Quinta 28 de Março de 2024

Nacional

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Por uma estratégia independente na luta pela verdade e justiça

30 May 2013   |   comentários

Na ultima quinta-feira, 16 de maio, completou-se um ano da criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) que, pelos resultados apresentados até agora, não tem motivos para ser comemorada – como já se previa. Desde o seu início colocávamos que esta comissão, negociada com o alto comando da cúpula militar, não poderia cumprir o papel de apurar a verdade e resgatar a memória daqueles que tombaram lutando contra a ditadura civil-militar brasileira que vigorou no país de 1964 até 1985, e muito menos punir os agentes desta sanguinária ditadura que seguem impunes e bastante atuantes até os dias de hoje.

A prova cabal de como seguem à vontade os carrascos e mandantes da ditadura foi o depoimento que o General reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra prestou dias atrás na CNV. Ustra é um dos mais conhecidos agentes da ditadura, por ter comandado o DOI-CODI de SP nos anos 1970 e por isso mesmo ter ordenado e praticado dezenas de torturas, assassinatos e sequestros contra os trabalhadores e militantes de esquerda que lutavam por derrubar a ditadura civil-militar. Este desferiu insultos até mesmo contra a presidenta Dilma Roussef ao dizer que os “terroristas” daquela época podem estar no mais alto cargo de comando do país, em alusão ao fato de Dilma ter feito parte de organizações de esquerda que aderiram à luta armada na resistência à ditadura. Além disso, Ustra assumiu ter comandado o assassinato de muitos dos militantes que até hoje são tidos como desaparecidos e, mesmo sob a evidência de terem sido mortos em sessões de tortura, alegou que na ocasião não havia “anjos” e, portanto, os militares deveriam ser considerados “heróis que combateram o fantasma do comunismo”. Como Ustra mesmo disse, ele estava cumprindo ordens do comando do exército.

A CNV e a “suposta revisão” da Lei da Anistia

O que permite que assassinos como Ustra junto a setores das forças armadas se arvorem ao direito de ainda reivindicarem o golpe militar de 1964 e o terror de Estado praticado nos porões da ditadura é a manutenção dos acordos civis-militares feitos na transição pactuada da ditadura para a atual democracia dos ricos no Brasil.

A luta pela anistia ampla, geral e irrestrita, que poderia ter servido como um importante instrumento para a classe operária e o povo pobre lutar contra a repressão e perseguição política, acabou por ser desviada pelos próprios militares e pela burguesia dita democrática, com o aval do PCB. Na prática, a Lei da Anistia de 1979 manteve na impunidade os crimes - e criminosos principalmente - contra a humanidade cometidos pelos agentes do Estado brasileiro, apesar dos próprios organismos internacionais de Direitos Humanos considerarem imprescritíveis esses crimes. Com isso, os militares e civis que cometeram torturas, sequestros, assassinatos e ocultação de cadáveres continuam livres para exercerem suas atividades ou chegarem à velhice gozando de pomposas aposentadorias conquistadas através dos “ótimos” serviços prestados ao Estado ditatorial.

Seguindo essa tradição de pactos e acordos “por cima” que a CNV foi criada: propositalmente distante da decisão e do controle dos trabalhadores, do povo, dos estudantes e organizações de familiares, ex-presos e de direitos humanos que não são comprometidos com o estado burguês. A CNV também foi criada com o objetivo de manter intacto o pacto de governabilidade costurado pelo governo do PT, tanto com a oposição tucana e os aliados de plantão, mas principalmente com os militares que a todo tempo chantagearam e ameaçaram o governo para que esta comissão não saísse do seu controle e não alterasse em nada a atual ordem de dominação capitalista. Como todos têm rabo preso e não querem ter seus privilégios e esquemas de corrupção desvendados, o que poderia colocar em cheque a frágil “paz social” vigente, mais uma vez prevaleceu o “acordão” em detrimento das reais necessidades dos trabalhadores e da ampla maioria da população. Em que pese as recentes declarações de Rosa Cardoso, atual coordenadora da CNV, sugerindo que seja revista a Lei da Anistia e até a punição dos torturadores, não se pode alimentar ilusões de que neste último ano de trabalhos da CNV as “boas intensões” de um ou outro membro desta comissão mude alguma coisa sem a mobilização independente dos verdadeiros interessados por memória, verdade e, sobretudo, justiça.

A experiência da Comissão da Verdade da USP mostra que é necessária uma estratégia independente

Na Universidade de São Paulo (USP), há mais de um ano, nós do Sintusp, junto a Adusp, DCE, APG e setores que se reivindicam democráticos, viemos impulsionando o Fórum pela Democratização da USP que teve como principal objetivo, neste período, impulsionar uma campanha por uma Comissão da Verdade da USP, democrática e independente. Apesar de defendermos em todo momento que a CV-USP se firmasse autônoma e independente da Reitoria e da CNV, setores do Fórum, em especial a Adusp e a Consulta Popular, ligada ao governo do PT (o mesmo que leva adiante a CNV), passaram a defender a participação institucional da Reitoria da USP na comissão eleita democraticamente pelas respectivas categorias, além de sua colaboração com a CNV. O Sintusp decidiu por, apesar desta clara diferença de estratégia na construção da luta por verdade e justiça, se manter como uma ala classista da Comissão da Verdade da USP, levando esta luta política em nossos boletins, Assembléias e reuniões de unidade, bem como em todas as instâncias do Fórum Pela Democratização da USP.

Há mais ou menos 10 dias, a Reitoria da USP, se aproveitando por um lado da falta de mobilização e ligação orgânica com a base das categorias e também da estratégia de ilusão na própria Reitoria que o Fórum veio levando adiante, preparou um duro golpe contra o movimento, passando por cima de todos os setores que vinham se organizando, e instituindo uma Comissão da Verdade “oficial” com direito a despacho no Diário Oficial de São Paulo. Denunciamos fortemente o golpe da Reitoria da USP, que é apenas mais uma prova de uma estrutura de poder arcaica e anti-democrática, que deve ser colocada abaixo. Assim como a CNV não poderá apurar e exigir a punição dos crimes e criminosos da ditadura, atrelada aos militares e civis que a promoveram, a CV-USP também não poderá cumprir este papel no interior da universidade. Devemos articular as forças que hoje se organizam de maneira genuína pela punição dos civis e militares envolvidos com a ditadura para denunciar que os pactos com os militares e o governo são o que garantem hoje a impunidade. Por isso, impulsionamos junto ao Fórum Pela Democratização da USP um importante ato denunciando esta “comissão da mentira” de João Grandino Rodas.

A experiência da Comissão da Verdade da USP é a maior comprovação de que a estratégia de atrelamento à CNV e às instituições – no nosso caso a Reitoria da USP – somente pode desviar e anular a real luta por verdade e justiça. Isto é, portanto, um alerta para os outros Sindicatos – como o dos Metroviários de São Paulo – ou outras universidades – como a PUC-SP – que também começam a organizar suas Comissões da Verdade. Para nós do Sintusp, e também para nós da LER-QI, foi um importante erro a decisão de propor a inclusão de membros da Reitoria na CV-USP, o que levou a gerar ilusões de que, pelas vias “institucionais”, se poderia instituir uma Comissão que abre crises e contradições no próprio regime universitário. Por isso, além da independência completa em relação à Reitoria e à CNV de Dilma, consideramos que somente apoiada na mobilização independente de trabalhadores, estudantes e professores da universidade as tarefas de uma Comissão da Verdade e da Justiça da USP poderão ser cumpridas.

Pela revogação da Lei da Anistia! Pela punição de todos os civis e militares da ditadura!

Para levar adiante esta estratégia é necessário avançar na luta pela revogação da Lei da Anistia buscando a real punição de todos os civis e militares envolvidos com a ditadura. A Lei da Anistia serve para garantir a impunidade dos criminosos do passado mas, sobretudo, para manter um falso “Estado Democrático”, que, nos dias de hoje, continua criminalizando a pobreza e os lutadores do povo, reprimindo as greves dos trabalhadores das fábricas e dos serviços públicos, reprimindo as mobilizações estudantis por mais verbas por educação e permanência estudantil de norte a sul do país; que segue exterminando a juventude pobre e negra nas periferias impunemente, que permite a matança generalizada contra as lideranças do campo; e que naturaliza um das maiores desigualdades sociais do mundo e ainda mais a corrupção e privilégios da minoria da elite e seus políticos profissionais.

Seguimos defendendo e apostando nossas forças na mobilização independente dos trabalhadores e dos setores das organizações de direitos humanos, familiares e ex-presos que atuam de maneira independente do Estado. Uma referência importante é a Frente Independente pela Memória, Verdade e Justiça de Minas Gerais, impulsionada por familiares, ex-presos, organizações de Direitos Humanos como IHG(Instituto Helena Greco), entidades sindicais como o CRESS (Conselho Regional de Serviço Social) que junto a organizações políticas como a LER-QI, o PSTU e a Liga Operária, que vem desenvolvendo uma importante articulação política independente da CNV pela punição de todos aqueles que cometeram crimes contra a humanidade. É necessário que as organizações de esquerda, sindicatos e centrais sindicais, em especial a CSP-Conlutas, da qual fazemos parte, passem a impulsionar uma campanha nacional pela memória, verdade e justiça, de maneira independente da CNV e dos pactos de Dilma com os militares, buscando na organização independente das massas a única via de lutar pela memória, verdade e justiça e de colocar abaixo os pactos reacionários que mantêm Dilma no governo.

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