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Juventude

Greve

Primeiras lições da luta da Fundação Santo André

09 Nov 2007   |   comentários

Nas últimas reuniões do Conselho Diretor, órgão máximo de deliberação da Fundação Santo André (FSA), em que se discutiu a saída do reitor e a volta da “normalidade” , a prefeitura de Santo André “orientou” seus conselheiros a votarem contra o reitor com uma discussão de que deveriam cair tanto o reitor quanto o seu vice. Mas tudo não passou de um jogo de cena para enrolar os estudantes. Enquanto o prefeito e os secretários posavam de aliados dos estudantes perante a população, movidos pela preocupação com a sua imagem para as próximas eleições, deixaram o “serviço sujo” para os representantes da câmara de vereadores e da OAB. Por 8 votos a 3 o reitor se manteve no cargo. Eram necessários 10 votos para que ele caísse.

No momento em que escrevemos essa matéria os professores acabaram de votar em sua assembléia o fim da greve, mesmo que continuem em “estado de greve” . Os estudantes, em uma assembléia confusa e dividida, votaram por continuar a greve, mas é muito difícil que ela se mantenha, porque depois de mais de 50 dias de greve nosso movimento veio se isolando e perdendo a força. Nesse artigo trataremos de discutir como uma política de confiança no petismo e de burocratização do movimento nos levou a esse impasse.

As direções do movimento e o papel da burocracia acadêmica

Um movimento que se iniciou contra o aumento de mensalidades, pela qualidade de ensino, contra a repressão e pela queda do reitor, muito rapidamente pela política de suas direções ficou a reboque dos professores, e por essa via de uma ala da burocracia acadêmica. A política dos professores de tentar se apoiar na prefeitura do PT, que controla politicamente a Faculdade e indica o Reitor, e nos conselhos internos da universidade para substituir o reitor Bermelho pelo seu vice Cacalano, opositor ligado aos professores da FAFIL (Faculdade de Filosofia e Letras), foi o que levou nossa greve ao isolamento e impediu a massificação do movimento, única forma de lutar consequentemente pela queda de Odair Bermelho e por uma saída de fundo para a crise da universidade.

O Diretório Acadêmico (DA) da FAFIL, principal direção estudantil do conflito é composto pelo PSTU e por um outro grupo chamado Espaço Socialista. Essa segunda corrente desde o início defendeu a aliança sem princípios e sem questionamentos com os professores, e depositou suas esperanças nas negociações fechadas com o PT, enquanto impós que a greve se organizasse em base a assembléias gerais antidemocráticas, que cumpriam o papel de referendar o que havia sido decidido pelos professores em suas assembléias, tirando dos estudantes qualquer possibilidade de tomar em suas próprias mãos os rumos da mobilização.
O PSTU, muitas vezes nos panfletos e às vezes nos discursos, chamava a não confiar na prefeitura petista e no vice Cacalano. No entanto, em nenhum momento buscou formar no movimento uma ala que defendesse abertamente uma posição independente do petismo, e que fosse capaz de desmascarar a posição dos professores e do DA. Nos últimos dias chegou a defender que não importava quem entrasse no lugar do reitor se este caísse, deixando de dar a luta por uma política independente contra o regime universitário (orientando-se por um estatuto que reserva ao prefeito o direito de nomear o Reitor). Mostrou, assim, sua adaptação à política de confiança na prefeitura petista e nos conselhos da universidade.

A greve se transformou em uma batalha na qual as direções colocavam como eixo central a política de pressionar as instituições petistas para que nos ajudassem. Isso impediu que os estudantes e o ativismo combativo que estava se formando se voltassem decididamente para expansão da greve, para conquistar o apoio dos seus colegas das engenharias e das exatas (Faeng e Faeco), o que fez com que tal apoio nunca se desse, e para conseguir o apoio da população, em especial da classe operária do ABC. O movimento deixou para trás a necessidade de massificar a greve e ganhar apoio da população, e se perdeu nos labirintos do Paço Municipal (sede da Prefeitura) sonhando com o impeachment do reitor.

Três lições da greve estudantil da Fundação Santo André

A greve da FSA foi mais uma batalha duríssima desse novo movimento estudantil que começou a surgir na luta dos estudantes da USP, Unesp e Unicamp contra os decretos. Três lições dessa greve, que tiramos a partir da própria luta política que demos em seu interior ao longo desses dois meses nos parecem de fundamental importância para os estudantes combativos de todo o país.

A mais importante delas é a necessidade de termos uma política de fato independente de todas as alas do regime universitário, sem nenhuma ilusão ou confiança em qualquer de suas instituições. Infelizmente, o combativo movimento estudantil que também se colocou em cena na Fundação ficou preso nas amarras da política imposta pelo DA, seguidista da burocracia acadêmica e do petismo. Por isso, não superou os obstáculos existentes, avançando para massificar a luta, única via de radicalizar politicamente a mobilização. E isso não interessava e nem poderia interessar à burocracia acadêmica opositora, que buscava apenas uma mobilização controlada, forte o suficiente para pressionar pelo impeachment, mas que não questionasse de fundo a estrutura da universidade, pois uma luta assim colocaria seus próprios cargos em risco. Por isso, levantamos a necessidade de derrubar o reitor, mas lutando por um conselho provisório baseado nas assembléias da greve, que convocasse imediatamente eleições gerais para todos os cargos nas quais cada pessoa teria um voto, e sem qualquer ingerência da prefeitura. E colocamos a necessidade de lutar por uma estatuinte, para romper com o conhecimento voltado para as grandes empresas do ABC, que investem na FSA com o objetivo de formar mão de obra especializada, e discutir como colocar a universidade a serviço dos interesses da maioria.

Daí a necessidade de ligar o “Abaixo Odair” com as demandas mais sentidas pelos estudantes, em especial a questão das mensalidades, a qualidade de ensino e a luta contra a repressão. Lutas minoritárias ou de uma vanguarda não podem passar de lutas de pressão sobre este ou aquele governo, ou sobre uma ou outra ala da burocracia acadêmica. Por isso, desde o início lutamos por políticas que pudessem massificar a greve, estendê-las aos outros cursos e conquistar o apoio dos trabalhadores, como única forma de lutar por uma saída de fundo para a crise da Fundação. Essa questão é particularmente importante na luta das federais, que se enfrenta com um governo que tem base nas massas e que mascara seus ataques com expansão de vagas, ainda que sucateadas. O caminho aparentemente mais fácil, de impulsionar mobilizações de pressão para convencer os conselhos universitários a votarem a favor do movimento, só nos levará a derrotas.

Dessas duas questões decorre diretamente a necessidade da forma mais democrática possível para a organizar e instituir uma direção do movimento. Na Fundação essa questão foi gritante. Os mesmos militantes do Espaço Socialista, que defendiam a mesma política que o vice-reitor, eram os que se colocavam contra as assembléias de curso e contra um comando de greve com delegados destes cursos. Sem assembléias e reuniões por cursos, bem organizadas, que abram espaço para a iniciativa dos estudantes e para forjar uma direção ampla e democrática, capaz de ganhar o apoio dos cursos que não estavam em greve, e da própria população, o movimento foi se esvaziando e se dividindo por baixo. Para massificar a luta é necessário que toda a iniciativa e poder de decisão estejam nas mãos da base dos estudantes e de uma direção democrática, representativa das diversas tendências de opinião presentes entre os grevistas. E mais ainda, para impor uma nova forma de funcionamento para a universidade, os estudantes necessitarão de uma organização democrática eleita a partir de cada curso e de cada sala de aula.

Os próximos passos

A votação pela continuidade da greve, com o processo de desmonte e isolamento do movimento, pode significar um sério risco para o ativismo estudantil. Não sabemos se a greve ainda pode se manter sem os professores, sendo que sequer garantimos a retirada dos processos judiciais e administrativos. A tarefa que está colocada é a de reorganizar nossas forças a partir de uma ampla campanha contra a repressão, pela retirada dos processos, e em apoio aos estudantes que estão sendo reprimidos nas universidades estaduais, e em todo o país. Ao mesmo tempo defendemos a necessidade de abrir um balanço sério e profundo, entre a vanguarda da greve e todos os estudantes, como única forma de preparar o movimento para os próximos embates.
Independente do que organize o DA chamamos os estudantes combativos que durante mais de 50 dias mantiveram essa dura luta, que foram reprimidos, a organizar reuniões das mais amplas possíveis para impulsionar uma campanha contra a repressão, e avançar a partir das lições desta greve.

Maíra é estudante de Ciências Sociais da FSA

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