Sexta 19 de Abril de 2024

Internacional

Os valores reais da “união nacional” e sua funcionalidade ao imperialismo

17 Jan 2015 | A campanha pela “união sagrada”, tingida de racismo e ódio aos imigrantes, desatada pelo governo Hollande depois do atentado (que junto ao ataque antissemita ao supermercado Kosher em Paris causou 17 mortos), adotada por todo o arco político francês, seus meios de comunicação e mesmo as organizações sindicais, mostrou com notável clareza a função histórica de seu apelo: convencer de que a união entre as classes de um mesmo país está acima da luta de classes internacional para tornar mais profunda a subordinação dos trabalhadores à restabilização interna da burguesia.   |   comentários

A campanha pela “união sagrada”, tingida de racismo e ódio aos imigrantes, desatada pelo governo Hollande depois do atentado (que junto ao ataque antissemita ao supermercado Kosher em Paris causou 17 mortos), adotada por todo o arco político francês, seus meios de comunicação e mesmo as organizações sindicais, mostrou com notável clareza a função histórica de seu apelo: convencer de que a união entre as classes de um mesmo país está acima da luta de (...)

Uma das funções mais notáveis desta fórmula tradicional da burguesia, desde a Primeira Guerra Mundial até hoje, é encadear as distintas classes sociais por trás dos interesses fundamentais do estado burguês.

Numa resposta semelhante ao “Patriot Act” norteamericano após os atentados do 11 de setembro, em que George W. Bush lançou o discurso de “Guerra ao Terror” nas ocupações militares do Iraque e do Afeganistão, o governo francês aproveitou o discurso de uma suposta guerra entre a “civilização ocidental democrática”, defensora “dos valores republicanos e libertários” contra o “islã fundamentalista oriental” para anunciar o reforço de sua intervenção na Síria e no Iraque contra o Estado Islâmico, enviando o porta-aviões Charles de Gaulle, acompanhado por uma fragata de defesa antiaérea, um submarino nuclear e um petroleiro para abastecimento, junto a doze caças-bombardeiros Rafale.

Essa é a forma com que o imperialismo francês se aproveita dos atentados reacionários para reinstaurar seus direitos de existência, e de partilha do Oriente Médio, com sua maior presença militar. O empenho específico da França em suas intervenções estrangeiras nos últimos anos (Líbia, Mali, Somália, República Centroafricana, Síria, Iraque) reflete a necessidade do imperialismo francês preservar e aumentar sua posição privilegiada nos países oprimidos em momentos de grande dificuldade interna, razão pela qual Hollande reivindica o “acerto” de ter iniciado a campanha contra o Estado Islâmico antes de Washington ou Londres. Não está certo se a França conseguirá manter esse status especial, mas provisório, surgido na conjuntura, já que seu poderio econômico decadente e a imensa crise econômica por que passa não corresponde a aspirações de melhores posições mundiais.

De fato, a unidade reacionária dos governos europeus em solidariedade diplomática com Hollande não apaga as contradições dos interesses capitalistas internacionais. Muito ao contrário de a França ser “o centro do mundo hoje”, esta se encontra enormemente endividada (sua dívida pública atinge 95% do PIB, 2 trilhões de euros), e continua assediada pela imposição dos planos de austeridade por parte da Alemanha (o governo socialista já havia aprovado um plano de cortes de 500 bilhões de euros, além do Plano Macron, que busca liberalizar a economia e fundamentalmente liquidar uma série de direitos das organizações sindicais, como a facilitação das demissões). Por trás do encantamento do momento, aparecerá a relação de forças real na Europa: a tutela para a aplicação dos planos de austeridade continua sendo da Alemanha para toda a Europa, inclusive a França.

Portanto, o que interessa à burguesia francesa e seus governantes não é em absoluto a “defesa da república” atacada em seus “princípios de laicidade e respeito pelas crenças” (como disse Hollande, um verdadeiro terrorista de Estado contra os povos muçulmanos da África e do Oriente Médio, perseguidor de imigrantes em seu próprio país), mas sim a defesa de seus mercados, suas concessões estrangeiras, suas fontes de matérias primas e suas zonas de influência. Os “valores sagrados” do republicanismo burguês são a propriedade privada e suas posições mundiais. O patriotismo oficial é uma máscara que encobre estes interesses de exploração.

O fortalecimento do regime e do Estado

Nada disso seria possível sem o impacto imediato positivo que a condução da crise teve sobre a presidência de Hollande. Nacionalmente, Hollande se viu refortalecido juntamente a todas as instituições da V República. Seu êxito em sediar uma cúpula antiterrorista e uma manifestação de repúdio ao atentado que reunia os chefes imperialistas da Europa (e seu aliado genocida no Oriente Médio, o sionista Netanyahu), a concórdia de todos os meios de comunicação por trás do discurso de “unidade nacional” e os aplausos às forças armadas e à polícia atestam a recuperação de sua autoridade (88% da população francesa reconhece que Hollande “administra bem” a crise).

Se até agora a crise do bipartidarismo burguês em toda a Europa marcava este capítulo da crise econômica mundial, e que na França surgia como o enfraquecimento do centro burguês PS-UMP e o fortalecimento da extrema-direita “republicanizada” com Marine Le Pen, estas últimas jornadas estancaram a queda livre dos partidos tradicionais, e especialmente revigoraram as perspectivas eleitorais de uma candidatura de Hollande para 2017 (antes praticamente descartada pelo imenso índice de rechaço entre a população francesa).

No imediato provavelmente haja um campo mais livre para o avanço dos planos de austeridade contra os trabalhadores. Mas isso não significa que esta recomposição – totalmente à direita – do republicanismo francês seja duradoura, como vimos no ponto anterior, devido às contradições sociais da França, que revelaram todo o “valor” das liberdades no país: a proibição de marchas em repúdio ao assassinato de Rémi Fraisse pela polícia e das manifestações em solidariedade ao povo palestino durante a ofensiva genocida de Israel.

Contra a “união sagrada” racista e o oportunismo das direções sindicais franceses: uma só classe!

A França é um país riquíssimo em suas tradições revolucionárias, que atravessam séculos para atingir as grandes explosões emancipadoras do proletariado em diversas oportunidades do século XX. As pérfidas traições das direções operárias, que auxiliaram a resistência contrarrevolucionária da burguesia francesa, foram também enormes. Basta lembrar a política traidora do Partido Comunista Francês e dos sindicatos de massas (principalmente a CGT) na “Frente Popular antifascista”, de colaboração e “união sagrada” entre os trabalhadores e a burguesia na década de 1930, que fez derrotar o processo revolucionário de tomadas de fábrica em 1936; ou a política nacionalista do PCF durante a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial, em que a direção stalinista apoiou o general De Gaulle, mero apêndice do aparato militar inglês, e a política imperialista dos “aliados”.

O silêncio das grandes organizações sindicais atuais e seu completo seguidismo ao “novo consenso reacionário” de Hollande faz lembrar destas experiências passadas de “união” com a burguesia, incentivados pelas burocracias operárias e sindicais. “Em épocas de guerra ou revolução a burocracia sindical se transforma definitivamente na polícia militar do Estado Maior do Exército dentro da classe operária [...] há uma só maneira de salvar os sindicatos: transformá-los em organizações que se coloquem como objetivo o triunfo sobre a anarquia capitalista e a bandidagem imperialista,” diz Trotsky em 1940.

Os operários franceses são herdeiros da grande tradição revolucionária que, em meio à Segunda Guerra Mundial, deu uma formidável lição de internacionalismo prático. Operários franceses, servindo no Exército, tiveram política para confraternizar com as tropas alemãs estacionadas na cidade portuária de Brest. Os militantes franceses publicavam um periódico clandestino, “Arbeiter und Soldat” (Operário e Soldado), de julho a outubro de 1943, chamando a confraternização entre os soldados alemães, operários em uniforme, e seus irmãos franceses, contra a guerra imperialista e o veneno nacionalista propagandeado pelo PCF. Esta tentativa foi lamentavelmente descoberta pelos chefes militares da Gestapo de Hitler, e todos os seus responsáveis foram executados. Mas resta como uma grande lição de combate internacionalista intransigente, contra a união reacionária difundida pelas direções operárias de massas que se calavam ante os ódios nacionais alimentados pela burguesia em guerra, nas piores horas que viveu a humanidade.

É imprescindível a recuperação do internacionalismo proletário para derrotar as tentativas de recriar ódios nacionais, racismos e medidas xenófobas a serviço dos interesses do imperialismo, e também a colaboração das direções operárias. É desta oposição irreconciliável contra a decadência imperialista e o giro reacionário da V República que depende a luta contra os ataques antioperários e todo tipo de racismo que divide trabalhadores imigrantes e nativos em toda a Europa, em defesa da unidade operária internacional, pela livre circulação dentro da Europa e contra qualquer intervenção estrangeira por parte da França ou da Europa.

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