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Os limites do Movimento Passe-Livre

03 Jul 2013   |   comentários

Em São Paulo, o Movimento Passe-Livre (MPL) iniciou a convocação dos atos, como em anos anteriores (2006, 2010, 2011), e por isto ganhou legitimidade frente aos governos e um setor do movimento como representante das mobilizações em um primeiro momento.

Por Fernando Pardal, estudante da USP e Marília Rocha, militante da corrente Metroviários Pela Base

O estopim para as massivas mobilizações que tomaram conta do país foi a luta contra o aumento da tarifa. Em São Paulo, o Movimento Passe-Livre (MPL) iniciou a convocação dos atos, como em anos anteriores (2006, 2010, 2011), e por isto ganhou legitimidade frente aos governos e um setor do movimento como representante das mobilizações em um primeiro momento. Esta organização, apesar do ecletismo, é marcada por uma profunda influência ideológica semi-autonomista. Essa ideologia dominou grande parte da juventude nas últimas décadas e , tendo sido marcada por um período de retrocesso da classe operária e de ofensiva da burguesia, subvalorizou o protagonismo da classe trabalhadora como sujeito revolucionário (em nome do “povo” em geral) e abandonou a organização de partidos operários (em nome da atuação nos “movimentos” em geral).

Nesse marco o MPL defende, em sua “carta de princípios”, o objetivo da construção “de uma outra sociedade” e o programa de “expropriação do transporte coletivo, retirando-o da iniciativa privada, sem indenização, colocando-o sob o controle dos trabalhadores e da população”, mas limitam sua prática à luta pela “tarifa zero” como fruto concreto do atraso ideológico que se deu no movimento de massas, colocando o socialismo como um “horizonte utópico”. Ou seja, na prática, não lutam pelo programa de sua “carta de princípios”, mas sim, como afirmam em seguida, se restringem ao "que é possível fazer de acordo com a conjuntura local”. Assim, separam irreversivelmente seu programa mínimo (que é de fato levado à frente) do programa máximo (que serve apenas para “cartas de princípios”).

É por isto que sua “carta de princípios” rapidamente deu lugar ao projeto de lei “possibilista” do “Tarifa Zero”, idealizado por Lucio Gregori, Secretario de Transportes da gestão de Luiza Erundina (na época do PT, hoje PSB) na prefeitura de São Paulo. A Tarifa Zero nada mais é do que fazer com que o transporte seja integralmente pago através de impostos, dando subsídio estatal de 100% às empresas privadas. Quando questionado a respeito da estatização, Gregori afirma, e seus “discípulos” do MPL repetem: “não importa se os pneus dos ônibus são da prefeitura”. Ou seja, sua carta de princípios já não é usada nem sequer para encobrir sua “luta real”, que não questiona que um punhado de empresários lucre milhões em cima de um direito básico da população!

É isso que leva o MPL, após uma luta massiva ter realizado o feito histórico de reverter o aumento em São Paulo, Rio de Janeiro e dezenas de outras cidades, afirmar que a hora é de lutar pelo projeto de lei de iniciativa popular de Tarifa Zero, ao invés de “construir o MPL com reivindicações que ultrapassem os limites do capitalismo, vindo a se somar a movimentos revolucionários que contestam a ordem vigente”, conforme afirma sua “carta de princípios”. Defendem a proposta de Gregori de “municipalização”, ou seja, de remunerar as empresas conforme a quilometragem rodada para “fiscalizar melhor” os lucros das empresas.

Por outro lado, apesar de sabermos que o MPL se esforçou do ponto de vista jurídico e financeiro para libertar os presos das manifestações, mantemos uma divergência acerce desse ponto, pois acreditamos que a luta contra a repressão também é uma luta política e em nenhum momento o MPL colocou como tarefa prioritária do movimento a libertação de todos os presos e fim dos processos.

O gradual abandono de seu programa também se deu na democracia “horizontal” que defendem, pois na prática se transformaram em uma direção burocrática do movimento. Nós da LER-QI junto aos companheiros independentes da Juventude às Ruas lutamos desde o começo das mobilizações por uma direção democrática conformada a partir das bases, com delegados eleitos nas universidades, escolas, bairros e locais de trabalho e mandatos revogáveis. Enquanto isto, o MPL sequer chamou os comitês abertos como nos aumentos anteriores para discutir os rumos da mobilização e, sem ter sido eleito por ninguém, sentou para “conversar” (o que nesse momento significava, na prática, negociar) com o Ministério Público, com a Prefeitura de Haddad e deu entrevistas na imprensa falando burocraticamente em nome de um movimento que ganhou proporções que o próprio MPL tinha clareza que não representava e nem poderia representar, sem nenhuma consulta aos jovens e trabalhadores que participavam do movimento.

Por isso não podemos concordar com o MPL de que esse é o momento para fazer um abaixo-assinado pela lei do “Tarifa Zero” e pressionar os vereadores por migalhas que continuem dando subsídios aos empresários dos transportes. A defesa dessa lei, ao contrário de um passo adiante rumo à estatização, na prática é a única luta que apresentam como tarefa concreta do movimento atualmente, o que acaba levando a um desvio, pois mantém a lógica privada nos transportes, que se confronta frontalmente com a luta pela estatização. Esse é justamente o melhor momento, como não se via em décadas, de avançar para impor pela força da mobilização os “princípios” defendidos na “carta” do MPL, ou seja, a “expropriação do transporte coletivo, retirando-o da iniciativa privada, sem indenização”. Sabemos que não basta ser estatal, pois os transportes não podem estar nas mãos dos partidos e políticos corruptos e dos lobbys das concessionárias e empreiteiras, por isso defendemos, junto à “carta de princípios” do MPL, que seja “sob o controle dos trabalhadores e da população”. Essa é a única forma de garantir um transporte público, com passe livre para todos, a serviço dos interesses dos trabalhadores e do povo, atacando os lucros dos tubarões dos transportes. Com uma frente-única em torno desse programa podemos fazer frente à tentativa do governo e das burocracias sindicais e estudantis governistas de desviar nossa mobilização através de um “plebiscito” pela reforma política. Chamamos os militantes e simpatizantes do MPL a romperem o ceticismo e o legalismo e retomarem os “princípios” de sua “carta”, avançando firmemente para um programa nesse sentido, pois estão dadas sim as melhores condições em muito tempo para se lutar por isso.

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