela ação da OTAN. Isso comprova o que viemos discutindo no calor desses processos, de que não se tratavam de “revoluções democráticas triunfantes”, já que somente a classe trabalhadora, tendo à frente o seu partido revolucionário, poderia responder aos anseios democráticos que geraram a primavera árabe, e evitar que a queda dos governos e regimes de turno fosse capitalizada por direções burguesas, pró-imperialistas ou reacionárias de distintos tipos. Novamente se demonstra a importância do sujeito dos processos, e das suas direções.

Recuado mais no tempo, se há um lugar onde isso se provou historicamente foi na Palestina, cuja expressão mais importante encontra-se justamente na involução chocante do outrora considerado “progressista” e laico Al Fatah. Por isso defender uma “Palestina livre, democrática, laica e única” sem assinalar a necessidade de que sejam os trabalhadores o sujeito do combate contra Israel, superando suas atuais direções, para unir a luta pelo fim do colonialismo com a luta pelo socialismo, é simplesmente ignorar a própria história recente desse povo. Ainda que houvesse alguma possibilidade de acabar com a ocupação sionista sem colocar em marcha uma revolução socialista, o que daí adviria não seria em nenhuma hipótese uma “Palestina livre”, mas uma Palestina semicolonial, empobrecida, e subjugada pelo imperialismo.

O Al Fatah nunca se reivindicou socialista. Menos ainda defensor do legado de Trotsky. Mas há correntes da esquerda, como a LIT, que se reivindica como parte dessas duas tradições, sim. E a exemplo da política que defendeu durante toda a primavera árabe, segue para a Palestina reivindicando a velha palavra de ordem da OLP pós 1967, “Palestina laica, democrática, não racista e única”, ignorando completamente o balanço daquela organização que se orientou por essa política, e também aí rompendo a necessária dinâmica permanentista. Novamente, a LIT separa a luta pela libertação nacional, que segundo sua lógica poderia se dar sob uma direção burguesa, da revolução socialista, que ficaria somente para depois do fim da opressão colonialista. Com isso demonstra que não pode dar uma resposta à altura dos desafios postos pela necessidade de libertação nacional do povo palestino. Nega assim, a essência da teoria legada por Trotsky, de “que a resolução íntegra e efetiva das suas tarefas democráticas e de libertação nacional somente pode ser concebida por meio a ditadura do proletariado, que se coloca à cabeça da nação oprimida e, primeiro de tudo, das suas massas camponesas”
 [3]. Não é possível uma Palestina verdadeiramente livre com a burguesia.

Por uma Palestina operária e socialista, onde possam conviver em paz árabes e judeus

Partimos do apoio irrestrito a resistência palestina e ao pleno direito de autodeterminação do povo palestino, isto é, o direito do povo palestino ter seu próprio Estado no território histórico do que foi despejado em 1948. Isto exige o desmantelamento do Estado de Israel, e sua máquina militar. Mas para movimentar as forças de classe necessárias para tão necessária conquista, é preciso que isso culmine numa Palestina operária e socialista, única via que pode trazer a paz, e possibilitar que convivam novamente árabes e judeus. Aos que acreditam que isso seria impossível pelo avanço das correntes islâmicas, apesar disso aprofundar as contradições existentes, lembramos que a ascensão dessas organizações é um fenômeno relativamente novo. Se hoje os palestinos têm no Hamas sua principal referência, isso se dá por terem ganhado autoridade como uma ala mais coerente na resistência a Israel, sendo que historicamente os partidos comunistas e as resistências stalinistas tiveram bastante peso no Oriente Médio.

Também é preciso lembrar que a população residente na Faixa de Gaza é composta em sua imensa maioria por trabalhadores, que aliados aos seus irmãos de classe dos demais países árabes, são os que podem incorporar uma fração da classe operária israelense e árabes-israelenses para que rompam com o sionismo e se some à luta por acabar com a dominação imperialista na região. São condições difíceis, mas no que se refere a essa importante luta de autodeterminação nacional, que já dura décadas e custou um alto preço em sangue do povo palestino, não há atalhos possíveis.

[1Alain Gresh, Hace cincuenta años nacía la Organización de Liberación Palestina (OLP), www.rebelion.org

[2Órgão da inteligência e Operações Especiais sionista, que atende diretamente ao primeiro-ministro israelense.

[3Teses da Revolução Permanente, Leon Trotsky, www.ler-qi.org

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