Sexta 29 de Março de 2024

Nacional

CONTRA O REACIONARISMO RELIGIOSO

Pela defesa dos direitos democráticos das mulheres e dos homossexuais

23 Oct 2010   |   comentários

As eleições de 2010 trouxeram à tona não só a profunda influência da Igreja Católica e também das igrejas evangélicas nas discussões políticas nacionais, mas, também, como vem sendo construída uma dinâmica onde cada vez é cedido mais e mais espaço a setores reacionários. A competição reacionária entre Dilma e Serra sobre qual dos dois é mais contrário aos direitos elementares das mulheres, homossexuais, LGBTTs e contra a separação entre a Igreja e o Estado, é uma continuação de anos de governo Lula onde posições históricas elementares foram sendo entregues em nome de “compor alianças”. Cada aliado de Lula e Dilma se encorajou a pedir mais e mais. Sobre os corpos e direitos dos oprimidos é que está sendo construída não só as votações, mas também as alianças de governo. Esta situação exige da vanguarda de trabalhadores, jovens e intelectuais comprometidos com as lutas dos trabalhadores e oprimidos uma intransigente defesa destes direitos democráticos como o direito ao aborto, ao casamento igualitário, mas também avançar na compreensão e no programa para enfrentar as raízes estruturais de intermináveis benefícios concedidos à Igreja Católica, e crescentemente também às evangélicas, que as fazem viver um “céu na terra” em cima da opressão de milhões.

Está acontecendo um salto de reacionarismo?

Muitos jovens e trabalhadores têm assistido abismados às crescentes declarações, outdoors e panfletos ofensivos que têm tomado as ruas. Desde a defesa do criacionismo e da família composta de “macho” e “fêmea” (Malafaia da Assembléia de Deus), passando pela proibição de operações de mudança de sexo no SUS e revogação do já inofensivo Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (Garotinho) às declarações contra uma Dilma “matadora de criancinhas” vinda da esposa de Serra e do bispo de Guarulhos (Grande São Paulo) ou os panfletos em “defesa da vida” da Regional-Sul 1 da CNBB. Esta sensação de retrocesso é acentuada pelas declarações de Dilma e Serra que as reforçam. Dilma escreveu uma “Mensagem” onde se compromete a manter a legislação sobre o aborto do jeito que está, não alterar nenhum aspecto de laicização do Estado (mantendo as igrejas livres de impostos, mantendo o direito de símbolos religiosos em locais públicos, entre outros) e garantindo que a PL 122, que criminaliza a homofobia, permitirá a “liberdade de religião”, ou seja que não se aplicará aos padres e pastores que oferecerem “cura” à homossexualidade nem os punirá por incitar à violência. Agrava-se a esta situação o mais mórbido e inquisitorial silencio dos intelectuais afins ao petismo ou que apóiam Dilma como “mal menor”. Em nome das alianças e de derrotar Serra, estes intelectuais, inclusive militantes de direitos das mulheres e homossexuais, têm escolhido o silêncio, enquanto os bispos levantam suas vozes e ameaçam com o fogo do inferno (ou simplesmente com a mobilização reacionária, se conseguirem).

Os mesmos bispos que se calaram frente aos onipresentes escândalos de pedofilia envolvendo sua igreja, que calaram-se ou defenderam o bispo de Olinda quando este excomungou a mãe, a menina de 9 anos e o médico que realizou o aborto legal e perdoou o padrasto estuprador, agora pretendem-se portadores de alguma “moral”. Estes senhores que nunca trabalharam na vida e que têm intermináveis propriedades livres de impostos. São latifundiários sonegadores, e recebem felpudas verbas do Estado para fazer propaganda (seja pela via direta onde já se instituiu ensino religioso nas escolas públicas, ou pelo auxílio com verba pública a escolas, universidades e outras instituições confessionais). Querem agora dizer às mulheres e homossexuais que eles são a “corrupção” da sociedade brasileira.

Mesmo a ala “progressista” da Igreja Católica e de algumas igrejas evangélicas, ligada a movimentos camponeses e ao movimento operário, também se cala, ou no máximo faz campanha tímida por Dilma, como havia feito por ela ou Plínio no primeiro turno, mostrando que sua ideologia, antes de tudo, é a da obediência. Obediência à CNBB, e à Roma, comandada por um papa que foi militante nazista em boa parte da juventude (e esteve na linha de frente da expulsão de notórios membros da ala “progressista” como Leonardo Boff).

O governo Lula aprofundou o caráter não laico do estado brasileiro

Com o “álibi” de regularizar a situação jurídica da igreja católica no Brasil, Lula assinou com o vaticano, em 2008, um estatuto de numerosos artigos que legitimam o poder material e cultural – construído com muito sangue drenado através de séculos de exploração e opressão – da Igreja Católica no Brasil. Entre os mais escandalosos estão os que incentivam o ensino religioso nas escolas e outras instituições públicas como prisões e abrigos.

O poder da Igreja Católica, inclusive sua hegemonia religiosa, não pode ser garantido, muito menos expandido, de forma independente do Estado. Historicamente, Estado e Igreja estiveram umbilicalmente unidos e significaram uma relação fundante para a consolidação do capitalismo nos países colonizados. O Brasil, obviamente, não foge a isso e essa relação não se encerrou com a suposta “laicização do estado” em 1890.

No que tange ao governo Lula, este acordo expressa todo um operativo defensivo contra o surgimento de possíveis mobilizações democráticas. Estas crescentes em diversos países, com uma recente e importante expressão na Argentina, aonde se conquistou o matrimonio igualitário (casamento civil entre pessoas do mesmo sexo), poderia significar, no Brasil, um enfrentamento contra o governo.

Concretamente, o novo estatuto significa o apoio estatal a se divulgar desde cedo, nas escolas, idéias medievais que declaram a família patriarcal como fundamento ético; a sexualidade exclusiva para reprodução e, portanto, a maternidade como obrigação feminina; a homossexualidade como doença; o criacionismo como científico; entre outros preceitos, valores e dogmas reacionários que endossam o machismo e a homofobia. Foi a estes setores que Lula cedeu quando do PNDH-3, retirando dele todo aspecto progressista que tinha. Os crucifixos puderam ficar nas repartições públicas, o apoio a um projeto de lei pela descriminalização do aborto foi retirado, entre outros.

O que está expresso neste movimento do governo Lula quanto ao PNDH-3 e no compromisso firmado com o Vaticano é um enfraquecimento dos princípios laicos e um sinal verde para que as cúpulas religiosas possam exigir maiores compromissos. Neste sentido, as igrejas evangélicas também se aproveitam do caminho aberto por Lula para aumentarem suas relações e pressões sobre o executivo, conseguindo com o projeto da “Lei Geral das Religiões”, apoiado por Lula para expandir a essas igrejas todos os direitos concedidos à Igreja Católica.

Pelas bandeiras democráticas, contra o clero!

Ainda hoje a igreja, e seu clero no Brasil, são verdadeiros latifundiários com isenções de impostos para tudo e possuem livre caminho para propagar suas idéias arcaicas com inúmeras concessões de rádio e Tv. Possuem tantos privilégios fiscais, trabalhistas, patrimoniais e jurídicos que são, praticamente, o ideal de um burguês: poder usufruir tudo sem nada ter que pagar. Não bastasse isso, em milhares de localidades no Brasil clérigos agem como verdadeiros senhores feudais com imensos poderes políticos através de relações obscuras com representantes no executivo e legislativo.

Hoje, a Igreja Católica, igrejas evangélicas e seus respectivos valores são uma das maiores armas de impedimento das conquistas democráticas elementares como o matrimonio livre, pesquisa com células-troncos e, principalmente, a legalização do direito ao aborto. Porém, infelizmente, mesmo com todos esses privilégios e com tantos poderes usados permanentemente contra a população, o anticlericalismo não é uma marca da esquerda brasileira.

Essa debilidade fica expressa na ausência durante processo eleitoral de um enfrentamento da esquerda a essas posições reacionárias. Isso faz cobrar o preço hoje quando as igrejas armam um grande operativo junto ao estado que envolve lobbys, acordos com o Vaticano e compromissos com altas cúpulas religiosas para impedir os avanços democráticos no Brasil.

Essas instituições religiosas estão contra toda a população e contra os próprios fiéis, onde suas crenças são usadas oportunistamente a serviço dos poderes das cúpulas religiosas. As relações destas instituições com Estado garantem a hegemonia de uma moral que alimenta e justifica a exploração e opressão da maioria da população. Nesse sentido, as alianças entre igreja e Estado são um ataque à própria liberdade de crença, que fica ainda mais explícita em relação às religiões de origem africana, que sofrem uma clara descriminação e perseguição policial racista.

Entendemos que para arrancar os direitos democráticos é necessária uma postura radical contra a igreja e seus valores reacionários e um programa de enfrentamento ao estado e a suas relações espúrias com a igreja. Assim, compreendemos que é fundamental combinar às bandeiras democráticas um programa contra todo privilégio cedido pelo estado a igreja e a seu clero, pela expropriação de bens e terras da igreja para que possam ser controlas pelos trabalhadores e serem usadas para construir escolas, hospitais, creches públicas, pela punição de todos padres pedófilos e, também, aos cúmplices que encobrem os casos, exigindo que os bispos e padres trabalhem, lutando pelo fim do acordo Brasil-Vaticano, a laicização definitiva do ensino e imediata separação do estado da igreja.

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