Sábado 20 de Abril de 2024

Internacional

CUBA

Polêmica com a esquerda latino-americana

24 Apr 2008   |   comentários

Na América Latina há o sentimento de simpatia em relação a Cuba pela sua resistência ao imperialismo e pelas conquistas no terreno da saúde e da educação. É neste sentimento que se apóiam as correntes da esquerda populista e os débeis partidos comunistas para sustentar uma posição de apoio acrítico ao regime cubano, dizendo cinicamente que quem o critica faz o jogo do imperialismo. No outro extremo, há correntes que se reivindicam trotskistas como o PSTU, principal grupo da LIT, e que sustentam que em Cuba já foi restaurado o capitalismo, dando por perdida a batalha de antemão [1].

Para a LIT, desde 1995 Cuba é “um novo estado capitalista no qual a economia funciona de acordo com a lei capitalista em função do lucro” [2]. Esta restauração ocorreu sem que se informasse a burguesia cubana no exílio em Miami. Assim, o capitalismo foi restaurado sem a necessidade de “criar uma nova burguesia nacional” , não diretamente através do capital estrangeiro, mas principalmente por empresas espanholas e canadenses [3]. Para o PSTU, Cuba não só seria “capitalista” , mas também seria praticamente uma colónia de alguns monopólios espanhóis, administrada politicamente pela mesma burocracia que se manteve no controle do Estado.

Quantidade e qualidade

O PSTU fundamenta sua posição sobre o fim no “período especial” , no qual considera “os três pilares” do estado operário: a lei de investimentos estrangeiros, o “desmantelamento” do comércio exterior, a circulação do dólar - e logo de uma moeda conversível ao dólar -, e a privatização da produção e da comercialização da cana-de-açúcar com a criação de unidades cooperativas.

Evidentemente as medidas do “período especial” debilitaram as bases do estado operário deformado cubano, em particular a descentralização do comércio exterior, que permite que algumas empresas estatais e mistas autorizadas pelo Ministério de Comércio Exterior se abram ao mercado externo. Isto põe em sério risco as conquistas da revolução.

Mas o mais importante para os marxistas é definir quando mudanças quantitativas se transformam em qualitativas. Desde 1989 o governo vem transferindo cada vez mais hectares para a exploração tanto de cooperativas como de camponeses privados; estes possuem a produção, mas não a propriedade da terra, quer dizer, usufruem da terra, em muitos casos sem pagar arrendamento, mas não podem vender suas parcelas. Se isto muda e se restaura em grande escala a propriedade privada no campo, dará lugar ao surgimento ou à recriação de uma burguesia agrária.

Hoje 81,8% dos trabalhadores continua no setor estatal, e dos 18,2% que estão no setor não estatal, 5,4% são cooperativistas, 3,2% são autónomos e 9,6% está empregado diretamente pelo setor privado. Isso é o que o PSTU não pode explicar, simplesmente porque as concessões ao capital estrangeiro imperialista e a introdução de certas medidas de mercado não alteraram as relações sociais nas quais se baseia o Estado, no qual segue predominando a propriedade nacionalizada dos meios de produção. Isso constitui uma diferença entre a estrutura social cubana e qualquer país semicolonial da América Latina.

Cuba não é um país “socialista” , mas uma sociedade de transição na qual o capital local e estrangeiro foi expropriado e foram nacionalizados os principais meios de produção. Como explicava Trotsky para a URSS, as sociedades de transição têm uma combinação de elementos que são a base para a transição ao socialismo e de elementos capitalistas. Por isso mesmo em seu seio se recriam forças sociais que tendem à restauração das relações capitalistas, entre elas a própria burocracia.

As medidas da burocracia cubana nas últimas décadas fortaleceram as tendências pró-capitalistas, ainda que não tenham significado um salto contra-revolucionário social decisivo. Diferente da Rússia, China ou Vietnã, esta batalha em Cuba ainda está viva. Isso explica a urgência de uma revolução política para acabar com o domínio da burocracia. Dar por terminado este combate seria fatal para o destino da revolução cubana. Como dizia Trotsky, “é obrigação dos revolucionários defenderem cada conquista da classe operária, ainda que possam estar distorcidas pela pressão de forças hostis. Aqueles que não podem defender velhas posições nunca conquistarão novas.” (“Balance sheet of the finish events” , Fourth Internacional, junho 1940).

Revolução política ou “revolução democrática” ?

O PSTU-LIT sustenta posições contraditórias. Diz que “a principal ameaça à independência cubana não provém do imperialismo ianque ou dos gusanos. Para defender ou recuperar essa independência, hoje é necessário realizar uma nova revolução social que exproprie as empresas e capitais europeus e canadenses, da mesma forma que, para consegui-la, foi necessário expropriar o imperialismo ianque e os gusanos” [4]. Ou seja, abandonou a luta contra o bloqueio norte-americano e a hostilidade dos gusanos de Miami e a defesa das conquistas da revolução que ainda se preservam. Assim, o programa para Cuba seria igual ao de qualquer país capitalista.

Porém, num artigo recente coloca o contrário, afirmando que “o direito à livre organização de partidos e sindicatos em Cuba” é “a única maneira de defender as conquistas da revolução e deter o processo de restauração capitalista na ilha” [5] (não estava já “completado” ?).

Por trás deste ecletismo, a política do PSTU-LIT é uma estratégia de “revolução democrática” , ou seja, da “liberdade de partidos” em geral, o que inclui certamente partidos burgueses hostis à revolução, já que a chave é a luta contra a “ditadura capitalista” [6] do PCCuba.

Esta política repete os erros da LIT em 1989 quando dizia que havia triunfado a primeira etapa “democrática” da revolução à qual chamava de “outubro” . Como é sabido, a suposta “revolução democrática” culminou não num “outubro” , mas na restauração capitalista.

A alternativa ao regime de partido único da burocracia não é a “democracia em geral” , quer dizer, burguesa - que coloca a LIT. A única alternativa revolucionária é a luta por um governo baseado em conselhos operários e pela liberdade de partidos que defendem as conquistas da revolução.

Contra a estratégia da “revolução democrática” , levantamos a necessidade de uma revolução política encabeçada pelos operários e camponeses cubanos que parta da luta contra o imperialismo e seu bloqueio, e da defesa da propriedade nacionalizada e das conquistas da revolução que ainda se conservam. Esta revolução política terá efeitos sociais; diminuirá as crescentes desigualdades sociais e exercerá uma planificação democrática da economia de acordo com os interesses dos trabalhadores e dos camponeses, e desta forma assentará as bases para a construção de um estado operário revolucionário e para a luta pelo socialismo na América Latina.

Traduzido por Luciana Machado

[1Não vamos nos referir aqui a outras correntes como os chamados “capitalistas de Estado” ou o atual MAS que sustentam que Cuba nunca foi um estado operário deformado

[2“O que se discute sobre a sucessão de Fidel?” , A. Iturbe, publicado em Luta Socialista Nº 123, agosto 2006. Disponível em www.pstu.org.br

[3Atualmente, a LIT teria que trocar Espanha e Canadá por Venezuela e China que são os principais sócios comerciais de Cuba.

[4Idém. Estes mesmos conceitos são sustentados no artigo “Fidel Castro renuncia à presidência de Cuba” , J. Choma, redação do Opinião Socialista, www.pstu.org.br

[5“Confiamos no povo cubano” , Opinião Socialista número 329, março de 2008.

[6Ver “Cuba: o que virá depois de Fidel?” M. Hernández, Marxismo Vivo Nº 14, 2006.

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