Quinta 28 de Março de 2024

Economia

Thomas Piketty no Roda Viva

Poucas saídas para grandes desigualdades

12 Feb 2015   |   comentários

O economista Thomas Piketty veio ao Roda Viva da TV Cultura, nesta segunda feira dia 9 fevereiro, numa entrevista marcada pelo pragmatismo conservador da mídia brasileira e os limites de seu reformismo.

Thomas Piketty é o economista mais lido no último ano depois da publicação de seu livro O Capital no Século XXI. Ele é professor na École de hautes études en sciences sociales de Paris, foi assessor da campanha de Segoléne Royal e é hoje uma voz intelectual mais radical próxima ao Partido Socialista francês do atual presidente da França, François Hollande. O economista veio ao Roda Viva da TV Cultura nesta segunda feira dia 9 fevereiro, uma entrevista marcada pelo pragmatismo conservador da mídia brasileira e os limites do reformismo de Piketty.

Em seu livro, o economista francês promove um renovado estudo estatístico da evolução da desigualdade no capitalismo desde o século XVIII, afirmando que o capitalismo tem a tendência histórica de concentrar riqueza. Este não seria um problema da regulação financeira, como promovem as principais meios de comunicação, mas sim devido à diferença entre o rendimento do capitalista em relação ao crescimento econômico, sendo necessárias políticas compensatórias que dificultem a concentração de propriedade, como restrição à herança e impostos sobre grandes fortunas.

Mas Piketty no programa Roda Viva foi mais brando do que suas teses presentes no livro, se mostrando muito mais palatável para o que os críticos dos grandes jornais têm exigido.

Os marxistas defendem que a fonte da desigualdade de riqueza está na desigualdade da produção de riquezas, na concentração dos meios de produção como propriedade privada e não apenas da distribuição do resultado da produção. Piketty, ao contrário, reforça a velha ideia de ser possível reformar o capitalismo corrigindo o problema da distribuição da riqueza gerada pela propriedade privada.

A Casa Grande pergunta, l’École responde

Quando André Lara Resende, banqueiro e privatizador do governo FHC, abre o programa afirmando que a elite capitalista não é um problema, que sua riqueza é obra da inventividade humana e Piketty responde: “Não tenho problema com a desigualdade, ela em algum nível é útil como incentivo ao crescimento”, temos dois exemplos da classe capitalista mundial em um só programa: a bestialidade intelectual da burguesia subalterna e a maquiagem rebuscada do reformismo dos países centrais.

O banqueiro brasileiro, como se estivesse há dez anos e aparentemente sem reconhecer a tese fundamental dos estudos de Piketty, segue perguntando:
“Porque se preocupar com o 1% mas rico quando todo o resto está melhorando?”
Piketty responde: “A riqueza dos 10% mais ricos cresceu quatro vezes mais que a economia mundial. Se esse ritmo permanecer as instituições democráticas sofrerão uma séria ameaça”.

No fundo, a preocupação política de Piketty é a estabilidade da democracia, que na prática acaba se resumindo na defesa da hegemonia capitalista sobre os trabalhadores, não apontando pra qualquer perspectiva revolucionária de transformação da sociedade ou fim da propriedade privada. Piketty enxerga o poder privado “tomando as instituições” e, além disso, como vemos na Grécia, Alemanha e em seu país natal, a França, o surgimento ameaçador de fenômenos de extrema direita se desenvolverem como resposta às crises sociais impostas pelas políticas de austeridade.

Mas, a saída que propõe Piketty é de que seriam necessárias leis que detivessem a concentração do poder privado e seu peso sobre a política. Assim, revela no programa de TV a contradição de seu pensamento: por um lado fez um estudo de importância histórica que revela que a evolução do capitalismo aprofundou a desigualdade de riqueza muitas vezes mais que o crescimento econômico, mas, por outro lado, o autor continua crédulo nas mesmas instituições políticas que regem essa desigualdade.

Para Piketty: “É necessário fortalecer as instituições do estado que controlam o poder privado”. Mas como? A pergunta que fica no ar. Arealidade atual do governo do PT contrasta com a tese do “governo em disputa” – ou Estado em disputa, como quer Piketty – pois, assim como nos EUA e na UE, está apenas abrindo espaço para um crescimento das bancadas conservadoras aplicarem políticas mais duras contra os trabalhadores. Piketty parece ficar sem resposta a este problema, restando ao nosso interlocutor apenas pedir por “esperança” depois de questionado sobre o tema.

Crises e booms ou “estagnação secular”?

José Paulo Kupfer, economista e jornalista de O Globo, refletiu a real preocupação dos capitalistas, questionou parafraseando Larry Summers: “Como diminuir a desigualdade quando a ‘taxa de retorno financeiro’ dos investimentos - leia-se taxa de lucro - diminui em uma “estagnação secular (longo período de baixíssimo crescimento econômico)?” Piketty com certa dificuldade expressa uma visão de crescimento harmonioso. Afirma ser possível sermos “felizes e crescer para sempre” em média 0,8, 1,6% ao ano, quando no último século a população e o padrão de vida se multiplicaram por 10.

Piketty esqueceu de mencionar as crises de 1871, 1929, as duas grandes guerras e as crises de 1973 presentes em suas análises no livro. Mas, o francês está longe da grosseria, levantou uma perspectiva de análise que chama atenção ao afirmar que no capitalismo taxas de crescimento acima de 5%, como a que vimos nos últimos anos só se dão em períodos excepcionais como de recuperação de determinados países ou de “reconstrução” da economia.

Este termo de “reconstrução” foi interessante, pois apesar de estar afirmando serem possíveis longos períodos de crescimento no capitalismo, esbarra necessariamente, numa contradição hipotética: na realidade as “médias” de crescimento de Piketty são estabelecidas sobre oscilações de crises e períodos de forte crescimento econômico dentro destes períodos, depressões e ascensões de destruição massiva de capitais (como ocorrem nas guerras, onde se destroem, por exemplo, grande volume de mercadorias, fábricas e máquinas, etc) seguidos de crescimento da economia impulsionado pela reconstrução de capitais destruídos em crises anteriores.

O fato é que o capital, após estas crises e guerras, apenas recompõe sua taxa de lucro reconstruindo a economia através de uma maior exploração e consequentemente de uma maior desigualdade. Isso nunca ocorre em harmonia, então como seria possível um “crescimento eterno” com médias de 1,6% sem crises, que coloquem por um lado a desigualdade entre os capitalistas e a classe trabalhadora, e por outro a desigualdade entre os próprios capitalistas em concorrência?

“A política é economia concentrada” dizia Lênin. A fraqueza conclusiva que torna Piketty um escolástico reformista é que não consegue ver esta relação e que, a enorme diferença social obriga às instituições do Estado serem necessariamente servas dos 10% mais ricos, as instituições são promotoras da desigualdade.

Sem um partido operário revolucionário, diante de uma crise capitalista, o caminho das instituições é aprofundar esse cenário. Infelizmente, esse é um obstáculo que o reformismo de Piketty acaba esbarrando, e os açougueiros da mídia brasileira (experts em precarizar o trabalho e especialistas em ajustes neoliberais contra os trabalhadores e o povo pobre) tentaram lembrá-lo deste panorama.

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