Quinta 25 de Abril de 2024

PARTE III

Programa, estratégia e partido

23 Dec 2007 | “Os países coloniais e semicoloniais são, por sua própria natureza países atrasados. Mas estes países atrasados vivem nas condições da dominação mundial do imperialismo. É por isso que seu desenvolvimento tem um caráter combinado: reúnem ao mesmo tempo as formas econômicas mais primitivas e a última palavra da técnica e da civilização capitalista. Isso é o que determina a política do proletariado dos países atrasados: está obrigado a combinar a luta pelas tarefas mais elementares da independência nacional e da democracia burguesa com a luta socialista contra o imperialismo mundial. As reivindicações democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas na luta por etapas históricas mas surgem imediatamente umas das outras.” (Trotsky, Programa de Transição, 1938).   |   comentários

Os ideólogos stalinistas, assim como ex-stalinistas que não foram capazes
de romper completamente com sua tradição, trataram de difundir a
interpretação de que o golpe militar foi vitorioso porque as massas não foram
capazes de resistir. Não só trataram de diminuir e esconder o potencial
revolucionário do processo que antecedeu o golpe, mas inclusive
caracterizaram as ações das massas, que se confrontavam com as classes
dominantes em uma perspectiva independente, como ultra-esquerdistas e
supostamente úteis à articulação do golpe. Pela inexistência de uma direção
revolucionária que questionasse essa interpretação, ela influenciou
profundamente as idéias da esquerda até os dias atuais, constituindo-se num
obstáculo para que a vanguarda da classe operária tire conclusões
revolucionárias de uma das principais experiências de luta de classes em toda
a história do país.

Como buscaremos demonstrar a seguir, um balanço marxista do processo
em questão não surgiu no bojo do próprio golpe, quando as direções
operárias que se localizavam à esquerda do PCB, de uma forma ou de outra,
terminaram adaptando-se ao nacionalismo burguês; não foram parte dos
grupos guerrilheiros que se enfrentaram contra a ditadura militar, ainda que neste momento os inúmeros stalinistas renegados desgarrados da
degeneração do “Partidão” e suas adjacências buscassem por distintas vias
criticar sua “matriz original” ; e tampouco surgiu frente ao ascenso operário
de fins dos anos 70 e que percorreu toda a década de 80, nem mesmo pelas
mãos das novas correntes trotskistas que nestes anos se constituíram e
adquiriram influência.

1.UMA POLÃ TICA OPERÃ RIA INDEPENDENTE FRENTE AO GOLPE DE 64

O primeiro erro no qual em geral se recai ao analisar o golpe de 64 é
separar os acontecimentos imediatamente precedentes ao dia 31 de março
deste ano do período precedente. Desde o ângulo específico das vésperas do
golpe, o PCB, através do CGT, de fato convocou uma greve geral,
convocação esta que não foi atendida pelas massas. Mas, como procuramos
demonstrar na análise do conjunto do processo, esta foi uma derrota
anunciada. Para avaliar corretamente o papel cumprido pelo PCB, é
necessário partir de sua atuação, como mínimo, desde o momento em que
se abriu uma situação pré-revolucionária no país.

Pelo menos desde a posse de Jânio Quadros, em janeiro de 1961, frente
aos nítidos movimentos de setores dominantes mais diretamente ligados à
UDN civil e militar no sentido de preparar um golpe de Estado bonapartista
de direita, já era necessário começar a organizar milícias operárias e
camponesas para resistir à ameaça golpista, como fizeram as Ligas
Camponesas. Da mesma forma, como meio de desmascarar frente às massas
os setores supostamente “nacionalistas e democráticos” da burguesia e das
Forças Armadas ligados a Jango e Brizola, era necessário exigir destes que
fornecessem armas para a organização das milícias populares que deveriam
resistir ao golpe. Entretanto, o PCB fez exatamente o contrário.
Conseqüente com sua linha, desde 1954, de compor uma aliança estratégica
com o trabalhismo, apoiou o governo de JK e assumiu de forma cada vez
mais orgânica o programa das “reformas de base” e a estratégia de
implementá-las pela via eleitoral, conquistando espaços no Estado burguês;
além de ter atuado como “conselheiro de esquerda” do governo de Jânio.

Frente à crise nacional aberta com a renúncia de Jânio Quadros, que
incluiu certo vazio de poder causado pela incapacidade dos ministros
militares de consolidar o golpe, estavam colocadas as condições e a
necessidade de lutar por um governo provisório das organizações operárias
(intersindicais combativas, CGG) e camponesas (Ligas Camponesas, Ultab)
em luta. A luta por um governo deste tipo deveria estar ligada: 1) à luta pela
formação de milícias de operários junto aos sindicatos, e de camponeses,
junto às Ligas para resistir ao golpe, chamando operários e camponeses a se solidarizaram com as bases das Forças Armadas rebeladas e exigindo que
todo militar ou direção burguesa que se colocava contra o golpe repartisse
armas à população. 2) À luta por um programa operário independente que
respondesse às demandas mais sentidas pelo movimento de massas numa
perspectiva independente da burguesia (tanto do programa da UDN quanto
das “reformas de base” janguistas), que tivesse como pontos centrais: a
expropriação do latifúndio e repartição das terras entre os camponeses pobres,
principalmente das terras mais produtivas, sob controle dos próprios
camponeses, com crédito barato do Estado para financiar sua produção; o
reajuste automático dos salários de acordo com o aumento do custo de vida,
com um salário mínimo capaz de atender as necessidades básicas de uma
família; e a estatização sem indenização e sob controle dos trabalhadores das
grandes indústrias e empresas de serviços essenciais à população. 3) À luta por
uma Assembléia Constituinte Revolucionária, sob as ruínas do regime então
vigente, da qual participassem todas as organizações operárias e camponesas,
proporcionalmente ao peso social real que estas têmna sociedade, que ajudasse
as massas a superar suas ilusões na democracia burguesa. 4) À luta para que se
desenvolvessemconselhos (soviets) de operários, camponeses e soldados, com
delegados eleitos com mandatos revogáveis por local de trabalho, para
conformar um governo baseado na democracia direta das massas.

Entretanto, o PCB atuou de modo a colocar a classe operária e o
movimento camponês a reboque da burguesia janguista. O programa
máximo do PCB no auge da crise foi a posse de João Goulart. Para tal, buscou
uma aliança com todas as forças políticas burguesas e militares “nacionalistas”
que se colocaram contra o golpe. Seu papel na greve geral que se estendia por
todo o país e seu chamado à formação de “comitês de resistência democrática”
nas fábricas, escolas e bairros estava a serviço desta política. No dia 1º de
setembro de 1961, em pleno auge da crise, o PCB declarava:

Somente o povo unido e organizado poderá apoiar eficazmente as autoridades e as
forças militares que se mantêm fiéis à democracia (...) Contra os golpistas, em defesa
da Constituição e pela posse imediata de João Goulart, realizemos por toda parte
comícios, manifestações e passeatas, tornemos efetiva a greve geral, paralisemos o
trabalho nas fábricas, nas empresas, nas repartições e nas escolas! [1]

Junto com a burguesia e os militares “nacionalistas” , com os quais buscou
se aliar pela posse de Jango, o PCB, ao desmontar a greve geral em curso,
terminou atuando em favor da conciliação com os golpistas, que culminou
na diminuição dos poderes de Goulart através da emenda parlamentarista.
No dia 1º de setembro o PCB dizia:

Qualquer solução que restrinja ou anule os poderes do presidente significaria uma
concessão inadmissível ao grupo militar reacionário, cuja intenção é manter o poder
executivo sob sua tutela, pisoteando a vontade livremente expressa da nação. (...)
Os comunistas denunciam energicamente à classe operária e ao povo a infame
tentativa de conciliação com o grupo golpista reacionário, contida na proposta de
emenda parlamentarista. [2]

Entretanto, no próprio dia da votação da emenda parlamentarista, 4 de
setembro, declara:

O povo brasileiro tem justos motivos para festejar na posse do sr. João Goulart uma
vitória do seu bom combate pela democracia e contra o golpe. Certamente que as
massas estarão nas ruas de todo o país para festejar esse triunfo contra a reação e a
ditadura. Mas também para dizer que exigem do novo governo ’ afastados e
exemplarmente punidos os cabecilhas do golpe ’ uma firme política independente
e progressista, de respeito às liberdades e aos direitos dos trabalhadores. [3]

Ou seja, o PCB, ao desmontar a greve geral e canalizar a energia das
massas para exigir a punição dos chefes golpistas, por um governo que surgiu
da conciliação com os próprios golpistas, não só participa ativa e
vergonhosamente da saída parlamentarista para a crise aguda que estava
aberta, mas dava seu “aval” para que as conspirações golpistas continuassem
sendo articuladas impunemente.

Brizola cumpriu o eficaz papel burguês de desmobilizar as massas
levantadas do Rio Grande do Sul e o III Exército que, segundo suas próprias
palavras, estavam dispostos e preparados para marchar com 90 mil homens
armados sobre Brasília para fechar o Congresso dirigido pela UDN e pelo
PSD e convocar uma Assembléia Constituinte em 60 dias. O PCB cumpriu
o eficaz papel traidor de desmontar a greve que se alastrava por todo o país.
Ambos, juntos, desviaram a energia combativa das massas para uma política
de pressão “pela esquerda” ao novo governo.

Com a posse de Jango, mediante a implementação do regime
parlamentarista, de setembro de 1961 a março de 1964, como sintetizamos
acima, o país viveu fluxos e refluxos de uma etapa revolucionária. Durante
todo este período, era possível e necessário formar milícias populares para
resistir ao golpe militar, alimentando a confraternização das massas com as
bases das Forças Armadas rebeladas. Quanto mais avançava a preparação do
golpe aos olhos de todos, mais a exigência a Jango, Brizola e os militares
“nacionalistas e democráticos” para que repartissem armas ao povo, adquiria o poder de desmascarar as direções nacionalistas burguesas entre as massas. O
desgaste do Congresso junto à população, emfunção da resistência à delegação
de plenos poderes para JoãoGoulart ou da resistência a suas “reformas de base”
colocava em primeiro plano a luta por uma Assembléia Constituinte Livre e
Soberana, que discutisse os problemas estruturais do país como a reforma
agrária e a dominação imperialista. Esta luta teria um enorme potencial para
organizar asmassas ao redor de umprograma independente de todos os setores
da burguesia, ajudando-as a perceber que o poder da burguesia reside não no
parlamento e sim nas forças económicas e militares, alentando assim o
desenvolvimento de milícias populares e organismos de tipo soviético. O
contínuo ascenso de greves e lutas no campo e as recorrentes rebeliões nas
bases das Forças Armadas colocavam a possibilidade e a necessidade de
formarem-se conselhos de operários, camponeses e soldados com delegados
eleitos e revogáveis por assembléias nos locais de trabalho, levantando as bases
de um governo baseado na democracia das massas.

No entanto, como demonstramos ao longo deste artigo, o PCB, durante
todo este período foi um instrumento a serviço da burguesia (e por esta via
do imperialismo) para conter a espontaneidade e a ação independente do
proletariado, das massas camponesas e das bases rebeladas das Forças
Armadas, canalizando-a para as ilusões do reformismo nacionalista burguês;
e, nos momentos em que esta espontaneidade ultrapassava os limites
impostos pelo PCB e explodia em ações independentes de luta de classes, a
direção stalinista era o “bombeiro” da burguesia, responsável por isolar,
desviar e com isto trair cada um destes processos.

Neste marco, ao avaliar a ausência de grandes derramamentos de sangue
no dia 31 de março de 1964, só a mais irónica hipocrisia stalinista póde
transformar uma das maiores traições da história da luta de classes em nosso
país em uma suposta “falta de disposição” das massas para resistir. O sangue
que não foi derramado naquele dia, com a conivência do PCB, jorrou nos
anos anteriores [4] e posteriores ao golpe, junto com o suor da hiperexploração
com a qual a ditadura esmagou o proletariado e cimentou o
“milagre económico” . É nestes termos que devemos reeducar a vanguarda da
classe operária brasileira.

Após o golpe, como não poderia ser diferente, não foram poucas as
críticas que surgiram ao PCB, em grande parte de setores desgarrados do
próprio stalinismo que rumaram para as guerrilhas, e também por setores
exilados. Algumas destas críticas chegaram a abarcar aspectos importantes do
que desenvolvemos aqui, como a necessidade do PCB de ter organizado a
resistência armada das massas ao golpe militar, sem entretanto combinar
este problema com a necessidade da independência política e organizativa
em relação ao nacionalismo burguês e, obviamente, nem falar de organismos
de tipo soviético. Os mesmos militantes que constituíram as guerrilhas e se
organizaram em pequenos destacamentos armados isolados das massas para
tentar resistir aos milicos em fins dos 60 e inícios dos 70, diante da crise da
ditadura militar e das greves massivas de 78-80, não lutaram pela formação
de milícias operárias ligadas aos sindicatos e às comissões de fábricas para
derrubar os milicos pela via insurrecional; revelando (agora na prática, e não
como “balanço crítico” ) que no fundo nunca chegaram a superar a matriz
stalinista, o reformismo armado destes foi apenas uma carapaça ultraesquerdista
que escondia “pela esquerda” a política de conciliação de classes.

Ou seja, frente ao primeiro processo agudo da luta de classe após 1964, a
“velha geração” agora “crítica” do stalinismo demonstrou na prática que não
tirou as conclusões necessárias da experiência com o PCB nos anos 50-60.
Mas não só ela.Tambéma “nova geração” [5] trotskista que surgia no calor deste
mesmo processo ’ como era o caso das distintas correntes do movimento
trotskista internacional (morenismo,mandelismo e lambertismo) ’ semostrou
incapaz de tirar essas conclusões, inclusive no que diz respeito à tradição
trotskista precedente no país, repetindo muitos dos erros do passado.

Frente à crise da ditadura e as greves massivas de 78-80, nenhum destes
setores foi capaz de lutar pela necessidade vital de formar milícias operárias
para resistir à repressão dos milicos, exigindo da burocracia lulista que as
organizasse, e com isso desmascarando-a aos olhos das massas, pois os
“autênticos” temiam os piquetes e os operários armados mais do que a
polícia. Nenhum setor desta “nova esquerda” lutou para que as comissões de
fábricas, o fundo de greve e os comitês de bairros que surgiram após a
repressão à greve de 1980 se coordenassem e se desenvolvessem como
organismos de tipo soviético, como já vinha ocorrendo de forma
embrionária em vários lugares, exigindo da burocracia lulista que se
submetesse às decisões destes organismos, mais uma vez desmascarando-a
aos olhos das massas, pois Lula declarava abertamente que estes organismos
eram “perigosos” e deveriam ser “sufocados” ou “controlados” . Se não foram defendidas estas questões elementares, muito menos se travou uma luta para
que as greves, que começavam por motivações económicas e terminavam se
enfrentando com o regime pelas duras leis de arrocho salarial e restrição à
greve, se transformassem em greves diretamente políticas e insurrecionais
pela derrubada da ditadura.

Pelo contrário, sejam os setores desgarrados do velho Partidão ou os
“novos” trotskistas, todos terminaram seguindo a direção lulista que, com
um programa rebaixado e corporativo, isolava os trabalhadores mais
avançados e em luta do conjunto da massa de trabalhadores do país e os
impedia de travar uma luta independente pela derrubada da ditadura; que
em conjunto com as alas “nacionalistas e democráticas” (“autênticos” do
MDB) da burguesia que pactuavam com a ditadura uma transição “lenta,
gradual e segura” para o capitalismo “democrático” e que iria culminar nas
famosas “Diretas Já” .

Esta tradição petista ’ que não tirou as conclusões programáticas e
estratégicas elementares do processo revolucionário que culminou no golpe
de 64 e que no ascenso dos anos 70-80 incorreu em erros semelhantes aos
da história do Partidão e do posadismo nos anos 50-80 ’ vai marcar até hoje
a vanguarda do proletariado no país.

Daí a importância de abrir este debate junto à vanguarda da classe
operária brasileira.

2. O TROTSKISMO NO BRASIL DE 1952 A 1964

Após a Segunda Guerra Mundial, com Trotsky já morto desde 1940, o
movimento trotskista internacional não soube responder aos enormes
desafios colocados pela luta de classes. Ao contrário do que Trotsky previa,
o stalinismo não saiu derrotado e nem tampouco debilitado da Segunda
Guerra, e sim enormemente prestigiado por ter colaborado na derrota dos
exércitos nazistas, ainda que com uma política nefasta, que incluiu um pacto
com Hitler durante a primeira fase da guerra, e custou a vida de milhões de
trabalhadores e camponeses soviéticos. O avanço do Exército Vermelho
sobre os países do Leste europeu como resultado da guerra e sua anexação à
URSS deu novo gás à economia soviética. As revoluções que eclodiram em
países semi-coloniais como a Iugoslávia e a China no pós-guerra, como
subproduto do enorme debilitamento dos imperialismos Japonês e Europeu
no conflito, e da pressão revolucionária das massas nestes países, por terem
sido dirigidas por Partidos Comunistas, aumentaram o prestígio do
stalinismo em todo o mundo, agora também nas vertentes de Mao e Tito.

Frente a estas condições, surgiu dentro do movimento trotskista
internacional uma corrente, dirigida porMichel Pablo (e por isso conhecida
como “pablismo” ou “pablista” ), que revisou profundamente aspectos
fundamentais da tradição de Trotsky no plano teórico e propós na prática a
liquidação do nosso movimento.

As revisões centrais de Pablo consistiram em conceber que, com o
fortalecimento do stalinismo e o avanço do modo de produção económico
planificado em nível mundial no pós-guerra, o imperialismo, para
restabelecer o equilíbrio capitalista, precisaria necessariamente avançar com
métodos de guerra sobre os Estados operários deformados; ao mesmo tempo
em que as massas da URSS, com seu desenvolvimento económico e cultural,
exerceriam uma pressão revolucionária sobre a burocracia do Kremlin, assim
como as massas dos países coloniais e semi-coloniais exerceriam uma pressão
revolucionária sobre os PCs em todo o mundo. E estas condições objetivas
transformavam o caráter do stalinismo, pois a burocracia contrarevolucionária
que precisava ser derrubada pelos métodos da Revolução
Política nos Estados operários deformados passaria a ser uma burocracia
extremamente débil e capaz de se auto-reformar e regenerar-se rumo ao
socialismo [6]. De traidor da revolução mundial o stalinismo teria se transformado em aliado desta [7]. Os PCs, que em todo o mundo constituíam
um instrumento a serviço do imperialismo e das burguesias nacionais a
serviço de frear a revolução, teriam se transformado em partidos capazes de
regenerar-se e dirigir a revolução. Segundo Pablo,

(...) os Partidos Comunistas dos países capitalistas encontram-se conseqüentemente
em condições absolutamente diferentes daquelas dos tempos pré-guerra (...) Nos
países onde os PCs constituem a maioria da classe operária, eles podem, sob a pressão
das massas, ser levados a adotar uma orientação revolucionária contrárias às diretrizes
do Kremlin, sem abandonar a bagagem teórica e política herdada do stalinismo. [8]

Coerente com esta revisão no plano teórico, na prática, Pablo e seus
seguidores passaram a adotar uma linha de adaptação e capitulação cada vez
mais aberta ao stalinismo em todos os planos. Desde o ponto de vista
político-organizativo, propós a liquidação do trotskismo através da entrada
das organizações trotskistas nos PCs em todo o mundo de forma
indiscriminada e por tempo indeterminado, com a estratégia de influenciar
sua direção (política que ficou conhecida como “entrismo sui generis” ).

O impressionismo e o oportunismo de Pablo em relação ao
fortalecimento do stalinismo não lhe permitiu enxergar que a relação entre
o imperialismo norte-americano e o stalinismo era extremamente
contraditória. Coexistia uma relação de competição que se expressava na
Guerra Fria, com uma relação de colaboração que se expressava nos acordos
de Yalta e Potsdam. Nesse sentido, o stalinismo, ao mesmo tempo em que
era obrigado a alentar o desenvolvimento de lutas e fazer demagogia da
revolução em etapas para manter seu prestígio entre as massas, constituía-se
em um dos principais instrumentos a serviço do imperialismo e das
burguesias locais para conter e desviar a revolução. Isso não excluía que,
como o próprio Trotsky previu em 1938 [9], sob condições excepcionais de debilidade dos imperialismos derrotados na guerra, partidos stalinistas
fossem obrigados a ir mais além do que queriam na expropriação da
burguesia para não serem atropelados pelas massas, como ocorreu na
Iugoslávia e na China.Mas o unilateralismo de Pablo lhe fez não querer ver
que o boom económico capitalista do pós-guerra, apesar de ser parcial e não
ter um caráter orgânico na medida em que se baseava na reconstrução das
forças produtivas destruídas pela própria guerra, chegou a desenvolvê-las
em patamares superiores aos da época de livre competição pré-imperialista,
contribuindo para a estabilização dos países centrais; que a destruição dos
imperialismos japonês e europeu durante a guerra permitiu que os EUA se
desenvolvessem como potência hegemónica em nível mundial; e que, como
explicamos acima, os novos Estados operários deformados que surgiram,
apesar de estimularem as massas em outros países e debilitarem o
imperialismo, fortaleciam o prestígio do stalinismo, que o utilizava a serviço
de trair novas revoluções. O impressionismo e o oportunismo de Pablo lhe
impediram de ver que este conjunto de fatores estabeleceu um relativo
equilíbrio capitalista de 1949 a 1968.

Nestas condições, era necessário guardar a mais completa independência
política e organizativa em relação ao stalinismo, construindo partidos
trotskistas que se preparassem para, frente aos futuros processos
revolucionários, arrancar as massas da influência do stalinismo frente a suas
grandes traições [10]. Mesmo nos países em que o stalinismo, pela pressão das
massas, fosse obrigado a expropriar a burguesia e planificar a economia, era
necessário reservar uma imperiosa independência política e organizativa para
lutar, entre outras questões fundamentais, pelo desenvolvimento de
organismos de tipo soviético e pela revolução internacional; luta esta que se
daria necessariamente em confronto direto com o stalinismo.

O pablismo constituiu parte do que nós da Fração Trotskista - Quarta
Internacional definimos como “centrismo trotskista de Yalta” [11]. Um
importante setor do movimento trotskista resistiu ao revisionismo e ao
liquidacionismo pablista. Entretanto, por distintos motivos, que extrapolam os objetivos deste artigo, os demais setores do movimento trotskista também
não foram capazes de responder aos desafios colocados pela nova realidade
do pós-guerra, revisando e distorcendo, desde distintos pontos de vista, a
tradição trotskista. De conjunto, o centrismo de Yalta, que se dividiu em
várias correntes, manteve poucos fios de continuidade com a tradição de
Lênin e Trotsky. Neste artigo, caracterizamos sinteticamente a corrente
pablista por ser esta a que dirigiu o trotskismo no Brasil durante toda a
década de 50 e 60.

A inserção do pablismo no Brasil

Assim como no movimento trotskista internacional, no trotskismo
brasileiro vai haver uma importante ruptura dos fios de continuidade entre
a tradição que se constitui na década de 50 e a tradição formada nos anos
30 pela LCI e pelo POL comMário Pedrosa, Lívio Xavier e Aristides Lobo.
Mário Pedrosa e com ele vários dos principais quadros da antiga LCI se
afastam do trotskismo por divergências em relação à natureza de classe da
União Soviética e à política de defesa do Estado operário degenerado frente
ao ataque imperialista, aproximando-se das posições deMax Shachtman nos
EUA quando este ficou exilado neste país a partir de 1939 em função da
ditadura varguista [12]. Nesse sentido, o PSR de Hermínio Sachetta, [13]
organização que reivindicou o trotskismo no Brasil na década de 40, já vai
conter diferenças em relação ao trotskismo dos 30, expressas não só na
mudança do elenco dirigente, mas também nas publicações. Às vésperas do
III Congresso da IV Internacional, que ocorreu em agosto de 1951 na
Europa, uma plenária do PSR explode e seus principais dirigentes, incluindo
Sachetta, deixam de militar, restando apenas 4 militantes (antes dessa
explosão estima-se que o PSR tinha de 25 a 30 militantes). Não se sabe ao
certo as razões da desagregação do PSR. Algumas avaliações apontam para
uma aproximação de Sachetta com as idéias de Pedrosa em relação à URSS;
outras apontam para divergências de Sachetta em relação ao pablismo que
naquele momento já influenciava amplos setores da IV com suas teses; e
outras ainda apontam para uma ligação de Sachetta com Cannon nos EUA
e NahuelMoreno na Argentina [14], que também se opunham ao revisionismo e o liquidacionismo pablistas.Mas nenhuma destas se confirma claramente
através dos poucos documentos disponíveis [15].

Em meados de 1952, J. Posadas, principal representante de Pablo na
América Latina, dirigente do Buró Latino Americano (BLA) do Secretariado
Unificado (SU) da IV Internacional e dirigente do CGI na Argentina [16],
enviou Guillermo Almeyra (pseudónimoManuel) para construir um grupo
no Brasil sob sua influência. Em novembro de 1952 é publicada a primeira
edição do jornal Frente Operária, que vai nuclear ao redor de si o grupo de
militantes que conformam o POR. A princípio, este grupo é composto por
três quadros que viriam do PSR, dois que viriam do PSB e um estudante da
faculdade de direito. Em 1952 saem dois números do Frente Operária. Em
1953, o periódico sai quase mensalmente. Em 1954, são publicadas duas
edições. Em 1955, quatro edições. Em 1956, apenas duas. Ao longo de 1957
e 1958, saem três edições. A depender da fonte, estima-se que o POR, ao
longo da década de 50, chegou a reunir entre 20 e 50 militantes. [17]

Desde sua origem, O POR já evidenciava a forte influência das idéias de
Pablo. Já no jornal de agosto de 1953, Guillermo Almeyra escreve um artigo
no qual evidencia-se o propósito de introduzir a política de entrismo no
Partido Comunista. Neste artigo Guillermo afirma que o stalinismo fora
“uma deformação transitória, uma etapa breve do movimento operário de
certos países, em sua marcha vitoriosa para o socialismo mundial” , e que
“tal como bactérias (...) a burocracia morre quando é posta em contato com
o vento quente da luta revolucionária do proletariado” [18].

A política de entrismo sui generis no PCB

A III Conferência latino-americana do BLA, realizada no Chile em
março de 1954, vota definitivamente o entrismo do POR no PCB. A resolução da Conferência afirmava: “No Brasil nossa tarefa é desenvolver,
no entrismo total no PCB, o desenvolvimento da base do Partido Marxista
Revolucionário” . Ao final de 1954, os delegados do POR no IV Congresso
da IV Internacional realizado na França, voltaram com um ultimato para
que se concretizasse a resolução política tomada na III Conferência latinoamericana.
A resolução do IV Congresso dizia: “(...) no Brasil, o núcleo de
nossas forças deve lançar-se a um trabalho de grande fólego no seio da
organização e do movimento de massas influenciado pelo PCB” [19]. Este
Suplemento afirma que a nova tática consistia na “reunião mais eficaz
possível das forças revolucionárias conscientes maiores que as nossas e
formar, na fusão com elas, grandes partidos marxistas revolucionários.” [20]

No jornal do POR que implementa o “giro” , ainda emdezembro de 1954,
consta o seguinte alerta: “Não pretendemos que ninguémsaia do PCB” [21]; ou,
dito de forma mais clara: “o militante do PCB, evoluindo para posições
marxistas leninistas da IV Internacional, não deve abandonar o PC pois este
partido agrupa hoje uma parte considerável da vanguarda brasileira” [22]

Desta forma, o POR vai constituir-se num obstáculo para que a crise do
PCB a partir da publicação do relatório Kruchev e do XX Congresso do
PCUS, em meio ao ascenso operário e camponês de fins da década de 50,
possa ser capitalizada para a formação de um partido revolucionário. Em
função desta crise, segundo a avaliação de José Maria Crispim, o PCB teria
sofrido uma queda de 150milmilitantes em1956 para 5 ou 10mil em1957.
Segundo a avaliação de Chilcote, o PCB caiu de 100 a 130 mil militantes em
1956-57 para 50 mil em 1958. EMoisés Vinhas dá números mais próximos
aos de Crispim, afirmando que o PCB teria ficado com 9 mil militantes [23].

Em 1957, frente à ruptura rumo ao nacionalismo burguês da corrente de
Agildo Barata com o PCB, o POR declara:

No plano organizatório não é possível romper os laços com a base militante do PCB.
Muito pelo contrário, é necessário agir no sentido de desenvolver uma tendência
anti-burocrática de esquerda dentro do PCB. Sem capitular politicamente frente
aos stalinistas, os elementos de oposição devem fazer tudo para permanecer dentro
do PCB, para ajudar a evolução de um grande número de companheiros. (...) Não
obstante as deformações de alguns grupos oposicionistas, a crise segue objetivamente
o caminho de recomposição das forças do comunismo revolucionário. [24]

Tendo como pano de fundo a crise do PCB, o processo de reorganização
política que se operava emsetores de vanguarda e a trágica experiência de anos
de entrismo neste partido, os militantes do POR, a partir de 1958, vão
expressar crises em relação à continuidade desta política. Em informe a
Posadas, Gabriel Labat (pseudónimoDiego), naquelemomento representante
argentino do BLA que ajudava a construir o POR no Brasil diz:

Também é verdade outro fato que nossos camaradas da Seção Brasileira interpretam
incorretamente. Eles dizem: os melhores elementos saíram do PCB (...) Nossos
camaradas afirmam que é necessário um amplo agrupamento das esquerdas fora do
movimento comunista, que o movimento comunista está liquidado (...) Mas esse
partido liquidado, em desintegração, é hoje um centro de discussão colossal. Mas
não apenas isso: é o único lugar em todo o Brasil onde se discute, de alguma forma,
a necessidade de uma política independente de classe (...) Nossos camaradas afirmam
que seria impossível entrar no PC, um partido que expulsa as pessoas e vive uma crise
centrífuga. Algo de verdade nisso existe (...) Não podemos fazer nada no PC, nem
lutar por uma tendência de esquerda, enquanto essa tendência não der um passo
para frente! O que há de esquerda no comunismo? ’ é a pergunta que fazem os
camaradas. (...) O errado no trabalho de nossos camaradas não foi a tática nem a
orientação da Internacional para a situação no Brasil, nem que a Internacional não
tenha compreendido suficientemente a situação do Brasil, como às vezes os
camaradas afirmam. [25]

Na resposta ao informe de Gabriel, Posadas referenda todas as suas
posições, defende o entrismo e reclama que a Seção Brasileira afirmava
sinceramente confiar na Internacional, mas na verdade não confiava: “Sobre
a crise do PC, não há nenhuma razão para supor que o PC está liquidado
(...) Está longe de ter se rompido, ainda falta um processo bastante longo se
é que o PC vai romper. Isto foi discutido no V Congresso Mundial e o
camarada Pablo concordou conosco” . [26] Como fundamento da crise, agregase
o fato de que o PCB educava seus militantes a rechaçarem qualquer tipo
de relação com trotskistas, taxando-os de agentes imperialistas, chegando
inclusive a constar esta orientação em seus estatutos [27].

O resultado desta crise foi que o POR passou a fazer um amálgama entre
manter a política de entrismo sui generis no PCB e impulsionar uma nova tática de unificação dos pequenos grupos que participavam do processo de
reorganização política que se desenvolvia à esquerda do PCB, do PTB e do
PSB. Aparentemente tendo como marco inicial os preparativos para o 1º de
maio de 1959, o POR passa a desenvolver um debate privilegiado com a
Liga Socialista Independente (LSI) [28] e a Juventude Socialista (JS), para o
qual publica um documento denominado “Teses Programáticas” para a
discussão com a esquerda. O amálgama entre a velha e a nova política se
expressa nas próprias teses:

O que se trata, portanto, é de proceder a um reagrupamento comunista
revolucionário (...) Naturalmente o novo partido de que se necessita não é uma
simples continuação do PC com seus vícios organizativos. É um novo partido em
todo sentido (...) só que tal partido sairá da matriz do velho movimento comunista,
como sua continuação natural, depois da crise atual. [29]

Em agosto do mesmo ano, formou-se uma Comissão pela Unificação
dos Grupos Marxistas, constituída por militantes de todas as tendências.
Mas o processo teve sua primeira explosão já no mês seguinte, em setembro,
aparentemente em função de divergências com relação a uma candidatura
eleitoral, resultando na saída do POR [30]. Em fins de janeiro de 1960, realizase
uma Conferência do POR na qual se encerra a tática de buscar uma
unificação com os pequenos grupos que compunham o processo de
reorganização à esquerda do PCB, do PTB e do PSB e se reafirma a política
de entrismo sui generis no stalinismo. [31]

No jornal Frente Operária de julho de 1960, observamos a manutenção da política
anterior, incluindo seu aspecto mais sórdido, a contenção das rupturas com o PCB:
“O Partido Comunista evolui objetivamente no sentido de escapar de sua velha
condição de agência, no país, da política e dos interesses da burocracia soviética. Trata-se aí da conclusão lógica extrema, do processo de desestalinização que
prosseguiu, apesar de tudo. (...) Deste modo o PC cai sob a influência e a pressão
das diferentes forças e classes sociais do país e do exterior, que por sua vez influem
no país (revolução chinesa, revolução cubana etc.). Sob esta influência e esta pressão
o partido se diferencia em duas alas. O curso desta diferenciação é imprevisível. (...)
Pode resultar em cisões, pela expulsão ou pela ruptura de uma ala da direção. Pode
também acontecer que ambas as tendências convivam durante um período no
interior do mesmo Partido, que neste caso não poderá deixar de ter um certo caráter
democrático e que, devido à força da esquerda e à pressão das massas e da revolução
atue como um Partido centrista, em processo de esquerdização. É também possível
que a ruptura da dependência da burocracia soviética passe por uma etapa
intermediária de luta de influência entreMoscou e Pequim. Em todo caso, esta luta
de influências só poderá desembocar numa influência crescente da revolução e do
movimento de massas. (...) São estas as razões objetivas que nos levam a ser
sumamente otimistas no que se refere à crise do PC, e a prognosticar a inevitável
derrota da direita. (...) Nós não estamos pela divisão do Partido e acreditamos que
o melhor caminho para o desenvolvimento de uma ampla esquerda comunista
marxista-revolucionária, com autoridade e força para intervir como direção da
vanguarda operária na próxima Revolução brasileira consiste na continuação da
discussão democrática no seio do Partido. [32]

Aproximadamente no mês de novembro de 1960, o POR volta a
aproximar-se do processo de unificação de pequenos grupos à esquerda do
PCB, que continuou se desenvolvendo apesar de seu afastamento. Neste
período, constitui-se a “Frente das Esquerdas” , que passa a aglutinar a
Juventude Socialista, a LSI, o POR, e militantes da JuventudeTrabalhista, do
PCB [33] e do PSB, transformando-se posteriormente em “Frente Juvenil das
Esquerdas” . [34]

Entretanto, às vésperas da renúncia de Jânio Quadros, no jornal
publicado na 2ª quinzena de agosto de 1961, a seguinte declaração do POR
demonstra que sua participação na “Frente Juvenil das Esquerdas” não estava
a serviço de construir um partido revolucionário de vanguarda sob as botas
do stalinismo e sim estava subordinada à tática de entrismo sui generis:

(...) para amplos e decisivos setores da vanguarda operária, o caminho para o Partido
Revolucionário corresponde ao de uma transformação, uma mudança radical no P.
Comunista. (...) É preciso conduzir o trabalho dos marxistas-revolucionários de nosso movimento no sentido de ajudar estes destacamentos decisivos da vanguarda
operária a avançar pelo caminho que eles mesmos se propõem (...)” . [35]

O PROGRAMA DO POR

As conseqüências do revisionismo pablista no plano políticoprogramático
se expressam na aberta adaptação do POR não só ao PCB,
mas também diretamente ao nacionalismo burguês, ultrapassando os limites
do mais elementar corte de classe. É isso que se expressa na política
permanente do POR, desde sua fundação, por uma “Frente Única Anti-
Imperialista” com burgueses “nacionalistas” do PTB e do PSB, contendo
aspectos centrais de um programa que só poderia ser levada a cabo pela classe
operária em confronto com todas as frações da burguesia.

Propomos que a Frente única do PTB, PC, PSB e POR (trotskista), inicie a luta
efetiva pela nacionalização de uma série de empresas como a Light, as Docas de
Santos, aTelefónica. Que inicie a luta efetiva pela denúncia do tratado militar Brasil-
Estados Unidos (...) Consideramos que uma legítima Frente Única Anti-
Imperialista, não tem por que reduzir-se a medidas específicas de luta
antiimperialista e que pode e deve assumir no país a luta contra o latifúndio, pela
reforma agrária (...) Em outros planos, a Frente Única Anti-Imperialista deve lutar
pelas liberdades democráticas, pelo direito de voto aos analfabetos e pela legalidade
de todos os partidos políticos. (...) E também deve atender, como uma frente
essencial de defesa do nível de vida dos trabalhadores, o aumento imediato do salário
mínimo e o aumento de todos os salários, de acordo com o custo de vida e a
implantação da escala móvel de salários com controle operário. (...) Se bem que
consideramos que os filiados ao PC, ao PSB, ao PTB, logicamente queiram levar a
discussão e a luta por este programa no interior de suas organizações e que seu
objetivo será fazer com que suas direções assumam uma posição de acordo com o
espírito das bases, consideramos também, pelo fato de que nenhum destes pontos
esteja em discordância com o programa e os objetivos reclamados pelos dirigentes
destes partidos, possam e devam constituir desde já, comitês anti-imperialistas em
todas as partes, nos municípios, bairros, fábricas, sindicatos, Faculdades, com a
participação dos afiliados de todos ou alguns destes partidos e iniciar imediatamente
a luta por estes objetivos. A solução eleitoral que está mais de acordo com as
necessidades das massas é a Frente Única eleitoral do PTB, PC, PSB e POR
(trotskista), sob a bandeira anti-imperialista (...). [36]

As demandas justas das massas levantadas pelo POR como programa ’
que constituíam justamente os débeis fios de continuidade do POR com a
tradição de Trotsky ’, dirigidos ao PTB e ao PSB, transformavam-se em seu
contrário, servindo para “lavar a cara pela esquerda” da burguesia
supostamente “nacionalista” .

Nestas condições, frente à crise da renúncia de Jânio, como não poderia ser
diferente, o POR levanta uma política completamente capituladora ao PCB
e a Brizola.No jornal Frente Operária publicado em8 de Setembro de 1961 [37],
a primeira edição após a renúncia de Jânio, composta essencialmente de uma
declaração assinada pelo “Buró Latino-americano da IV Internacional” em
28.06.1961, o POR não denuncia a traição já em curso pelas mãos do PCB
e nem tampouco o desvio que já articulava Brizola; assim como não faz
qualquer tipo de exigência à direção stalinista e nem tampouco às direções
nacionalistas burguesas. Sobre estas direções, o POR se limita a dizer:

A classe operária interveio debilmente na crise, as direções operárias do PC e as
direções sindicais a mantêm em passividade, enquanto Goulart não tem interesse em
apelar para mobilizações independentes. (...) As massas brasileiras não foram
chamadas a intervir. (...) Os sindicatos estão nas mãos dos agentes do trabalhismo
e dos burocratas do PC, que se põe à disposição da atual ala burguesa da Goulart. [38]

Se não fez neste momento nem as exigências mais elementares à direção
stalinista, como por exemplo a de organizar milícias de operários e
camponeses para resistir ao golpe, muito menos fez a exigência de que, frente
ao vazio de poder que se instalou no país, o PCB rompesse com a burguesia
e lutasse por um governo provisório das organizações operárias
(Intersindicais combativas, CGG) e camponesas (Ligas, ULTAB) em luta.
Essa exigência era chave para acelerar a experiência das massas com a direção
reformista e conciliadora do PCB e alentar as massas a buscar novas direções
políticas revolucionárias. Conseqüente com as concepções que
fundamentam o entrismo sui generis, não é feita qualquer menção à
necessidade de construir um partido revolucionário em luta encarniçada
contra o PCB, e sim apenas são ditas generalidades embelezadoras do PCB
como:

Careceu de partidos de massa e de classe. (...) No Brasil as massas não podem intervir
porque lhes falta uma central única operária. Os camponeses não estão organizados maciçamente em sindicatos e os operários não contam com o partido operário
independente de massas. [39]

Na medida em que esta declaração do BLA não mencionava nada sobre
o problema chave da divisão existente no campo entre o PCB por um lado
e as Ligas Camponesas por outro, defendendo uma “reforma agrária” em
geral, o POR terminava embelezando a reforma agrária contidas nas
“reformas de base” janguistas que o PCB apoiava [40].

A vergonhosa capitulação ao PCB e às direções nacionalistas burguesas
por parte do POR não impediu que, desde o ponto de vista da propaganda
abstrata, este último defendesse políticas corretas como a necessidade de
constituição de milícias operárias e camponesas que buscassem se ligar aos
setores rebelados das bases das Forças armadas; o controle operário dos
estoques e da distribuição, com estatização das empresas imperialistas e
nacionais de interesse público, sem indenização e sob controle dos
trabalhadores, com a tática de Assembléia Constituinte [41]; e a propaganda
de um governo operário e camponês baseado em organismos de tipo
soviético (conselhos de operários, camponeses e soldados) [42]. Entretanto, estas
políticas corretas, que expressam a existência de alguns fios de continuidade
com a tradição de Trotsky, ligadas à política concreta de “Frente única Anti-
Imperialista” e ao entrismo no PCB, novamente se transformaram no seu
contrário, servindo para “lavar a cara” pela esquerda das direções stalinistas.

Com o impacto da brutal traição do PCB, o POR, nos meses seguintes
à renúncia de Jânio, vai oscilar à esquerda em sua crítica ao stalinismo:

“A relação de força é imensamente favorável às massas a partir do dia 1º de setembro.
Existiam todas as condições para desconhecer o compromisso entre as facções
burguesas, levar a luta contra os golpistas reacionários até o fim, desarmá-los e punilos,
e estabelecer o novo governo sob a base das organizações de massa que tendiam
a surgir espontaneamente (Conselhos Operários), sobre as milícias operárias e
camponesas, sobre os conselhos de soldados e sargentos que estavam sublevados por
todo o país, e sobre os Conselhos de Camponeses, que deveriam ter sido chamados
a ocupar e defender as terras, com armas na mão... O que impediu este desenlace da
crise é que as direções das massas, as direções sindicais, do PCB e os trabalhistas, em
vez de organizar e impulsionar as massas trataram em todos os momentos de
desarmá-las, contê-las e colocá-las a reboque de Brizola e de Jango Goulart” [43].

Entretanto, ao mesmo tempo, quando decide fazer uma exigência ao
PCB, a faz indiscriminadamente ao PSB (que se transforma de um partido
pequeno-burguês em um partido proletário!) e ao PTB, borrando toda e
qualquer delimitação de classe: “Os trotskistas apelam (...) para que se
constitua imediatamente a “Frente Única Proletária” (PSB, PCB, POR
trotskista e sindicatos) e a “Frente Única Anti-Imperialista” e a “Aliança
Operário-Camponesa” para levar a luta adiante” [44].

Da capitulação ao stalinismo à capitulação ao nacionalismo burguês

Nos primeiros anos de 60, o POR volta a regularizar a publicação de seu
jornal que havia se tornado bastante instável nos últimos anos da década de
50. Em 1961, saíram 15 edições. Em 1962, torna-se quinzenal, com uma
edição extraordinária, totalizando 25 edições. E em 1963 são publicadas 27
edições, sendo que a partir de novembro deste ano torna-se semanal. Antes
do golpe de 1964, o POR chegou a alcançar 100 militantes, expandindo-se
para fora do eixo Rio/São Paulo, instalando-se no Nordeste ’ especialmente
em Pernambuco, mas também na Paraíba e no Ceará ’, e também no Rio
Grande do Sul, conseguindo abrir trabalhos tanto em fábricas como nas
bases do Exército e da Aeronáutica. Entre outubro de 1961 e abril de 1962,
o Buró Latino-americano posadista vai romper com o Secretariado
Unificado (SU) da IV Internacional de Michel Pablo e formar sua própria
corrente dentro do movimento trotskista internacional. Na divisão, o POR
permanece sob a direção de Posadas.

Ao longo de 1962 e 63, com a dinâmica de Brizola em localizar-se à
esquerda do PCB em diversos aspectos da situação nacional, o POR vai
gradualmente abandonando a linha de entrismo sui generis no PCB [45] e
passando a adaptar-se agora mais direta e abertamente ao nacionalismo
burguês. Em maio de 1962, Nasser publica a Carta Nacional em que propõe
a formação da União Socialista [46], cujo conteúdo o POR assim analisa:
“capitalismo de Estado a serviço da burguesia, sob um véu por ele
denominado socialismo” , mas que ainda assim “o Egito caminha
empiricamente para o socialismo” [47]. Padecendo do mesmo impressionismo
e oportunismo que fez a corrente pablista se adaptar completamente ao
stalinismo, Posadas, em artigo de junho de 1963, vai expressar sua total
adaptação ao nacionalismo burguês de Nasser: “No Egito há um poder
bonapartista mais próximo do Estado operário que do Estado capitalista” [48].

Na realidade brasileira, a caracterização e a política do POR em relação
ao nacionalismo burguês vão mudar radicalmente a partir de maio de 1963,
quando é publicado um extenso artigo acerca das discussões travadas no
Buró Político do POR sobre a situação nacional, em caráter preparatório
para seu Congresso que se aproximava [49].

Como se vê, tanto a crise social como a económica e financeira pressionam no
sentido do desenvolvimento de uma ala reformista e nacionalista radical, de tipo
nasserista, que leva em seu bojo tendências ainda mais ousadas, pequeno-burguesas
socializantes, objetivamente revolucionárias, que procuram apoio nas forças sociais
desatadas pela crise pré-revolucionária para impulsionar a situação até a beira do
que pode ir o capitalismo e mesmo além disso. (...) A ala esquerda do reformismo
burguês se radicaliza ainda mais. Ela se constitui provisoriamente no centro para a
direção e para as formas incipientes de organização das massas. Há uma importância
enorme entre esta nova direção, vinda do campo do reformismo burguês e que se radicaliza e se adapta à pressão revolucionária das forças revolucionárias que atuam
na sociedade e a antiga direção dos sindicatos e do PC. [50]

Em novembro de 1963, o POR se entusiasma frente a uma entrevista
dada por Brizola à revista venezuelana La Espera, na qual ele teria proposto
um programa de nacionalização dos bancos, expulsão do imperialismo e
insurreição popular: “O programa de Brizola contém todas as contradições
em que está imersa a ala nacionalista pequeno-burguesa que está destinada
a desempenhar um papel de direção do processo revolucionário do país
durante todo um período” [51]. Apesar de que Brizola nada fez para
implementar este programa, e até mesmo desmentisse sua entrevista à revista
venezuelana, o POR lançou a palavra de ordem: “Levar à prática o programa
de Brizola!” [52].

Ao final de 1963, após a tentativa frustrada de implementar um estado
de sítio, com a dinâmica de Goulart de buscar apoiar-se em maior medida
no movimento de massas e acentuar seus traços bonapartistas de esquerda
em função da pressão do imperialismo e da burguesia golpista, o POR
também vai capitular abertamente não mais apenas à ala esquerda do PTB
mas também ao próprio Jango:

O nacionalismo é contraditório e não vai deixar de sê-lo. Porém, um dos seus setores
está chamado a desempenhar um papel bastante importante nesta fase da revolução.
As coisas não podem continuar assim, alguém tem que atuar como agente histórico
da revolução, para abrir as portas às mudanças revolucionárias que se impõem. Esse
alguém agora não vai cair do ares. Vai surgir do nacionalismo. Não é fatalmente
Brizola. Pode ser Goulart através de um golpe de estado reformista de intenção
moderada. [53]

A total capitulação política a Brizola e Goulart por parte do POR não
impediu que este continuasse, no plano da propaganda abstrata, a defender
uma política relativamente “classista” :

Ainda nestas próximas comoções as massas não estão em condições de impor o
Governo Operário e Camponês, porém, é indispensável prepará-lo pois que toda
ruptura deste equilíbrio mais do que instável em que se apóia Goulart colocará a
questão do poder em termos prementes e inadiáveis. O Congresso de Operários,
Camponeses e Soldados, a Central única, os sindicatos, são órgãos naturais que
devem disputar o poder com a burguesia. [54]

Entretanto, como temos explicado, no marco da adaptação às
possibilidades bonapartistas sui generis de esquerda seja de Brizola ou de Jango,
contribuía para “cobrir pela esquerda” o nacionalismo burguês frente às massas.

Ao invés de exigir das direções nacionalistas burguesas e seus militares
“nacionalistas e democráticos” que repartissem armas à população para a
organização de milícias de operários e camponeses e que resistissem à ameaça
de golpe militar, como forma de desmascará-las frente às massas, o POR
chegou ao absurdo de alimentar ilusões inclusive em um eventual golpe de
Estado janguista:

Nós trotskistas, não nos colocamos contra um golpe “nasserista” como fazem setores
nacionalistas, como o de Almino Afonso, que faz um centro na defesa da democracia.
Não choraremos o fim das “instituições democráticas” (...) Nossa luta é para
aprofundar, por meio da luta das massas, o processo da revolução. Se isto é feito em
meio a golpes de Estado e a uma guerra civil, onde se defronte desde o início duas alas
burguesas, não deixaremos de ver os elementos revolucionários que nela se encerram
e, intervindo a fundo contra a reação e o imperialismo, continuaremos a levar a
batalha pela organização e luta das massas independentemente da burguesia.... [55]

A partir de Janeiro de 1964, o POR passa a defender a formação dos
“Grupos de 11 e de 5” que passaram ser organizados por Brizola. Após o
golpe, integraram-se à Frente Popular de Libertação criada por Brizola no
Uruguai, buscando construir núcleos desta Frente nas fábricas de São Paulo
e no Porto de Santos, e passaram a distribuir o jornal nacionalista O
Panfleto [56]. Em artigo de março de 1968, Posadas assim explica a política
adotada emrelação ao brizolismo: “Não é novo o ”˜entrismo interior”™, nós fizemos
isso no brizolismo. A visita, as discussões com Brizola e os brizolistas, era isto o
”˜entrismo interior”™, porque estávamos influindo a direção para que avance” [57].

***

Em síntese, o POR, apoiando-se sobre uma visão unilateral e distorcida
da situação internacional e do stalinismo no pós-guerra, vai se adaptar
programática, estratégica e organizativamente ao PCB. A partir de 1962,
sem mudar a caracterização da situação mundial e sim apenas trocando o
stalinismo pelo nacionalismo burguês, vai passar a adaptar-se ao PTB,
ressaltando que do primeiro para este segundo momento existe um salto de
qualidade: de uma direção operária reformista para uma direção diretamente
burguesa. Durante todo este período, o POR conseguiu defender, no plano
da propaganda abstrata, aspectos corretos de um programa e uma estratégia
proletária independente, mostrando aí fios de continuidade com a tradição
de Trotsky. Entretanto, no marco de sua política de conjunto, esta
propaganda terminava servindo como “cobertura de esquerda” para a
política de conciliação de classes e para as direções operárias reformistas e
nacionalistas burguesas e pequeno-burguesas. São estas oscilações e estas
duas caras de uma mesma moeda que constituem os pólos reformista e
revolucionário ou oportunista e ultra-esquerdista que fazem do POR um
exemplo do que definimos como centrismo trotskista de Yalta.

Esta localização do POR lhe impediu de contribuir para que os setores do
movimento operário e da esquerda que evoluíampara posições revolucionárias
e buscavam a tradição deTrotsky e Lênin pudessem, desde o ascenso operário
e camponês da década de 50 aos momento mais agudos da luta de classes nos
primeiros anos 60, avançar na construção de uma organização revolucionária
de vanguarda que se constituísse como alternativa ao PCB frente a setores de
massas durante o processo revolucionário que antecedeu o golpe militar. Esta
possibilidade se mostra mais concreta quando verificamos que a tentativa de
unificação dos grupos políticos que se colocavam à esquerda do PCB, PTB e
PSB resultou na formação de uma organização política nova, que aglutinou
todos eles: a POLOP (Política Operária) [58].

O potencial da POLOP ou pelo menos de setores desta se expressa na
influência da tradição de Trotsky que, apesar do POR, atravessava a
organização em distintos aspectos: desde a propaganda interna em que eram
usadas obras como aTeoria da Revolução Permanente até em publicações de
alguns de seus principais dirigentes. No manifesto “O caminho da revolução
brasileira” , escrito em 1962, Moniz Bandeira, membro do Comitê Central
da POLOP e dirigente da revista teórica da organização [59], define:

A lei do desenvolvimento desigual, como base de uma outra, a do desenvolvimento
combinado, é que condiciona o sentido socialista da revolução brasileira. Se bem que o ponto mais explosivo, do ângulo imediato da revolução, seja o campo, sejam as
regiões em que predominam formas arcaicas e relações semi-feudais e pré-capitalistas
de produção, não se pode perder de vista o conjunto da economia brasileira, marcado
pelo progresso industrial. (...) A revolução nos países atrasados ou pré-desenvolvidos
como o Brasil, uma vez desencadeada, tende a prosseguir ininterruptamente,
passando das tarefas democrático-burguesas às medidas de caráter socialista, e só
termina com a liquidação completa da sociedade dividida em classes e com o advento
da nova ordem, tanto no plano nacional quanto no plano internacional. Esse caráter
da revolução no Brasil deriva não só do atual estágio de sua evolução histórica, como,
também, do fato de ser a economia mundial um todo, uma realidade superior, viva,
potente, e não um amálgama de partículas nacionais, o que possibilita aos países
atrasados queimar etapas e atingir, em curto prazo, os graus de civilização mais altos
da civilização. [60]

Entretanto, para que este potencial expresso na POLOP fosse levado até
o final, faltou uma direção com clareza revolucionária tanto do ponto de
vista programático como estratégico e tático (no que diz respeito às grandes
táticas necessárias nos momentos agudos da luta de classes). Na prática
concreta, como o POR, a POLOP terminou se adaptando às alas esquerdas
do stalinismo e do nacionalismo burguês. Frente à renúncia de Jânio
Quadros, defendeu Brizola como expressão legítima da revolta do povo
riograndense contra o golpe. De 1961 a 1964, chamava permanentemente
à formação de um partido em comum com a direção do PCdoB, a mesma
que esteve na cabeça de todas as traições cometidas pelo stalinismo de 1943
a 1956. Levantava uma tática de frente-única permanente com as alas
esquerdas do PTB e do PSB. E nas vésperas do golpe terminou defendendo
a hipótese de que Brizola pudesse se transformar em “conseqüentemente
revolucionário” . Programaticamente, tinham a enorme debilidade de quase
não defender a organização de milícias de operários e camponeses para
resistir ao golpe.

Com isso não queremos afirmar que uma direção conseqüentemente
revolucionária fosse necessariamente mudar o curso da história, conseguindo
arrancar as massas da direção do PCB e dirigi-las para impedir o golpe
militar ou até mesmo à tomada do poder. O que queremos sim afirmar é
que, seguramente, como mínimo, a vanguarda da classe operária sairia mais
fortalecida para enfrentar os 20 anos de ditadura militar que se seguiriam;
e que estaria melhor preparada para se livrar das amarras da burocracia lulista
frente ao ascenso operário que se iniciou no final da década de 70 e percorreu
toda a década de 80.

[1Edgard Carone, O PCB ’ 1943 a 1964, Editora Difel, 1982. “Novos Rumos, 01/09/1961” .

[2Idem.

[3Idem, “Novos Rumos, 04.09.1961” .

[4“Essa repressão, não por acaso, concentrou-se sobre a fatia operária ”˜moderna”™, notadamente sobre a
combativa categoria dos metalúrgicos, observando-se uma crescente espiral de violência. Assim, se em
janeiro de 1962 osmetalúrgicos de Lafaiete defrontaram-se coma forte repressão policial utilizada como
forma de pór fim à sua greve, a mesma violência foi usada em setembro de 1963 para impedir que os
trabalhadores da poderosa Mannesmann aderissem à greve dos metalúrgicos de Belo Horizonte. Mais
significativo ainda é considerar que o ponto alto da violência contra a classe operária emMinas Gerais,
acionada para terminar com a greve da Usiminas, iniciada em 7 de outubro de 1963, conduziu três dias
depois, literalmente, um verdadeiro massacre dos trabalhadores daquela empresa” . Heloísa Starling, Os
Senhores das Gerais, p. 233. Citado por Antonio Rago Filho, A Ideologia 1964, p.112.

[5Que desde o ponto de vista internacional na verdade não era nada nova, pois era formada por correntes
que existiam como mínimo desde a década de 50 em outros países.

[6No artigo O novo curso pós-Stálin, escrito por Pablo, depois de enumerar as várias medidas de
concessão efetuadas por Malenkov, este declara no subtítulo “Dinâmica de novo giro” : “A dinâmica
de suas concessões liquida na realidade toda a herança stalinista na própria URSS, assim como em suas
relações com os países satélites, com a China e com os Partidos Comunistas. Daqui para frente não
será mais fácil retroceder... uma vez que as concessões são ampliadas, a marcha rumo à liquidação efetiva do regime stalinista ameaça tornar-se irresistível (...) Será através de uma crise aguda e uma
violenta luta inter-burocrática entre os elementos que lutarão pelo status quo, se não para retroceder,
e os mais e mais numerosos elementos arrastados pela poderosa pressão das massas” (extraído da revista
Fourth International, março-abril de 1953).

[7“(”¦) a política externa é a extensão da política interna (”¦) a nova situação restringe mais e mais a
capacidade de manobras contra-revolucionárias da burocracia (”¦) o efeito prático dessas tentativas
(de utilizar as contradições inter-imperialistas, de ganhar o apoio de certas burguesias em países
coloniais e semi-coloniais, de chegar a um acordo temporário e parcial com o imperialismo) torna-se
mais e mais limitado e efêmero (”¦) Presa entre a ameaça imperialista e a revolução colonial, a
burocracia soviética encontrou-se obrigada a aliar-se com a revolução mundial contra o
imperialismo”¦Toda tentativa geral de usar a revolução colonial como moeda de troca nas transações
com o imperialismo teve que ser abandonada” . Trechos extraídos do documento “Esboço de resolução
sobre o ascenso e o declínio do stalinismo” , escrito por Pablo em 1953.

[8Michel Pablo, Ascenso e declínio do stalinismo, 1953.

[9“No entanto, não se pode negar categoricamente, por antecipado, a possibilidade teórica de que sob
a influência de circunstâncias completamente excepcionais (guerra, derrota, crack financeiro, pressão revolucionária das massas etc.), os partidos pequeno-burgueses, incluindo os stalinistas, pudessem ir
mais longe do que eles mesmos gostariam na via de uma ruptura com a burguesia” . Programa de
Transição, Trotsky, 1938.

[10A tática de entrismo utilizada por Trotsky na década de 30 baseava-se na existência de setores de
massas operárias radicalizadas que giravam à esquerda e criavam alas esquerdas no interior de partidos
reformistas de massas. Esta tática estava a serviço não de influenciar a direção destes partidos e sim
de arrancar alas esquerdas destes para a construção de um partido revolucionário a partir de um curto
período de tempo no seu interior. Ou seja, nenhuma semelhança com o entrismo sui generis de Pablo.

[11O conceito de “centrismo” neste caso diz respeito às correntes políticas que oscilam entre a reforma e
a revolução. “Trotskismo de Yalta” diz respeito às correntes domovimento trotskista que se constituíram
durante o período em que vigoravam os acordos de Yalta, como explicamos anteriormente.

[12Posteriormente, Pedrosa vai se aproximar de posições abertamente social-democratas.

[13Sachetta era dirigente do Comitê Regional de São Paulo do PCB quando, em 1938, rompe com o
stalinismo e aproxima-se do trotskismo. É no PSR que o neste então jovem Florestan Fernandes vai
ter seu primeiro contato com a vida política, chegando a militar nesta organização por alguns anos.

[14Segundo Osvaldo Coggiola, no final dos anos 40, “O POR-Moreno constitui uma efêmera tendência
baseada em documentos comuns, com o POR boliviano e o PSR brasileiro, que se uniam por uma
hostilidade comum aos movimentos nacionalistas de seus respectivos países (MNR boliviano, varguismo e peronismo). A aliança não dura muito tempo” . Posteriormente, não são encontrados
documentos que comprovam a continuidade desta relação entre Sachetta eMoreno.Osvaldo Coggiola,
Historia del trotskismo argentino (1929-1960), Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1985.

[15Murilo Leal, À esquerda da esquerda ’ Trotskistas, comunistas e populistas no Brasil Contemporâneo
(1952-1966), Editora Paz e Terra, 2004.

[16No III Congresso da IV Internacional, o delegado brasileiro, Felipe, votado entre os quatro que
permaneceram após a Plenária de explosão do PSR, foi com mandato para votar a favor de Moreno
na disputa entre este e Posadas para ver qual organização (o POR de Moreno ou o CGI de Posadas)
seria representante oficial da IV Internacional na Argentina. Ainda durante a presença de Felipe na
Europa, o Secretariado Internacional recebeu uma carta do Brasil destituindo-o por este ter apoiado
a Posadas e não a Moreno. Murilo Leal, Opt. cit..

[17Alguns militantes do POR desta época posteriormente tornaram-se importantes personalidades
nacionais, como os intelectuais Ruy Fausto, Boris Fausto, Leóncio Martins Rodrigues, Maria
Hermínia Tavares de Almeida e o escritor António Callado.

[18“A Luta por um Partido” , artigo do jornal Frente Operária, no 7, agosto de 1953.

[19Revista Marxista Latino-americana, n.4, junho de 1956.

[20Suplemento Especial do jornal Frente Operária, dezembro de 1954.

[21Jornal Frente Operária, no 12, dezembro de 1954.

[22“Nossa Integração nas massas” , jornal Frente Operária, no 12, dezembro de 1954.

[23Murilo Leal, Opt. cit..

[24Jornal Frente Operária, publicado entre junho e setembro de 1957.

[25Reunião ampliada do BLA ’ setembro/outubro de 1958” ; Brasil/Informe do camarada Diego, p. 21.
Citado em Murilo Leal, Opt. cit..

[26“Boletin Interno” do Secretariado do BLA da IV Internacional, n. 4, ano 1, novembro de 1958. Citado
em Murilo Leal, Opt. cit..

[27DoroyMassola, entãomilitante do POR, assimconta a sua experiência de entrismo no PCdoB, partido
que vai ser fundado em fevereiro de 1962 a partir da ruptura de uma das “alas esquerdas” que o POR
enxergava dentro do PCB no período precedente: “Uma vez convocaram a gente para uma reunião,
Fábio e eu, e estava todo mundo lá, umas trinta pessoas. E o Calil Chade chegou para a gente e disse assim: ”˜Olha, vocês são trotskistas, vocês estão infiltrados aqui dentro...”™ ’ abriu o jogo ’ ”˜é um absurdo
o que vocês estão fazendo”™. Esculachou, acabou com agente, acabou. A gente não tinha nem o que
responder, porque era verdade. A única coisa que eu consegui falar foi que a gente não era agente do
imperialismo, nada disso, muito pelo contrário, nós é que éramos os comunistas, que a gente estava
tentando fazer aquilo que acreditava mesmo. Só que teve um carinha na reunião que falou assim:
”˜Olha, se nós estivessemos em Cuba, se fosse numa guerrilha, vocês dois iam ser justiçados!”™ Um
negócio assim, acachapante. Mas si acabou o drama, pelo menos (...) Aí passou, fomos expulsos e
passamos a militar na IV diretamente, sem mais problemas” . Depoimento de DorotyMassola. Citado
em Murilo Leal, Opt. cit..

[28A LSI foi o grupo político fundado por Hermínio Sachetta alguns anos após sua ruptura com o PSR.

[29Boletim Informativo do Secretariado do BLA da IV Internacional n. 2, “Tesis programáticas de la Seción
Brasileña de la IV Internacional para la discusión con grupos revolucionarios” , maio de 1959. Citado
em Murilo Leal, Opt. cit

[30Murilo Leal, Opt. cit....

[31“Se realizo la Conferência del POR” , Boletim de Informação Internacional y Latino-americana, 2ª
quinzena de março de 1960.

[32Jornal Frente Operária, junho de 1960.

[33Dentre estes militantes do PCB estava incluído o MCR (Movimento Comunista Revolucionário),
uma dissidência do partido.

[34“Frente Juvenil das Esquerdas” , jornal Frente Operária, n. 45, janeiro de 1961.

[35Jornal Frente Operária, 2ª quinzena de agosto de 1961; artigo de 18/8/61.

[36Jornal Frente Operária, 1ª quinzena de julho de 1961.

[37Este jornal foi publicado em forma mimeografada, pois as tipografias, em meio à crise, se recusaram a
imprimir o jornal do POR, inclusive a tipografia ligada ao PCB onde eles costumavam imprimir
anteriormente.

[38Jornal Frente Operária no 54, 08/09/1961. Declaração do “Buro Latino Americano da IV
Internacional” , de 28/08/61” , publicada neste jornal.

[39Jornal Frente Operária no 54, 08/09/1961. Declaração do “Buro Latino Americano da IV
Internacional” , de 28/08/61” , publicada neste jornal.

[40Em jornais posteriores o POR vai fazer essa diferenciação.

[41Nesta declaração publicada em 28/09/1961, o POR não especifica por qual tipo de Assembléia
Constituinte lutava e por que meios esta deveria ser estabelecida, ou seja, qual seriam seus objetivos,
seu sistema de eleição de deputados, sua relação com o poder constituído etc. Setores da burguesia,
como Brizola, procuravam instalar uma Assembléia Constituinte controlada e restringida como
mecanismo de desvio do processo de mobilização crescente das massas. Nesse sentido, era necessário
explicar claramente como a luta por uma Assembléia Constituinte Revolucionária poderia estar a
serviço de ajudar as massas a acelerarem sua experiência com as instituições da democracia burguesa,
fazer propaganda de um programa operário independente e alentar o poder das milícias e dos conselhos
operários e camponeses como única saída de fundo possível para a crise; e era necessário agitá-la como
exigência às direções domovimento demassas. Comomínimo, que a defesa da Assembléia Constituinte
tal como está no jornal de 08/09/61, não se diferencia da proposta que Brizola fazia neste mesmo
momento. Em seu jornal publicado um mês depois o POR faz uma propaganda de Assembléia
Constituinte em termos independentes da burguesia, ainda que, na política concreta, sem articulá-la
como exigência ao PCB, e amalgamando-a com a política de “Frete Única Antiimperialista” .

[42“Os sindicatos operários e as ligas camponesas devem organizar-se em milícias, apelar a soldados e
suboficiais a lutar ao lado do povo para defender a expulsão do imperialismo e pelo direito de dar uma
solução revolucionária para a crise social e política provocada pela burguesia brasileira” (jornal Frente
Operária no 54, 08/09/1961). “O governo operário e camponês [ilegível] para passar a apoiar o poder
nas organizações de massa, conselhos de operários, camponeses e soldados, estruturados verticalmente
desde as fábricas, bairros e municípios até o Conselho Central dos Delegados eleitos livremente e
revogáveis em cada momento” (jornal Frente Operária, 1ª quinzena de Outubro de 1961).

[43Jornal Frente Operária, 1ª quinzena de outubro de 1961.

[44Jornal Frente Operária, 2ª quinzena de setembro de 1961.

[45Em junho de 1963, Posadas afirma o abandono completo da política de entrismo sui generis no PCB
escrevendo artigo intitulado “A crise dos Partidos Comunistas no Brasil” : “A atitude do PCB e do PC
do Uruguai, que se opõem sistematicamente às greves, estando contra elas, que se aliam a todas as
tendências pequeno-burguesas e burguesas, inclusive direitistas, não são mais que atitudes contrarevolucionárias
(...) Neste sentido é necessário perder toda ilusão de poder levar a luta dentro do PC
para criar correntes revolucionárias e de poder pesar sobre sua vida política” . Frente Operária, n. 98,
1ª quinzena de julho de 1963.

[46“Todos os meios de produção devem estar nas mãos do povo. O capital privado estará igualmente nas
mãos do povo, já que o socialismo científico é o único caminho que pode assegurar o nosso
desenvolvimento económico” . Trecho da “Carta Nacional” apresentada por Nasser em maio de 1962.

[47“Egito: amarcha empírica para o socialismo” , jornal FrenteOperária, n. 71, 1ª quinzena de junho de 1963.

[48“A revolução permanente e as tarefas da vanguarda ’ Intervenção do CDA. J. Posadas no Comitê Central
dos trotskistas” . Citado em Murilo Leal, Opt. cit..

[49Até aquele momento histórico, podemos encontrar vários documentos em que o POR desenvolve
críticas corretas contra o nacionalismo burguês. No jornal Frente Operária de dezembro de 1961, a
despeito do espírito auto-proclamatório ao comparar-se com o PCB, o POR diz: “Diante desta onda nacionalista que procura atingir as fileiras do movimento operário, a vanguarda operária deve manterse
firme nas conclusões políticas tiradas durante a última crise. Repelir o reboquismo atrás de soluções
alheias e lutar pela intervenção direta das massas, não como peça de pressão mas como protagonista das
transformações que amadurecem por toda parte (...) Apelamos à Frente Única das correntes operárias,
e especialmente à frente única PCB-POR para a defesa das posições operárias revolucionárias em meio
à confusão momentânea, e pelo triunfo das massas sobre a reação, o imperialismo e os latifundiários,
como sobre o reformismo da burguesia nacionalista que nada de novo tem a oferecer ao país” .

[50“O desenvolvimento dos elementos revolucionários da situação nacional e as perspectivas para a
construção do Partido” , jornal Frente Operária, n. 90, 2ª quinzena de maio de 1963.

[51“A Frente única antiimperialista e o programa de Leonel Brizola” , jornal Frente Operária, n. 110,
novembro de 1963.

[52Frente Operária, n. 110, novembro de 1963.

[53“Por um nacionalismo de novo tipo” , jornal Frente Operária, n. 114, 29 de dezembro de 1963.

[54Jornal Frente Operária, n. 105 (Edição Extra), 8 de outubro de 1963.

[55“As tendências da atual situação” , jornal Frente Operária, n.109, 21 de novembro de 1963.

[56“As tendências da atual situação” , jornal Frente Operária, n.109, 21 de novembro de 1963.

[57Murilo Leal, Opt. cit..

[58J. Posadas, “Carta à seção brasileira” , março de 1968. Citado em Murilo Leal, Opt. cit..

[59“Já na década de 70, Moniz vai se tornar brizolista, e hoje é um típico social-democrata ideólogo da
burguesia defensora do Mercosul em comunhão com a União Européia.

[60Luiz A. Moniz Bandeira, Opt. cit., p. 161-162.









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