Sexta 29 de Março de 2024

Debates

ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2008

PSOL: da tática à estratégia de braços dados com a burguesia

16 Feb 2008 | Nesse artigo, nossa intenção é travar um debate com a esquerda, e em especial com os setores que depositam expectativas no PSOL, sobre o salto na integração ao regime capitalista que esse partido está realizando a partir das eleições municipais deste ano. Não queremos discutir somente no patamar tático as alianças eleitoreiras com partidos burgueses que o PSOL prepara para o próximo período, senão que queremos abrir uma discussão estratégica que abarca, em nível internacional, a tendência de abandono da estratégia revolucionária por parte de setores do movimento trotskista em nome da formação de frentes eleitorais “anti-neoliberais” e de “partidos amplos anticapitalistas” sem uma clara delimitação de classe.   |   comentários

A crise do reformismo convertido em social-liberalismo

A crise de ex-partidos operários reformistas como o PT corresponde ao fato destes terem se tornado os agentes da ofensiva neoliberal. Esse giro é, talvez, a última fase de sucessivas adaptações ao regime capitalista que durante os últimos anos atingiu não só os antigos partidos trabalhistas mas também a velha social-democracia européia.

O PT, desde a sua formação, já dava mostras suficientes de que o seu projeto político era buscar espaços na democracia burguesa, a princípio vendendo a ilusão de que seria possível construir o “socialismo” por dentro da democracia dos ricos, e mais tarde capitulando abertamente à idéia de governar o Estado da burguesia com mais “responsabilidade” e “ética” , alimentando nas massas a ilusão de que poderia se criar um capitalismo mais “humano” . Na década de 90 o PT, sem dúvida, deu um salto na adaptação às regras do capital. Da administração de uma prefeitura, o PT avançou para municípios de diversos Estados, governos estaduais, mandatos parlamentares e, principalmente, as sucessivas candidaturas de Lula à presidência da república, que serviram para forjá-lo como peça fundamental no jogo da dominação burguesa, na medida em que funcionava como um dique de contenção para que as mobilizações operárias não ultrapassem os limites permitidos pela burguesia e o imperialismo.

Hoje, de dique de contenção o partido dos trabalhadores se tornou o principal aplicador de um neoliberalismo tardio, completando sua passagem do reformismo ao social-liberalismo, seguindo assim o mesmo caminho dos partidos reformistas da Europa.

O PSOL nas eleições municipais: um salto na integração ao regime

O espaço que o PT preencheu durante duas décadas como ala esquerda do regime capitalista ficou em aberto a partir do momento em que este assumiu diretamente o cargo mais alto do Estado. Infelizmente, setores da esquerda, em especial o PSOL (e dentro dele inclusive setores que se reivindicam trotskistas, como Heloísa Helena da corrente interna do PSOL chamada “Enlace” e da corrente internacional do movimento trotskista chamada “Secretariado Unificado” ; Luciana Genro da corrente interna do PSOL chamada “MES” , que faz parte do “ReagrupAmérica” ; ou Babá da CST), não somente não tiraram as lições devidas desse processo, como se mostram cada vez mais ansiosos para ocupar o espaço à esquerda que o PT vai deixando dentro do regime.

Alguns poucos exemplos são suficientes para demonstrar que o programa “anti-neoliberal” levantado pelo PSOL é alheio aos interesses da classe operária e do povo pobre e está longe de uma conseqüente luta anti-capitalista. O PSOL rebaixa o programa à altura de seus aliados circunstanciais, inclusive tomando reivindicações de outras classes ’ essencialmente da burguesia “não monopolista” , ou da pequena-burguesia. Em 2006, o PSOL se apresentou nas eleições presidenciais com a candidatura de Heloisa Helena, conformando a Frente de Esquerda junto com o PSTU, com um programa que consistia em um conjunto de medidas capitalistas “neodesenvolvimentistas” ou favoráveis aos setores “produtivos” da burguesia supostamente não ligados às finanças, como por exemplo com a exigência de redução da taxa de juros. A intenção seria construir um arco o mais amplo possível contra o neoliberalismo para preencher o espaço vazio deixado pelo reformismo tradicional. Nesse caminho, o PSOL opta por negar as demandas mais elementares dos trabalhadores e do povo pobre, como o não pagamento da divida interna e externa, a re-estatização sob controle dos trabalhadores das empresas privatizadas ou a luta por um salário mínimo que atenda as necessidades de uma família trabalhadora. Como se não bastasse, foi mais além. Votou no Congresso a favor do Super-Simples, o início da reforma trabalhista. E depois de ter participado junto com a burguesia da Fiesp na cruzada contra a CPMF, articula, junto com o DEM (ex. PFL), PSDB, PPS, PV e outros partidos burgueses a CPI dos cartões, uma medida inócua para combater a corrupção, mas que serve muito bem aos interesses eleitoreiros destes partidos e para manter as ilusões dos trabalhadores nessa democracia apodrecida.

Agora, as vésperas das eleições municipais, o PSOL está disposto a alianças de todos os tipos para concretizar seu projeto político eleitoralista, avançando no grau de integração ao regime capitalista. Em nome dos trabalhadores, Luciana Genro, Deputada Federal pelo RS e candidata a prefeitura de Porto Alegre, prepara uma coligação com um partido burguês, o PV, e vai repetindo em forma de farsa a tragédia do “modo petista de governar” . Declara em entrevista publicada no site do PSOL que: “Democracia participativa é uma necessidade, pois a democracia representativa está cada vez menos representativa (...) Em Porto Alegre, o OP cumpriu um papel progressivo em relação às tradicionais formas de decisão (...) Mas temos que ter olhos críticos. Hoje as limitações do OP estão evidentes. Primeiro, só 6% do orçamento é destinado para o atendimento das demandas. As comunidades fazem um esforço enorme para participar das assembléias e incluir a sua demanda no orçamento e depois ficam esperando vários anos para a coisa acontecer. Algumas não se concretizam nunca” .
Que papel progressivo pode cumprir uma política que reserva para o povo “gerenciar” miseráveis 6% de um orçamento enquanto 94% é destinado à roubalheira generalizada e aos favorecimentos políticos? Tamanha adaptação aos limites impostos pela burguesia só alimenta ilusões no capitalismo e não altera em nada a condição de vida do conjunto das classes oprimidas.

Lamentavelmente os “partidos amplos” e as “frentes anti-neoliberais” não fizeram mais do que desperdiçar sua força militante a serviço de levar políticos aos parlamentos, que no dia seguinte de conseguirem sua bancada, ou desertam para partidos burgueses ou votam leis antioperárias ’ como no caso do PSOL.

As bases teóricas do giro à direita

A princípio discutia-se na extrema esquerda européia sobre a construção de “partidos anticapitalistas amplos” . A conseqüência da construção destes partidos a partir dos anos 1990 não foi a constituição de partidos “ajustados à nova época” e seus desafios, como alegavam seus idealizadores, pois levou setores do movimento trotskista a participar de frentes, blocos e partidos anti-neoliberais sem delimitação de classe, como o Partido Socialista Escocês , o Partido da Esquerda na Suécia, o Bloco de Esquerda em Portugal, a Aliança Vermelha-Verde na Dinamarca, a Aliança Socialista e o projeto recentemente implodido da frente eleitoral RESPECT na Grã Bretanha. A LCR francesa (Liga Comunista Revolucionária), principal organização do Secretariado Unificado (SU) ao qual pertence Heloísa Helena, acabou de lançar no seu congresso um chamado a conformar um amplo partido anticapitalista, destinado a seguir o caminho dos antigos “experimentos” . Com essa orientação, consolida o seu abandono definitivo das posições de independência de classe, negando a centralidade da classe operária e transformando em não mais do que uma “fé” inofensiva a bandeira do socialismo.

É justamente dessa corrente que vem a justificação teórica para esse giro oportunista. Uma vez concretizado o abandono teórico da estratégia revolucionária, no nível organizativo o SU avança para a conformação de blocos anticapitalistas amplos ou frentes eleitorais anti-neoliberais, sem delimitação de classe, ao qual definimos como liquidacionismo. Num texto recente, um dos teóricos da LCR, Daniel Bensaid, discute como nos anos 70 a LCR defendia duas “hipóteses estratégicas” para a revolução. Uma das hipóteses revolucionárias é a que ele de forma simplista denomina por “greve geral insurrecional” , fazendo referência à estratégia da Revolução Russa de outubro de 1917; ou seja, uma revolução encabeçada pela classe operária em aliança com as classes subalternas, com hegemonia dos centros urbanos sobre o campo, que estabelece a ditadura do proletariado baseada em “sovietes” ou conselhos de operários e camponeses como organismos de autodeterminação e que se apropria do poder por meio de uma insurreição armada dirigida por um partido marxista revolucionário. A outra, a teoria do foco de Che Guevara, ou a guerra popular prolongada de Mao, eram parte da estratégia guerrilheira, no sentido de uma revolução realizada não pela insurreição de massas, mas por um partido-exército, surgidas a partir do exemplo das revoluções cubana e chinesa no pós-guerras.

Hoje, a LCR tenta superar estes “velhos debates” da época de crises, guerras e revoluções que ainda hoje vivemos para defender uma hipótese estratégica sem perspectiva de revolução: “A direção da LCR considera imprevisíveis as formas de emergência e as características de duplo poder (a hipótese estratégica), no entanto, o único que lhe parece correto e esperável é que as instituições do regime democrático burguês cumpram um papel central na emergência deste duplo poder.”

No que isso implica na prática? Existem distintas apropriações mais ou menos parecidas em suas conclusões: é a “luta pelo democracia até o final” , síntese desta nova hipótese estratégica, que consiste em considerar como única possibilidade de superação do capitalismo manter as formas institucionais da democracia burguesa, criando “espaços” e combinações de surgimento de um “duplo poder” no interior das instituições burguesas, que teria como um dos exemplos o Orçamento Participativo de Porto Alegre, defendido pelo PT e também pelo PSOL, no qual se vê uma suposta “dialética” entre o governo municipal eleito pelo sufrágio universal e os “comitês” que discutem as designações orçamentárias. Estas experiências demonstraram, no entanto, que o “papel estratégico” destas organizações foi pressionar e se adaptar aos governos social-liberais, ou, como foi o caso da corrente interna do PT chamada Democracia Socialista (DS) (da qual provém Heloísa Helena), de se diluir completamente enquanto organização para administrar os negócios capitalistas. Ou seja, além das intricadas “definições estratégicas” , definimos que “é um exercício de aberto reformismo municipalista que deixa (na melhor das hipóteses) intacto o poder dos capitalistas, demonstrando que esta ”˜democracia radical”™ se detém ante o limite da propriedade, isto é, que não leva a nenhuma revolução social” .

Essa estratégia de se apoiar na democracia burguesa para tentar “permeabilizar o estado” , nos dizeres de Heloísa Helena é apresentada como uma grande novidade, que responderia aos desafios colocados para os revolucionários no século XXI. No entanto, ela não tem nada de nova e se assemelha à velha estratégia de “guerra de desgaste” de Kautsky, ainda que hoje estas organizações liquidacionistas não tenham a ordem de grandeza que assumiu a social-democracia clássica ’ defensora desta perspectiva no início do século XX. Trotsky, ao discutir contra Kautsky, grande teórico do reformismo (e da falência) da II Internacional, aponta quais os problemas de sua teoria: “quem deseja o fim não pode rechaçar os meios, o abandono da ditadura do proletariado significa abandonar a estratégia da revolução socialista e o ponto de vista da classe operária em favor da ”˜ilusão democrática”™ própria das classes médias ilustradas ’ que alimentam a esperança de amortecer as contradições sociais e, em última instância, o choque inevitável entre a revolução e a contra-revolução, através do sufrágio universal e das instituições da democracia parlamentar” .

O papel do PSOL nestas eleições será aprofundar as ilusões de setores das massas no regime burguês, partindo de toda bagagem teórica do liquidacionismo nas últimas décadas. O papel das organizações revolucionárias do proletariado é combater estas ilusões, tanto no plano político e tático quanto no plano estratégico: somente desta maneira é possível educar uma nova vanguarda revolucionária que coloque na ordem do dia a única “hipótese estratégica” de superação do capitalismo, a revolução proletária internacional e a construção do partido mundial da revolução.

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