Sexta 19 de Abril de 2024

Teoria

LEON TROTSKY

Os problemas da Guerra Civil (1924)

24 Aug 2012   |   comentários

Há 72 anos, Leon Trotsky, dirigente da revolução russa de 1917, junto a Lênin, era assassinado no México por um assassino enviado por Stalin. Seu assassinato foi o ponto culminante de uma política de perseguição, terror e morte que a burocracia stalinista tinha lançado sobre ele e seus seguidores. Esta incluiu não só a morte de seus quatro filhos e o assassinato de vários de seus colaboradores mais íntimos, mais ainda o fuzilamento em massa de seus companheiros de luta que resistiam heroicamente ao stalinismo nos campos de deportação e nas prisões da União Soviética.

O assassinato de Leon Trotsky foi um frio cálculo político de Stalin, baseado na previsão de que a Segunda Guerra mundial engendraria novamente a revolução, tal como havia ocorrido na primeira guerra com a revolução russa em 1917. Trotsky encarnava a experiência viva da revolução de Outubro. A crueldade de Stalin em acabar com sua vida se apoiava no temor de que novos triunfos revolucionários questionassem a dominação imperialista e com ela o domínio da própria burocracia na própria URSS.

Trotsky foi uma personalidade revolucionária extraordinária. Junto a Lênin foi o mais importante teórico e estrategista marxista do século XX e seu continuador na batalha por manter viva a herança revolucionária de Outubro perante o ascenso do stalinismo e do fascismo durante a década de ’30; uma década marcada pela maior crise capitalista da história e o início de uma nova carnificina imperialista mundial.

A justeza do combate de Trotsky faz com que sua figura seja a personificação da continuidade revolucionária de Marx, Engels, Lênin e da tradição revolucionária do marxismo, que só cresceu com o passar do tempo. Trotsky soube manter a firmeza revolucionária quando outros fraquejavam e ainda na situação mais hostil morreu convencido que o futuro comunista era o único destino progressivo que poderia aspirar a humanidade.

Hoje, frente a emergência da crise capitalista mais profunda desde os anos ’30, que mostra os limites de um período de triunfalismo burguês e o começo de um novo ciclo da luta de classes mundial, o legado de Leon Trotsky recupera mais atualidade do que nunca. Só esta herança, que afrontou as duras provas do século XX, pode apresentar-se como o verdadeiro marxismo revolucionário de nossos dias.

Trotsky dedicou os últimos anos de sua vida a construir a Quarta Internacional, o partido mundial da revolução socialista. As crise capitalista mundial e os acontecimentos da luta de classes que estamos vivendo em distintas partes do planeta antecipam o que virá, ao mesmo tempo em que mostram a validez da perspectiva revolucionária do trotskismo.

O PTS e a FT-QI lutam por um programa e uma estratégia internacionalista com o objetivo de construir partidos revolucionários da vanguarda trabalhadora e juvenil em todo o mundo como parte da reconstrução da Quarta Internacional fundada por Leon Trotsky.

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Em sua homenagem, publicamos a conferência de Leon Trotsky “Os problemas da guerra civil”, realizada em 29 de julho de 1924, nos momentos que a “troika” (Stalin, Zinoviev e Kamenev) começava sua ofensiva contra o “trotskismo”, como parte da burocratização do Estado Operário. Esta conferência mostra, conjuntamente com outros textos do ano de 1924, como o prefácio de Trotsky aos artigos de Engels conhecidos como Notes sur la guerre (escrito em março – publicado pela primeira vez em castelhano em http://www.ips.org.ar/?p=3096), e o texto Lições de Outubro (de setembro, prólogo a sua compilação de artigos de 1917), o interesse crucial de Trotsky pelos problemas da arte da insurreição e da guerra civil, como parte de manter viva a herança revolucionária de outubro de 1917 e instruir o partido e os operários avançados (contra as tentativas da troika de apagar o passado) nestas lições.

Os problemas da guerra civil

Leon Trotsky

29 de Julho de 1924

Tradução de Gloria Pagés e Rossana Cortez. Retirado da versão digital “Les problèmes de la guerre civile”, publicada no Marxist Internet Archives/français/Trotsky/ Œuvres. Primeira publicação em russo no Pravda Nº 202 – 6-09-1924. Em françês: folheto Ed. de L’Humanité, setembro 1926. As notas foram preparadas para esta edição, salvo as que tenham aviso do contrário. Existe outra versão deste artigo em Mandel, Teoria e prática da revolução permanente (comp.), México D.F Siglo XXI, 1983.

Conferências realizadas na Sociedade de Ciências Militares de Moscou, em Julho de 1924

É um fato que até o momento ninguém se preocupou em organizar um compêndio das lições que se desprendem das experiências da guerra civil [1], tanto da nossa, como a de outros países. E, no entanto, prática como ideologicamente, um trabalho deste tipo responde a uma necessidade imperiosa. Por toda a história da humanidade, a guerra civil cumpriu um papel particular. Desde 1871 a 1914 os reformistas imaginavam que, para a Europa Ocidental, esse papel tinha terminado. Mas a guerra imperialista voltou a por a guerra civil na ordem do dia. Disto, sabemos e entendemos. Incluímos em nosso programa. No entanto, falta-nos quase por completo uma concepção científica da guerra civil, de suas fases, de seus aspectos e de seus métodos. Também notamos enormes lacunas na simples descrição de acontecimentos que se sucederam neste terreno pelos últimos dez anos. Recentemente, me lembrei e seria importante demarcar que nós dedicamos muito tempo e esforço ao estudo da Comuna de Paris, mas descuidamos completamente a luta do proletariado alemão, rica, no que diz respeito às experiências de guerra civil e que ignoramos quase completamente as lições da insurreição búlgara de setembro de 1923[2]. Mas o mais surpreendente é que parece que está bem que desde muito tempo, a experiência da Revolução de Outubro tenha-se relegado aos arquivos. E, no entanto, na Revolução de Outubro, existem muitas coisas que podemos tirar proveito em relação as táticas militares, já que não há dúvida de que a próxima guerra, a um nível infinitamente maior do que até este momento, se combinará com diversas formas de guerra civil.

A preparação e a experiência da insurreição búlgara de setembro de 1923 oferecem também um grande interesse. Temos a nossa disposição os meios necessários, já que grande quantidade de camaradas búlgaros, que fizeram parte da insurreição, vivem agora na Rússia e podemos dedicar um estudo sério dos acontecimentos. É fácil, além disso, criar uma idéia de conjunto. O país que foi o cenário da insurreição não é maior que uma província russa. E a organização das forças combatentes, os agrupamentos políticos ali se revestem de um caráter governamental. Por outro lado, para os países onde predomina a população camponesa (e são numerosos, especialmente todos os países do Oriente) a experiência da insurreição búlgara tem uma importância central.

Mas no que consiste nossa tarefa? Em redigir um manual para conduzir as operações revolucionárias, uma teoria da revolução, ou um regulamento da guerra civil? De todos os modos, o mais importante da obra que temos que construir, trata da insurreição como fase suprema da revolução. Temos que reunir e coordenar os dados da experiência da guerra civil, analisar as condições em que ocorreram, estudar os erros cometidos, por em destaque as operações mais bem sucedidas, tirar as conclusões necessárias. Uma vez feito isto, enriquecemos: a ciência, isto é, o conhecimento das leis da evolução histórica, ou a arte militar revolucionária, tomada como um conjunto de regras retiradas da experiência? Desde meu ponto vista, enriquecemos tanto um como o outro. Mas, concretamente, só pensaremos na arte militar revolucionária.

Compor uma espécie de “regulamento da guerra civil”[*] é uma tarefa complicada. Para começar, é necessário descrever as particularidades das condições essenciais para a tomada do poder pelo proletariado. Deste modo, permanecemos no terreno na política revolucionária; mas a insurreição, em última instância, não é a continuação da política por outros meios? A análise das condições essenciais da insurreição deverá estar adaptada aos diferentes tipos de países. Por um lado, temos países onde o proletariado constitui a maioria da população e, de outro, países onde o proletariado é uma ínfima minoria da população entre a população camponesa. Ente esses dois pólos, os países de um tipo intermediário. Assim, temos que basear nosso estudo em três tipos de países: industriais, agrários e intermediários. Da mesma maneira, no capítulo introdutório dedicado aos postulados e condições revolucionárias que são necessárias para a tomada do poder, descreveremos as particularidades de cada um destes países, desde o ponto de vista da guerra civil.

Consideramos a insurreição de duas maneiras: primeiro, como uma etapa determinada do processo histórico, como uma refração das leis objetivas da luta de classes; logo, desde um ponto de vista objetivo e prático, queremos dizer: de que modo preparar e executar a insurreição para assegurar o maior êxito possível. A guerra nos oferece, neste sentido, uma analogia impressionante, já que é também, produto de certas condições históricas, o resultado de um conflito de interesses. Ao mesmo tempo, a guerra é uma arte. A teoria da guerra é um estudo das forças e dos meios que se dispõem, de sua concentração e seu modo de emprego para conseguir a vitória. Paralelamente, a insurreição é uma arte. No sentido estritamente prático, aproximando em certa medida aos regulamentos militares, pode e deve-se por em pé uma teoria da insurreição.

Evidentemente, nos chocaremos no princípio com todo tipo de mal-entendido e críticas daqueles que não deixaram de dizer que a idéia de escrever um regulamento da insurreição, com mais razão, da guerra civil, é pura utopia burocrática. É provável que digam inclusive que queremos militarizar a história, que o processo revolucionário não se regulamenta, que em cada país a revolução têm suas particularidades, sua originalidade, que em tempos revolucionários a situação se modifica a cada momento e que é uma quimera querer fabricar esboços em série para dirigir revoluções ou estabelecer, como um suboficial de quartel, uma série de prescrições inacessíveis e impor a estrita observação destas normas.
Mas se alguém pretendesse estabelecer algo assim, seria totalmente ridículo. Mas no fundo, o mesmo se pode dizer de nossos regulamentos militares. Toda guerra se desenvolve em uma situação e em condições que não se podem prever de antemão. No entanto, sem o apoio dos regulamentos que reúnem os dados da experiência militar, é pueril querer conduzir um exército, tanto em tempos de paz como em tempos de guerra. O antigo provérbio: “Não te agarres ao regulamento como um cego a parede”, não minimiza de nenhum modo a importância da lógica formal ou das regras da aritmética. É indiscutível que, na guerra civil, os elementos necessários para o estabelecimento de planos, para a organização, para as instruções a seguir, são infinitamente mais excepcionais que nas guerras entre exércitos “nacionais”. Na guerra civil, a política se mescla com as ações militares mais estreitamente, mais intimamente que na “guerra nacional”. Deste modo, seria em vão transpor os mesmos métodos de uma esfera para outra. Mas não se deduz disso que seja proibido apoiar-se na experiência adquirida para extrair métodos, processos, indicações, diretrizes, sugestões que tenham um significado preciso e convertê-los em regras gerais capazes de serem inseridos em um regulamento da guerra civil.

Assim, entre essas regras, se mencionará a necessidade de subordinar estritamente as ações puramente militares a uma linha política geral, de ter em conta rigorosamente o conjunto da situação e o estado de ânimo das massas. Em todos os casos, antes de taxar de utópica uma obra deste tipo, é necessário decidir, depois de um profundo exame do tema, se existem regras gerais que condicionem ou facilitem a vitória em períodos de guerra civil e em que consistem essas regras. Somente depois de um exame deste tipo poderá se definir onde terminam as indicações precisas, úteis, que disciplinam o trabalho a ser realizado e onde começa a fantasia burocrática.

Tratemos de abordar a revolução partindo deste ponto de vista. A fase suprema da revolução é a insurreição, a que decide o poder. A insurreição sempre esta precedida por um período de organização e de preparação sobre a base de uma campanha política determinada. Em geral, o momento da insurreição é breve, mas é um momento decisivo no curso da revolução. Se alcança a vitória, segue um período que compreende a consolidação da revolução por meio do esmagamento das últimas forças inimigas e a organização de um novo poder e das forças revolucionárias encarregadas na defesa da revolução. Nestas condições, o regulamento da guerra civil deverá ter três capítulos, pelo menos: a preparação da insurreição, a insurreição e finalmente a consolidação da vitória. Assim, além da introdução de princípio de que falamos mais acima para caracterizar, sob a forma abreviada de regras gerais ou sob a forma de diretrizes, de postulados e condições revolucionárias, nosso regulamento da guerra civil deverá conter três capítulos que englobem em ordem de sucessão as três principais etapas da guerra civil. Tal será a arquitetura estratégica da obra.
O problema estratégico que temos que resolver consiste, precisamente, em combinar de forma lógica todas as forças e meios revolucionários com vistas a alcançar o objetivo principal: a tomada e defesa do poder. É evidente que, cada aspecto desta estratégia da guerra civil apresenta múltiplos problemas táticos particulares, como a formação de milícias de fábrica, a organização de postos de comando nas cidades e nas linhas férreas e na preparação minuciosa dos meios para apoderar-se dos pontos vitais das cidades. Estes problemas táticos aparecerão em nosso regulamento da guerra civil, uns no segundo capítulo que se refere a insurreição, outros no terceiro que englobará o período da derrota do inimigo e a consolidação do poder revolucionário.

Se adotarmos um plano de trabalho deste tipo, teremos a possibilidade de abordar nossa obra de vários ângulos por sua vez. Deste modo encarregaremos a um grupo de camaradas certas questões táticas referentes a guerra civil. Outros grupos estabelecerão o plano geral da introdução de princípio e assim sucessivamente. Ao mesmo tempo será necessário examinar, desde o ângulo da guerra civil, o material histórico que reunimos, já que é evidente que nossa intenção não é forjar um regulamente que seja um simples produto da razão, mas uma regulamento inspirado na experiência, iluminado e enriquecido, por um lado pela teoria marxista e também pelos dados da ciência militar.

Sabemos que os regulamentos militares só tratam de métodos, em outras palavras, não dão mais que diretrizes gerais sem baseá-las em exemplos precisos ou em explicações detalhadas. Podemos adotar o mesmo método para enunciar o regulamento da guerra civil? Não é seguro. É muito possível que sejamos obrigados a citar, a título ilustrativo, o regulamento mesmo ou em um capítulo anexo, certo número de fatos históricos ou, ao menos, nos referir a eles. Isto talvez seja uma excelente maneira de evitar um excesso de esquematismo.

A insurreição e a definição do “momento”

Do que se trata? De um regulamento da guerra civil ou de um regulamento da insurreição? Finalmente, penso que se adotado o regulamento, trata-se antes de tudo de um regulamento da guerra civil.

Alguns camaradas, dizem, apresentaram objeções neste tema e tinha-se a impressão de que confundiam a guerra civil com a luta de classes e a insurreição com a guerra civil. A verdade é que a guerra civil constitui uma etapa determinada da luta de classes, quando essa, rompendo os marcos da legalidade, se localiza no plano do enfrentamento público e em certa medida físico, das forças que se enfrentam. Concebida deste modo, a guerra civil engloba as insurreições espontâneas, determinadas por causas locais, as intervenções sanguinárias dos bandos contra-revolucionários, a greve geral revolucionária, a insurreição para a tomada do poder e o período de liquidação das tentativas de levantes contra-revolucionários. Tudo isso entra no marco da noção da guerra civil, tudo isso é mais amplo que a insurreição e ao mesmo tempo, infinitamente mais estreito que a noção da luta de classes que percorre toda a história da humanidade. Se falamos da insurreição como uma tarefa a realizar, temos que entendê-la corretamente e não deformá-la como ocorre as vezes, confundido-la com a revolução. Devemos libertar os outros dessa confusão e começar a liberta-nos dela nós mesmos.

A insurreição coloca, em todo momento e lugar, uma tarefa precisa a se realizar. Por trás desse objetivo, nós organizamos as posições, confiamos a cada um sua missão, distribuímos as armas, elegemos o momento, golpeamos e tomamos o poder se...não nos esmagam antes. A insurreição deve ser feita segundo um plano concebido de antemão. É uma etapa determinada da revolução. A tomada do poder não impede a guerra civil, não faz mais do que mudar o seu caráter. Assim pode-se dizer de que se trata mais de um regulamento da guerra civil e não somente de um regulamento da insurreição.

Já fizemos alusão aos perigos do esquematismo. Vejamos a luz de um exemplo no que pode consistir. Tive a ocasião de observar uma das mais perigosas manifestações de esquematismo, na maneira em que nossos jovens oficiais do estado maior abordam as questões militares da revolução. Se tomarmos as três etapas que distinguimos na guerra civil, nos damos conta de que o trabalho militar do partido revolucionário se reveste, em cada um dos três períodos, de um caráter particular. No período da preparação revolucionária nos chocaremos forçosamente com as forças (polícia, exército) da classe dominante. As nove décimas partes do trabalho militar do partido consistem nesse momento, em desagregar o exército inimigo, desorganizá-lo deste dentro, e somente um décimo a concentrar e preparar as forças revolucionárias. Não preciso dizer que as relações aritméticas que apresento devem ser tomadas arbitrariamente, mas de toda maneira, dão uma idéia do que dever ser realmente o trabalho militar clandestino do partido revolucionário. Quando mais se aproxima o momento da insurreição, mais deve se intensificar o trabalho para a formação das organizações de combate. Então pode se ter medo de certo esquematismo perigoso. É evidente que as formações de combate, com cuja ajuda o partido revolucionário se prepara para consumar a insurreição não podem ter uma fisionomia muito nítida, com maior razão não poderá corresponder a unidades militares como a brigada, a divisão ou o corpo do exército. Isto não exime, de quem tem a tarefa de dirigir a insurreição, de fazer que nelas haja ordem e método. Mas o plano da insurreição não se constrói sobre uma direção centralizada das tropas da revolução, mas pelo contrário, com a enorme iniciativa de cada destacamento e que lhe seja assegurado, com antecipação e com o máximo de precisão a tarefa que a ele cabe. O combate insurgente, em linhas gerais, observando os métodos da “pequena guerra”, isto é, por meio dos destacamentos de partisans ou semi-partisans, unidos muitos mais pela disciplina política e pela clara consciência da unidade do objetivo a alcançar, que por qualquer disciplina hierárquica. Depois da tomada do poder, a situação se modifica completamente. A luta da revolução vitoriosa para assegurar sua defesa e seu desenvolvimento se transforma em seguida em uma luta pela organização do aparato governamental centralizado. Os destacamentos de partisans, cuja aparição no momento da luta pela tomada do poder é tão inevitável como necessária, podem ser, depois da conquista do poder, uma causa de graves perigos, capazes de fazer cambalear o Estado revolucionário em formação. Deve-se então proceder a organização de um exército vermelho regular.

A determinação do momento da insurreição esta em estreita relação com as medidas que acabamos de considerar. É claro que não é questão de designar arbitrariamente, a margem dos acontecimentos a data fixa e irrevogável da insurreição. Isso criaria uma idéia demasiada simplista do caráter da revolução e de seu desenvolvimento. Os marxistas devem saber e entender que não é suficiente desejar a insurreição para que esta se realize. Quando as condições objetivas as tornam possível, tem-se que realizá-la, já que ela não se faz por ela mesma. E para isso, o estado maior revolucionário deve ter em mente o plano da insurreição antes de proclamá-la. O plano da insurreição dará uma orientação de tempo e lugar. Levaremos em conta do modo mais minucioso todos os fatores e elementos da insurreição, examinaremos rapidamente para determinar seu dinamismo, para definir a distância que a vanguarda revolucionária deverá manter entre ela e a classe operária para não isolar-se e ao mesmo tempo daremos o salto decisivo. A estipulação do momento da insurreição é um dos elementos necessários desta orientação. Será precisado de antemão, tão cedo como os anúncios prévios da insurreição apareçam claramente. É certo que o prazo escolhido não será divulgado a todo o mundo, ao contrário, vamos ocultar o máximo possível do inimigo, sem induzir ao erro o próprio partido e as massas que o seguem. O trabalho do partido em todos os terrenos estará subordinado aos prazos da insurreição e tudo deverá acontecer no dia fixado. Se um se equivoca nos seus cálculos, o momento da insurreição poderá ser adiada, ainda que isso seja uma eventualidade que levara sempre a graves inconvenientes e muitos perigos.

Há que se reconhecer que o prazo da insurreição é considerado como algo insignificante por muitos comunistas ocidentais que ainda não perderam sua posição fatalista e passiva de abordar os principais problemas da revolução. Rosa Luxemburgo[3] é o exemplo típico mais expressivo e mais talentoso. Psicologicamente o compreendemos sem dificuldade. Ela havia se formado, por assim dizer, na luta contra o aparato burocrático da social-democracia e dos sindicatos alemães. Incansavelmente, havia demonstrado que este aparato asfixiava a iniciativa do proletariado. Ela só via uma saída para isso, através de um irresistível avanço das massas para destruir por baixo todas as barreiras e as defesas edificadas pela burocracia socialdemocrata. A greve geral revolucionária, que transborda todas as arestas da sociedade burguesa, havia-se transformado para Rosa Luxemburgo em sinônimo de revolução proletária. No entanto, qualquer que seja sua força, a greve geral não resolve o problema do poder, não faz mais que destacá-lo. Para tomar o poder tem que se organizar a insurreição, apoiando-se na greve geral. Toda a evolução de Rosa Luxemburgo nos faz pensar que ela havia admitido isso. Mas quando foi arrancada da luta, no entanto, não tinha dito a sua última nem penúltima palavra. No entanto, recentemente no Partido Comunista alemão toma corpo uma corrente muito forte inclinada ao fatalismo revolucionário. A revolução se aproxima, diziam, provocará a insurreição e nos dará o poder. Em quanto o partido, seu papel, neste momento, é fazer agitação revolucionária e esperar os resultados. Em tais condições, colocar categoricamente a questão do prazo da insurreição é tirar o partido da passividade e do fatalismo, é colocá-lo a frente dos principais problemas da revolução, particularmente, perante a organização consciente da insurreição para tirar o inimigo do poder.

Por isso, a questão do momento da insurreição deve ser tratada no regulamento da guerra civil. Assim facilitaremos a preparação do partido para a insurreição ou pelo menos a preparação de seus quadros.

Temos que levar em conta que o passo mais difícil que um partido comunista terá que realizar, será a passagem do trabalho de preparação revolucionária, inevitavelmente longo, à luta direta pela tomada do poder. Isto não ocorrerá, sem provocar crises e crises graves. A única maneira de diminuir seu alcance e de facilitar o agrupamento dos elementos dirigentes mais decididos consiste em levar os quadros do partido a meditar e a aprofundar de antemão as questões que derivam da insurreição revolucionária e isto tanto mais concretamente quanto os acontecimentos estejam mais próximos. Deste este ponto de vista, o estudo da Revolução de Outubro tem uma importância única para os partidos comunistas europeus. Desgraçadamente, este estudo, neste momento, não se faz e não se fará enquanto não se tiverem os meios. Nós mesmos não temos estudado nem coordenado as lições da Revolução de Outubro e especialmente as lições militares revolucionárias que dela derivam. Temos que seguir passo a passo todas as etapas da preparação revolucionária que vai de março a outubro, a maneira em que se desenvolveu a insurreição de Outubro em alguns dos seus pontos mais característicos, depois a luta pela consolidação do poder. A quem destinaremos o regulamento da guerra civil? Aos operários, responderam alguns camaradas, para que cada um deles saiba como comportar-se. Evidentemente não poderíamos mais que alegrar-se de que “todos” operários saibam o que devem fazer. Mas isso é uma maneira de colocar a questão a uma escala muito ampla e por tanto utópica. De toda maneira, não por este caminho que devemos começar. Nosso regulamento deve estar destinado, em primeiro lugar, aos quadros do partido, aos chefes da revolução. Naturalmente simplificaremos alguns capítulos, algumas questões, com a intenção de dirigirmos a amplos setores operários, mas, antes de tudo, se destinará aos dirigentes.

Previamente devemos reunir nossa própria experiência e nossas idéias, formular tão claramente como seja possível, verificar minuciosamente e na medida do possível, sistematizá-las. Antes da guerra imperialista, certos escritores militares se queixavam de que as guerras tinha se tornadas raras demais para a boa instrução dos oficiais. Com não menos razão, podemos dizer que a raridade das revoluções entrava a educação dos revolucionários. Neste sentido, nossa geração não tem do que se queixar. Nós tivemos a oportunidade de fazer a revolução de 1905 e de viver bastante como para ser parte dirigente da revolução de 1917. Mas não há necessidade de dizer que, a experiência revolucionária cotidiana se dissipa rapidamente. E então temos novos problemas! Não estamos obrigados hoje a discutir sobre questões como a fabricação de tecido, a construção da fábrica elétrica de Nolkoff e tantos outros problemas econômicos em lugar do modo em que se leva a cabo a insurreição? Mas ainda que alguém se tranqüilize, esta ultima questão está longe de ser suprimida. Mais de uma vez a história pedirá uma resposta.

Em que momento devemos começar?

A catástrofe alemã de 1923 levou a Internacional Comunista a deter-se sobre os métodos de organização da revolução e especialmente da insurreição revolucionária. Neste sentido, a definição do momento da insurreição adquiriu uma importância principal pelo fato de que esta questão é claramente uma trava na que se baseiam todos os problemas relativos a organização da revolução. A social-democracia adotou, frente a revolução, a atitude que caracteriza a burguesia liberal em seu período de luta pelo poder conta o feudalismo monárquico. A burguesia liberal especula sobre a revolução, mas se afasta de assumir a responsabilidade sobre ela. No momento propício da luta, põe na balança sua riqueza, sua instrução e os demais meios de influência de sua classe para apoderar-se do poder. Em 1918, a social-democracia alemã cumpriu um papel parecido. No fundo, ela constitui o aparato político que transmite a burguesia o poder limitado que esta tinha sobre os Hohenzollern. Semelhante política de especulação passiva é completamente incompatível com o comunismo na medida que se fixa o objetivo de se apoderar do poder em nome do interesse do proletariado.

A revolução proletária é uma revolução de enormes massas desorganizadas em seu conjunto. O impulso cego das massas cumpre um papel considerável no movimento. A vitória só pode ser alcançada por um partido comunista que tenha como objetivo a tomada do poder, que com minucioso cuidado, reflita, conspire, reúna os meios para alcançar o objetivo perseguido e apoiando-se na insurreição de massas, leva adiante seus propósitos. Por sua centralização, sua decisão, sua maneira metódica de abordar a insurreição, o Partido Comunista fornece ao proletariado em luta pelo poder as vantagens que a burguesia têm pelo fato mesmo de sua posição econômica. Neste sentido, a questão do momento da insurreição não é um simples detalhe técnico, demonstra pelo contrário da maneira mais clara e mais precisa, em que medida nos preparamos para enfrentar a insurreição com todas as regras da arte militar.

É evidente que, quando se trata de fixar o momento da insurreição, seu cálculo não pode se basear na experiência puramente militar. Dispondo das forças armadas suficientes, um Estado pode, segundo sua conveniência, declarar a guerra. Por outro lado, durante a guerra, é o alto comando quem decide a ofensiva e considerar todos os elementos da situação. Mas é sempre mais fácil analisar uma situação militar que uma situação revolucionária. O comando militar esta em relação com unidades combatentes organizadas, cuja ligação entre elas foi cuidadosamente estudada e combinada de antemão, graças ao qual o comando tem por assim dizer, seus exércitos sob seu controle. É evidente que não poderia ocorrer o mesmo durante a revolução. As formações de combate não estão separadas das massas operárias, só podem aumentar a violência do choque que devem ter em contato com o movimento de massas. Assim, é encarregado ao comando revolucionário tomar o ritmo do movimento para fixar com segurança o momento em que deve-se concretizar a ofensiva decisiva. Como se vê, a estipulação do prazo da insurreição apresenta um problema difícil. Pode ser feito enquanto a situação esteja tão clara que a direção do partido não tenha nenhuma dúvida sobre a oportunidade da ação. Mas se essa leitura da situação se produz a 24 horas do momento decisivo, o sinal pode chegar tarde demais e conseqüentemente, o partido, pego de surpresa, se vê na impossibilidade de dirigir o movimento, que no caso, pode terminar em derrota. Disso parte a necessidade de prever, de antemão, o máximo possível, o momento decisivo ou, em outros termos, fixar o prazo da insurreição baseando-se na marcha geral do movimento e no conjunto da situação do país.

Se por exemplo, o prazo fixado fica em um ou dois meses, o Comitê Central ou a direção do partido aproveita esse prazo para por o partido mãos a obra, se organizando em todas as questões que se apresentam, por meio de uma crescente propaganda, de uma preparação e de uma organização apropriadas e de uma eleição criteriosa dos elementos mais combativos para a execução de determinadas missões. Não precisamos dizer que um prazo que foi designado de um mês, dois meses ou com maior razão três ou quarto meses antes, não poderia ser irrevogável, mas a tática deve consistir em verificar durante o prazo fixado se a eleição do momento foi correta. Vejamos um exemplo: os postulados políticos indispensáveis para o êxito da insurreição residem na desestabilização da máquina governamental e no apoio que têm a vanguarda revolucionária na maioria dos trabalhadores dos principais centros e regiões do país.

Admitamos que as coisas, por sua vez não aconteceram, mas que estão próximas a ocorrer. As forças do partido revolucionário crescem rapidamente, mas é difícil constatar se por trás de ele há uma maioria suficiente de trabalhadores. Entretanto, ao tornar-se cada vez mais grave a situação, a questão da insurreição se apresenta rapidamente. Que deve fazer a direção do partido? Pode por exemplo, pensar da seguinte maneira:

1. A partir de que no curso das ultimas semanas a influência do partido tenha crescido rapidamente, pode-se considerar que nos principais centros do país a maioria dos trabalhadores está a ponto de nos seguir. Nessas condições, concentramos nesses pontos decisivos as melhores forças do partido e calculamos o que nos faltará ao redor de um mês para ganhar a vitória.

2. Desde o momento em que a maioria dos principais centros do país estão do nosso lado, podemos chamar os trabalhadores a constituir soviets de deputados operários com as condições que se aprofunde a desorganização do aparato governamental. Calculemos que a constituição de Soviets nos principais centros e regiões do país exige ainda duas semanas.

3. Desde o momento em que, nas principais aglomerações e regiões do país, os soviets estão se organizando sob a direção do partido, naturalmente decorre que, se impõe a convocatória de um Congresso Nacional de Soviets. Mas antes de que este se realize, pode transcorrer três ou quatro semanas. Agora, é evidente que nessa situação, o Congresso dos Soviets pode, ao menos que se exponha a repressão, se dedicar a tomada do poder. Dito de outro modo, o poder de fato deve estar em mãos do proletariado no momento da reunião do Congresso. Assim, o prazo que se atribuirá para preparar a insurreição é de dois a dois meses e meio. Este lapso de tempo, que emana da análise geral da situação política e de seu desenvolvimento ulterior, define o caráter e a velocidade que deve ter o trabalho militar revolucionário, tendo em conta a desorganização do exército burguês, a apropriação da rede ferroviária, a formação e o armamento dos destacamentos operários e assim sucessivamente. Atribuamos uma tarefa bem definida ao comandante clandestino da cidade a conquistar: tomar as medidas necessárias durante as quatro primeiras semanas, por de pé e intensificar os preparativos no curso das duas semanas seguintes de modo que, nos próximos quinze dias, tudo esteja pronto para a ação. Assim, pela realização de tarefas de caráter limitado mas nitidamente definidas, o trabalho militar revolucionário se concretiza nos limites do prazo fixado. Desta maneira evitaremos cair na desordem e na passividade que podem ser fatais e obteremos, em troca, a fusão necessária dos esforços e maior resolução entre todos os chefes do movimento. Neste momento, o trabalho político deve ser levado de maneira profunda. A revolução segue seu curso lógico. Um mês depois, já não estaremos em situação de verificar se o partido realmente conseguiu ganhar a maioria dos trabalhadores nos principais centros industriais do país. Esta comprovação pode se feita através de um referendum, por uma ação dos sindicatos, por manifestações nas ruas, ou por uma combinação de todos estes meios.

Se temos a certeza que a primeira etapa que traçamos ocorreu como o previsto, se aprova o prazo fixado para a insurreição. Por outro lado, se ocorre de perdemos a influência no decorrer no mês transcorrido, não tendo a maioria dos operários atrás de nós, é prudente suspender o momento da insurreição. Ao mesmo tempo, teremos muitas ocasiões de verificar até que ponto a classe dirigente ficou louca, até que ponto o exército esta desmobilizado e o aparato debilitado. Por meio destas constatações, nos daremos conta da natureza das perdas que poderíamos infligir com nosso trabalho clandestino de preparação revolucionária. A organização dos soviets será, por conseguinte, um meio eventual de verificação da relação de forças e deste modo, de estabelecer se as condições estão propícias para por em marcha a insurreição. Evidentemente, não será possível, em todo tempo e lugar, constituir os soviets antes da insurreição. Temos que saber de antemão que em determinado caso os soviets só poderão ser organizados no curso da ação. Mas em todas as partes onde exista a possibilidade de organizá-los sob a direção do Partido Comunista, antes da caída do regime burguês, apareceram como o prelúdio da insurreição. E o prazo será mais fácil de se fixar.

O Comitê Central do partido verificará o trabalho de sua organização militar, irá procurar os resultados obtidos em cada ramo e na medida em que a situação política exige, dará um impulso necessário a este trabalho. É necessário prever que a organização militar, baseada não na análise geral da situação e no informe das forças presente, mas na apreciação dos resultados que foram obtidos no terreno de sua ação preparatória, sempre ira se considerar insuficientemente preparada. Mas não precisamos dizer que o que é decisivo nestes momentos é a apreciação das situação e da relação de forças respectivas, particularmente das forças de choque do inimigo e das nossas. Destamaneira, o prazo que será fixado, dois, três ou quatro meses antes, poderá ter um efeito incomparável sobre a organização da insurreição, inclusive se nos vemos forçados mais tarde a adiantá-lo ou atrasá-lo alguns dias.
É evidente que o exemplo anterior é puramente hipotético, mas é uma excelente ilustração da idéia que devemos fazer da preparação da insurreição. Não se trata de jogar cegamente as datas, mas determinar o momento da insurreição baseando-se na marcha mesma dos acontecimentos, de verificar a precisão durante as etapas sucessivas do movimento e de fixar o prazo de que todo o trabalho de preparação revolucionária terá que estar subordinado.

Repito que, neste aspecto, devem-se estudar atentamente as lições da Revolução de Outubro, a única revolução que, até o momento, o proletariado realizou vitoriosamente. Tem que se fazer, desde o ponto de vista estratégico e tático um calendário de Outubro. Temos que expor como se desenvolveu a onda de acontecimentos, quais foram as repercussões no partido, nos Soviets, no seio do Comitê Central e na organização militar do partido. Qual foi o sentido das indecisões que se produziram no partido? Qual o peso que tiveram no conjunto dos acontecimentos? Qual foi o papel da organização militar? Trata-se de um trabalho de uma importância gigantesca. Abandoná-lo para depois seria um erro imperdoável.

A calmaria antes da tormenta

Há uma questão de valor considerável para entendermos o desenvolvimento da guerra civil que de um modo ou de outro, deverá ser levantada em nosso regulamento. Quem esteve acompanhando as discussões que seguiram aos acontecimentos da Alemanha de 1923, seguramente reparou na explicação que se deu a derrota. “A causa principal da derrota, disseram, é que no momento decisivo, o proletariado alemão não tinha espírito combativo; as massas não quiseram combater, a melhor prova é que elas não reagiram em absoluto frente a ofensiva fascista; então, frente a esta atitude das massas, que poderia fazer o partido?” Tal foi a opinião de nossos camaradas Brandler[4], Thalheimer[5] e outros. A primeira vista, o argumento parece irrefutável. No entanto, o “momento decisivo” de 1923 não se deu de um dia para o outro. Foi o resultado de todo período precedente de lutas em que a violência aumentava constantemente. O ano de 1923 esta marcado de cabo a rabo pelas batalhas que o proletariado teve que sustentar. Agora bem, como é que na véspera de seu Outubro, a classe operária alemã tinha perdido sua combatividade de repente? Não se explica. Da mesma maneira não podemos nos abster de perguntar se é certo que os operários alemães não quiseram lutar. Esta discussão nos remonta a nossa própria experiência de Outubro. Se lermos novamente os jornais anteriores a Revolução de Outubro, ainda que seja só os do nosso partido, vemos que os camaradas que estavam contra a idéia da insurreição alegavam, precisamente, que as massas trabalhadoras russas estavam poucos dispostas para a batalha. Hoje isso pode parecer pouco crível, apesar disso, esse era o principal argumento que invocavam. Deste modo, nos encontramos em uma situação análoga: durante todo o ano de 1917, o proletariado russo vinha combatendo, no entanto, quando se apresentou a questão da tomada do poder, se levantam vozes para afirmar que as massas trabalhadoras não queriam lutar. E efetivamente, na véspera de Outubro o movimento abrandou um pouco. Isto foi efeito do azar? Ou melhor, temos que ver nisso certa “lei” histórica? Para mim não há dúvida de que um fenômeno deste gênero deve ter certos princípios gerais. Na natureza, este fenômeno se denomina: a calma antes da tormenta. Tendo a acreditar que no momento da revolução se dá este mesmo fenômeno. Durante um período dado, a combatividade das massas cresce, toma as mais diversas formas: greves, manifestações, choques com a polícia. Neste momento, as massas começam a tomar consciência de sua força. A crescente amplitude do movimento é suficiente para que tenham uma satisfação política. Toda nova manifestação, todo êxito no plano político e econômico aumenta seu entusiasmo. Mas este período se esgota rápido. A experiência das massas cresce ao mesmo tempo em que se desenvolve sua organização. No campo oposto, o inimigo mostra também que não está disposto a ceder seu lugar na luta. Resulta disto que o estado de ânimo revolucionário das massas se torna mais crítico, mais profundo, mais angustiante. As massas buscam, sobretudo se ocorreram erros e sofreram retrocessos, uma direção segura, querem ter a certeza de que combaterão e que as saberá conduzir e que na batalha decisiva poderão contar com a vitória. Ora, a passagem do otimismo quase cego a uma concepção mais clara das dificuldades que tem de ser superadas é o que engendra esta pausa revolucionária que corresponde em certa medida, a uma crise no estado de ânimo das massas. Com a condição que o resto da situação esteja favorável, esta crise só pode ser dissipada pelo partido político e sobre tudo pela impressão de este estar verdadeiramente decidido a dirigir a insurreição. Entretanto, a grandeza do objetivo a se alcançar (vai mais além da tomada do poder) suscita vacilações inevitáveis até no partido, especialmente, até em seus meios dirigentes, sobre os quais se concentra a responsabilidade do movimento. Assim, a retração das massas frente a batalha e as vacilações da direção são dois fenômenos que, ainda longe de ser equivalente, não são por isso, menos simultâneos. É por isso que escutamos dizer que as massas não buscam a batalha, que sua disposição é, pelo contrário, muito passiva, e que nessas condições, incitá-las a insurreição é uma aventura. É desnecessário dizer que quando esse estado de ânimo toma a dianteira, a revolução só pode ser derrotada. E depois da derrota, provocada pelo próprio partido, não há nada que impeça este de contar a todo mundo que insurreição era impossível porque as massas não queriam. Esta questão deve ser examinada a fundo. Apoiando-se na experiência adquirida, temos que aprender a captar o momento em que o proletariado diz a si mesmo: “Não há nada mais que esperar das greves, das manifestações e protestos. Agora temos que lutar. Estou pronto para isso, pois não há outra saída para a situação, mas trata-se de uma batalha que tem ser travada com a ajuda de todas nossas forças e com uma direção segura...”. Neste momento a situação alcança uma gravidade extrema. Encontra-se no mais completo desequilíbrio: uma esfera na ponta de cone. O menor choque pode fazer ela cair de um lado ou de outro. Na Rússia, graças a firmeza e a resolução da direção do partido, a esfera seguiu a reta que levava a vitória. Na Alemanha, a política do partido empurrou a esfera no sentido da derrota.

A política e a ação militar

Que caráter vamos dar a nossa obra? Um caráter político ou um caráter militar? Vamos construí-la partindo do ponto em que a política se converte em uma questão de ação militar, e a política será considerada sob esse ângulo. A primeira vista, isso pode parecer uma contradição, porque não é a política que está a serviço da insurreição senão a insurreição que está a serviço da política. Na realidade, nada disso se contradiz. A insurreição em seu conjunto serve, evidentemente, aos objetivos principais da política proletária. Somente quando se desata a insurreição, a política do momento deve subordinar-se totalmente.

A transição da política à ação militar e a conjunção dessas duas alternativas geralmente produzem grandes dificuldades. Todos nós sabemos que o ponto de ligação é sempre o mais débil. Vamos refletir um pouco isso aqui. Um camarada demonstrou, por um método inverso, quão difícil é combinar a política e a ação militar. Outro camarada veio em seguida aprofundar o erro de seu antecessor. Se acreditarmos no primeiro desses camaradas, Lênin havia questionado em 1918 a importância do Exército Vermelho, com o pretexto de que nossa salvação se derivava da luta que enfrentava ambos os imperialismos rivais. Segundo o outro camarada, jogaríamos o “papel do terceiro ladrão”, ou seja, aproveitaríamos do conflito que enfrentava os imperialismos. Contudo, Lênin jamais teve, nem poderá ter essa linguagem.

É certo que se, no momento da Revolução de Outubro nós estivéssemos ligados com uma Alemanha vitoriosa e se a paz estivesse selada, a Alemanha não se privaria de nos esmagar embora contássemos com um exército de três milhões de homens, porque nem em 1918 nem em 1919, poderíamos encontrar forças capazes de medir-se com os exércitos alemães triunfantes. Nessas condições, a luta entre os dois campos imperialistas foi nossa principal barreira de proteção. Mas nos marcos desta luta poderíamos morrer cem vezes em 1918 se não tivéssemos nosso embrião de Exército Vermelho. É porque a Inglaterra e a França paralisavam a Alemanha que se resolveu o problema de Kazan? Se nossos soldados vermelhos não tivessem defendido Kazan, se tivessem aberto a rota de Moscou aos mercenários do Exército Branco, nos cortariam o pescoço e teriam razão. Nesse momento teríamos que jogar e fazer o papel do "terceiro ladrão" … com o pescoço cortado. Quando Lênin dizia: “Militantes que trabalham no Exército, não exagerem na sua importância; vocês representam um fator dentro da complexidade de forças, mas vocês não são nem nossa única, nem tampouco nossa força principal; na realidade nos mantemos graças à guerra européia, que paralisa os dois imperialismos rivais”, se situava desde o ponto de vista político. Mas disso não se deduz que questionava “a importância do Exército Vermelho”. Se aplicarmos este método de raciocinar aos problemas internos da revolução, chegaríamos a conclusões muito curiosas. Tomemos em particular a questão da organização das formações de combate. Um Partido Comunista, cuja existência é mais ou menos ilegal encarrega a sua organização militar clandestina que forme milícias. O que representam de fundo, algumas dezenas de milícias assim constituídas em relação ao problema da tomada do poder? Se nos situarmos desde o ponto de vista social, histórico, a questão do poder se decide pela composição da sociedade, pelo papel do proletariado na produção, por sua maturidade política, pelo grau de desorganização do Estado burguês e assim sucessivamente. Na realidade, todos esses fatores são deixados em último plano, enquanto que o resultado da luta diretamente pode depender da existência de algumas dessas dezenas de milícias. As condições sociais e políticas favoráveis à tomada do poder são uma oportunidade prévia de êxito, mas não garantem automaticamente a vitória, permitem chegar justamente ao ponto onde a política dá passo à insurreição.

Uma vez mais, a guerra civil não é mais que a prolongação violenta da luta de classes. Com relação à insurreição, é a continuação da política por outros meios. É por isso que só podemos entendê-la por seus métodos. Não é possível medir a política segundo a vareta da guerra, como não é possível medir a guerra segundo a vareta única da política, embora seja com relação ao tempo. Esta é uma questão especial que deve ser tratada seriamente no nosso futuro regulamento da guerra civil. No período de preparação revolucionária, medimos o tempo segundo a vareta da política, ou seja, por anos, meses, semanas. No período da insurreição, medimos o tempo em horas e dias. Não é por nada que se diz que em tempos de guerra um mês, às vezes uma só jornada, equivale a um ano. Em abril de 1917, Lênin dizia: “Paciente, infatigavelmente, expliquem aos operários…” e no final de outubro não restava mais tempo para dar explicações a quem ainda não havia compreendido; tinha que se passar à ofensiva dirigindo a quem havia compreendido. Em Outubro, a perda de uma só jornada poderia reduzir a nada todo o trabalho de muitos meses, inclusive de anos de preparação revolucionária.

Lembro-me de um exercício de manobra que fizemos algum tempo atrás para nossa Academia Militar realizar. Tratava-se de decidir se devíamos evacuar em seguida a região de Bielostok, cuja posição era insustentável, ou se nos manteríamos ali com a esperança de que Bielostok, centro operário, se subleva-se. É óbvio que só se pode resolver seriamente uma questão desta natureza sobre a base de dados precisos e reais. A manobra militar não dispõe desses dados porque, nela, tudo é convencional. Mas a principio, a controvérsia tem sua origem em duas medidas de tempo relativas, uma à guerra, a outra à política revolucionária. Contudo, qual é a medida que, em iguais condições, ganha a guerra? A da guerra. Em outras palavras, é duvidoso que Bielostok se levante no lapso de alguns dias e inclusive, admitindo que o levante esperado ocorresse, nos resta saber o que faria o proletariado insurgente sem armas e sem preparação militar, enquanto é muito provável que em dois ou três dias, dois ou três divisões sejam dizimadas permanecendo em posições insustentáveis à espera de uma insurreição que, até no caso de que se realizar, poderia muito bem não modificar radicalmente a situação militar. Brest-Litovsk[6] nos dá um exemplo clássico de uma correta aplicação das medidas de tempo político e militar. Sabemos que a maioria do Comitê Central do partido comunista russo, e eu entre outros, tomou a decisão contra a minoria que encabeçava o companheiro Lênin, de não assinar a paz, embora corríamos o risco de ver os alemães passar à ofensiva. Qual era o sentido desta decisão? Alguns camaradas esperavam utopicamente uma guerra revolucionária. Outros, dos quais eu estava, julgavam que teríamos que refletir para saber se o operário alemão se oporia ao kaiser no caso deste último atacar à revolução. Em que consistia o erro que cometemos? No risco excessivo que corríamos. Para sacudir a apatia do operário alemão necessitaríamos de semanas, inclusive meses, enquanto que nesse momento os exércitos alemães não necessitavam mais que alguns dias para avançar até Dwinsk, Minsk e Moscou. A dimensão da política revolucionária é larga, enquanto que a dimensão da guerra é curta. Quem não se convencer logo desta verdade, de ter previamente estudado, refletido e se aprofundado na experiência passada, corre o risco de cometer um erro atrás do outro, pela relação da política revolucionária e da ação militar, ou seja, o que nos confere maior superioridade sobre o inimigo.

Necessidade de explicar os problemas da guerra civil com a máxima clareza

Um camarada nos remeteu novamente à questão de saber de que tipo de regulamento temos que pôr em pé: um regulamento da insurreição ou um regulamento da guerra civil. Não devemos, nos disse esse camarada, apontar muito longe, senão nossa tarefa coincidirá, de modo geral, com as tarefas da Internacional Comunista. Nada menos certo. E quem tem essa linguagem demonstra que confunde a guerra civil, no significado próprio da palavra, com a luta de classes. Se tomamos a Alemanha como matéria de estudo, podemos, por exemplo, começar por examinar os acontecimentos de março de 1921. Logo segue o longo período de reagrupamento de forças, sob as consignas da frente única. É evidente que nenhum regulamento de guerra civil se ajusta a este período. A partir de janeiro de 1923 e da ocupação do Ruhr, se dá novamente uma situação revolucionária, que se agrava bruscamente em junho de 1923, quando se desmorona a política de resistência passiva exercida pela burguesia alemã e que faz explodir o aparato de Estado burguês. Este é um período que devemos estudar minuciosamente, porque nos dá, por um lado, um exemplo clássico da maneira em que se desenvolve e morre uma situação revolucionária, e por outro lado, um exemplo não menos clássico de uma revolução falida.

Em 1923, Alemanha teve sua guerra civil, mas a insurreição que devia coroá-la não chegou. O resultado foi uma situação revolucionária, verdadeiramente excepcional, irremediavelmente comprometida e uma burguesia convulsionada, agarrada novamente ao poder. Por quê? Porque no momento propicio, a política não seguiu com os meios insurrecionais que logicamente se impunham. É evidente que a recomposição do regime burguês que se seguiu na Alemanha ao aborto da revolução proletária tem uma estabilidade muito duvidosa. Acalmemos-nos, todavia teremos, num prazo mais ou menos longo, uma nova situação revolucionária. Mas está claro que o mês de agosto de 1924 foi muito diferente do mês de agosto de 1923. E se ignorávamos a experiência que se desprende destes acontecimentos, se não o aproveitávamos para instruir-nos, se íamos passivamente ao encontro dos erros como os que se havia cometido, poderíamos prever que a catástrofe alemã de 1923 se repetira e o perigo que resultaria disso seria imenso para o movimento operário.

Por isso, neste terreno, menos que em outro, não podemos tolerar a deformação de noções essenciais. Vimos companheiros levantar objeções de um derrotismo incoerente sobre o momento da insurreição. Esses camaradas não fazem mais que demonstrar que não sabem defender como marxistas a questão da insurreição no terreno da arte militar. Baseados em suas teses, invocam como argumento que, no imbróglio de uma situação extremadamente complexa e variável, é impossível agarrar-se de antemão a uma decisão antecipada. Mas, se ficarmos nesses lugares comuns, teremos que renunciar, portanto, aos planos e às datas das operações militares, já que na guerra acontece que a situação muda bruscamente e de improviso. Um plano de operações militares não se realiza nunca numa proporção de 100%, temos que considerar satisfatório se, no curso de sua execução, se realiza uns 25%. Mas o chefe militar que se baseia nisso, para negar de modo geral a utilidade de um plano de campanha, mereceria simplesmente que lhe puséssemos uma camisa de força. Em todos os casos, recomendo ater-se a este método como o mais justo e lógico: para começar, formulamos as regras gerais de nosso regulamento da guerra civil e vemos a continuação que podemos suprimir ou ressalvar. Mas se começamos pelas eliminações, as ressalvas, os desvios, as duvidas, as vacilações, jamais chegaremos a conclusões.

Um camarada questionou a observação que fiz a respeito da evolução da organização militar do partido no período de preparação revolucionária, durante a insurreição e logo da tomada do poder. Segundo esse companheiro, a existência de destacamento de partisans não deveria ser tolerada, somente necessitaríamos de formações militares regulares. Os destacamentos de partisans, nos disse, são organizações caóticas… Ao escutar suas palavras, eu estava a ponto de desesperar-me. Contudo, com que rima esta detestável arrogância doutrinária? Se os destacamentos de partisans são organizações caóticas, temos que reconhecer então que desde esse ponto de vista puramente formal, a revolução é também um caos. Contudo, no primeiro período da revolução, estamos totalmente obrigados a apoiar-nos exclusivamente em destacamentos deste tipo. Se nos questiona que esses destacamentos devem ser constituídos sobre o mesmo modelo. Se com isso quer dizer que na guerra de partisans, não se deve descuidar de nenhum dos elementos de ordem e de método factível a este tipo de guerra, estamos completamente de acordo.

Mas se pensam numa organização militar hierarquizada, centralizada e constituída antes da insurreição, isso é uma utopia que, no caso em que se queira concretizar, correrá o risco de ser fatal. Se, com a ajuda de uma organização militar clandestina, me apodero de uma cidade (objetivo parcial no conjunto de um plano para a tomada do poder no país), reparto minha tarefa em objetivos particulares (ocupação dos edifícios governamentais, as estações, o correio, o telégrafo, a imprensa) e confio a execução de cada uma dessas missões aos chefes dos pequenos destacamentos iniciados anteriormente aos objetivos que lhes são designados. Cada destacamento só deve contar consigo mesmo; deve ter sua própria direção, senão ocorreria que depois de se apoderado do edifício dos correios, por exemplo, careceriam totalmente de víveres. Toda tentativa de centralizar e hierarquizar esses destacamentos levam inevitavelmente à burocratização, que, em tempos de guerra, é duplamente temível: primeiro, porque criaria a ilusão falsa nos chefes dos destacamentos, que alguém deveria dirigi-los necessariamente, enquanto que, ao contrario, há que inculcar-lhes a segurança de que dispõem da maior liberdade de movimento e iniciativa; segundo, porque a burocratização, ligada ao sistema hierárquico, retiraria dos destacamentos seus melhores elementos para as necessidades de todo estado maior. Desde o primeiro momento da insurreição, esses estados maiores permaneceriam flutuando no ar, enquanto que os destacamentos, à espera de ordens superiores, se veriam consagradas à inatividade e a perdas de tempo que tornariam certeiro o fracasso da insurreição. Tais são as razões pelo desdém dos militares profissionais para com as organizações “caóticas” de partisans, que deve ser condenado como um prejuízo anti-realista, anti-científico e antimarxista.

Igualmente, depois da tomada do poder nos principais centros do país, os destacamentos de partisans podem jogar um papel extremadamente eficaz no campo comum. Basta recordar o apoio que os destacamentos de partisans deram ao Exército Vermelho e à Revolução, atuando na retaguarda contra as tropas alemãs na Ucrânia e na retaguarda contra as tropas de Kolchak na Sibéria. Contudo, fica definitivamente estabelecido como regra que o poder revolucionário põe mãos à obra em seguida para incorporar os melhores destacamento de partisans e seus elementos mais confiáveis ao sistema de uma organização militar regular. De outro modo, esses destacamentos de partisans se transformariam certamente em fatores de desordem capazes de degenerar em facções armadas ao serviço dos elementos da pequena burguesia anarquizantes, sublevados contra o Estado proletário. Temos bastantes exemplos disso. É verdade que, entre os partisans rebeldes à organização militar regular, houve também alguns heróis. Citemos os nomes de Siverss[7] e de Kikvidsé[8]. Poderia citar muitos outros. Siverss e Kikvidsé combateram e morreram como heróis. E hoje, à luz de seus imensos méritos, relacionados à Revolução, empalidece, até o ponto de desaparecer, qualquer aspecto negativo de sua ação como partisans. Mas, nesse momento, era indispensável combater tudo o que havia de negativo neles. A este preço somente, podíamos conseguir organizar o Exército Vermelho e colocá-lo em condições de conseguir vitórias decisivas. Uma vez mais, chamo a atenção sobre uma confusão de terminologia, porque, na maioria das vezes, esconde uma confusão de noções. Também, chamo a atenção contra os erros que se pode cometer negando-se a explicar a questão da insurreição de modo claro e audaz, com o pretexto de que a situação varia e se modifica continuamente. Numa aparência exterior, isso remete curiosamente à dialética; de todos modos, o levamos de bom grado como tal. Mas, na realidade, não é para nada. O pensamento dialético é como uma mola, e as molas são feitas de aço temperado. As duvidas e as ressalvas não decidem e não ensinam nada em absoluto. Quando se destaca claramente a idéia essencial, as ressalvas e as restrições podem colocar-se logicamente ao redor dela. Se unicamente se levam em conta as ressalvas, o resultado na teoria será a confusão e na prática, o caos. Entretanto, confusão e caos não têm nada em comum com a dialética. Na realidade, uma pseudo-dialética deste tipo esconde, na maioria das vezes, sentimentos socialdemocratas ou estúpidos frente à revolução, como frente a algo que acontece por fora de nós. Nestas condições, não se pode conceber a insurreição como uma arte. E contudo, é precisamente a teoria dessa arte o que queremos estudar.

Todos os temas que nos referimos devem ser refletidos, trabalhados, formulados. Devem-se tornar parte integrante de nossa instrução e educação militar. A relação entre estas questões e os problemas da defesa da República dos Soviets é indiscutível. Nossos inimigos continuam insistindo que o Exército Vermelho supostamente teria a tarefa de provocar artificialmente movimentos revolucionários em outros países, com o fim de fazê-los triunfar por meio da força de suas baionetas. Inútil dizer que esta caricatura não tem nada em comum com a política que perseguimos. Sobretudo, estamos totalmente interessadas na conservação da paz, o demonstramos com nossa atitude, com as concessões que fizemos nos tratados e pela redução progressiva dos efetivos de nosso exército. Mas estamos bastante imbuídos de realismo revolucionário para dar-nos conta claramente de que nossos inimigos tratarão todavia de nos testar com suas armas. E se bem estamos longe da idéia de forçar, com medidas militares artificiais, o desenvolvimento da Revolução, estamos seguros de que à guerra dos Estados capitalistas contra a União Soviética virá acompanhada de choques violentos e sociais, prelúdios da guerra civil, nos países de nossos inimigos.

Devemos saber combinar a guerra defensiva que será imposta ao nosso Exército Vermelho com a guerra civil no campo inimigo. Com este objetivo, o regulamento da guerra civil deve-se transformar num dos elementos necessários de um tipo superior de manual militar revolucionário.

Leon Trotsky — 29 de julho de 1924.

[*] Na presente versão em português, utilizamos a expressão “regulamento da guerra civil” para traduzir “reglamento de la guerra civil”. Pela dificuldade em encontramos outro termo mais preciso. Alertamos, porém, que esta tradução quase literal, do termo “reglamento” para “regulamento” pode abrir uma falsa apreensão do significado real do conceito. Quando Trotsky discute da necessidade de um “regulamento da guerra civil” não podemos entender tal proposta como uma tentativa de buscar regras que estariam acima dos campos inimigos e que estes teriam de respeitar. Isto é, não se procura uma “ética” de batalha. A tentativa de organizar um “regulamento da guerra civil” visa buscar os traços objetivos essenciais que atuam para além da vontade dos campos em luta e que devem ser apreendidos pelo partido revolucionário para este obter uma atuação superior. Para uma reflexão mais aprofunda sobre a impossibilidade de um “código moral da guerra civil” ver: Moral e Revolução, L. Trotsky (http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1936/moral/index.htm)
[1] Para aprofundar este tema, recomendamos o livro “Cómo se armó la revolución” (selección de escritos militares) de León Trotsky, editado pelo Centro de Estudos, Investigações e Publicações “León Trotsky”, Buenos Aires, Edições do IPS, 2006.
[2] Em junho de 1923, o governo búlgaro do chefe camponês Stambulinsky, foi derrubado militarmente por forças reacionárias, encabeçadas por Zankov, posteriormente chefe do fascismo búlgaro. Caracterizando a situação como uma luta entre camarilhas burguesas e esquecendo tanto o problema camponês como o nacional (os macedônios), o Partido Comunista se declarou neutro. Uma vez triunfante, o regime de Zankov sujeitou os comunistas a uma feroz perseguição, os declarando ilegais. Koralov, representante oficial dos comunistas búlgaros em Moscou, negou, contudo, que o partido tivesse sofrido uma derrota. Em setembro do mesmo ano, desconsiderando a mudança produzida na situação como resultado de sua passividade em junho, os comunistas tentaram se localizar com um “putch” aventureiro, que fracassou.
[3] Rosa Luxemburgo (1871-1919) foi uma grande teórica do comunismo alemão e autora de vários livros sobre economia, política e outros temas. Nasceu na Polônia, e teve que emigrar para Suíça por suas atividades revolucionárias. Em 1893 fundou o Partido Socialdemocrata Polaco. Em 1897, começou a participar do movimento socialista alemão. Iniciou, junto a Mehring e Plekhanov, a luta contra o revisionismo na II Internacional. No Congresso de 1907 do partido russo, apoiou os bolcheviques contra os mencheviques em todos os problemas chaves da Revolução Russa. Propôs junto a Lênin a resolução revolucionária contra a guerra no Congresso de Stuttgart da Segunda Internacional. Presa desde 1915, foi uma das fundadoras da Liga Espartaco. Foi liberada em 1918, após a revolução e participou da criação do Partido Comunista. Foi presa e assassinada junto a Karl Liebknecht em janeiro de 1919.
[4] Heinrich Brandler (1877-1967) - de origem operária (pedreiro). Velho militante do partido socialdemocrata alemão. Durante a guerra imperialista (1914-1918) adotou a posição da esquerda, aderindo à fração de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Foi uns dos principais organizadores e dirigentes do Partido Comunista Alemão (KPD). Devido aos acontecimentos de março de 1921 foi condenado a cinco anos de prisão, mas consegui fugir para a Rússia soviética. Depois da anistia de 1922, voltou à Alemanha e se transformou no principal dirigente do KPD, que dirigiu até a derrota da revolução alemã no outono de 1923. No início de 1924, durante o congresso do Partido em Frankfurt, a tática levada adiante por Brandler e seus amigos durante os acontecimentos revolucionários de 1923, sofreu a crítica corrosiva da ala esquerda, que sempre se opôs ao comitê central do Partido, ao qual Brandler encabeçava. Durante este congresso, a tendência de esquerda teve a maioria absoluta, e a direção do partido passou para ela. A tática do velho Comitê Central do Partido alemão também foi examinada no momento do Vº Congresso da Internacional Comunista (ver o informe taquigráfico dos trabalhos do Vº Congresso da I.C.). Para detalhes mais amplos ver a apresentação de "Os cinco primeiros anos da Internacional Comunista" e o artigo: "Podemos determinar o prazo de uma revolução ou de uma contra-revolução?". (Nota da versão francesa).
[5] Augusto Thalheimer (1884-1948), como Brandler, foi uns dos mais próximos a Rosa Luxemburgo e dos fundadores da Liga Espartaco. Junto com Brandler foi o organizador do KPD (partido comunista alemão) e seu principal teórico. Até o Congresso do Partido de Frankfurt era membro e redator principal do órgão do partido Rote Fahne; em 1924, dirige a seção propagandística da Internacional Comunista. (Nota da versão francesa).
[6] A paz de Brest Litovsk (1918) pôs fim à guerra entre a Rússia revolucionária e a Alemanha imperialista. A Rússia teve que conceder grandes indenizações e abandonar grande parte de seu território. Trotsky aproveitou as negociações, atrasando-as o possível, para desenvolver as posições revolucionárias e permitir ao proletariado alemão aproveita-se da convulsão da guerra. Nas circunstâncias pelas que atravessava Rússia, assinalou Lênin, era impossível levar adiante uma guerra revolucionária. A revolução necessitava de um período de paz para consolidar-se e criar suas próprias forças armadas.
[7] Siverss era o organizador dos destacamentos de partisans, que encabeçaba uma infatigável guerra de guerrilha contra a contra-revolução do sul. Em novembro de 1918 foi gravemente ferido durante a batalha de Balachov. (Sobre a façanha Siverss consultar a obra de Antonov-Ovseenko "Notas sobre a guerra civil", tomo I, aparecido em 1924). - Nota Œuvre. (Nota da versão francesa).
[8] A VIº divisão, que recebeu mais tarde o nome de divisão Kikvidzé, foi formada em 16 de maio de 1918 sob a direção do companheiro Kikvidzé. Esta divisão realizou numerosas proezas. Lutava contra Petlioura, contra os alemães e contra as tropas de Krasnov. O companheiro Kikvidzé foi assassinado em 11 de janeiro de 1919 na granja Zoubrilovo, na região do Don. Desde esse momento a divisão foi batizada divisão Kikvidzé em homenagem a este dirigente.
[Nota complementar de L. Trotsky, em “Como se armou a revolução"]. Depois da morte do companheiro Kikvidzé, a divisão continuou combatendo, com êxito, no frente Meridional. A divisão manteve sua capacidade de combate no momento da ofensiva de Denikin. Durante as batalhas do outono de 1919 venceu a grandes unidades inimigas no ao redor de Davidovka, Lougansk, Litzki e em outros lugares. No inverno de 1919-1920 lutou contra o inimigo em Bataisk e em Olginsk. Em 2 de março de 1920, a divisão capturou Bataisk. Quando Denikin se retirou, uma brigada desta divisão foi a primeira a entrar em Novorossiisk, por isso foi condecorada como a Ordem da Bandeira Vermelha. Em maio de 1920 a divisão foi trasladada ao Frente Ocidental: participou na intervenção revolucionária na frente polaca em julho de 1920 e na marcha sobre Varsovia. A paz com Polônia encontrou à divisão na região de Minsk. (Nota da versão francesa).

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