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Internacional

ELEIÇÕES NOS ESTADOS UNIDOS

Os fundamentos da vitória de Obama

04 Nov 2012   |   comentários

Após uma campanha muito concorrida e caríssima, na qual os dois principais partidos da burguesia imperialista norte-americana gastaram milhares de milhões de dólares na disputa pela Casa Branca, o presidente democrata Barack Obama se impôs a seu rival republicano, Mitt Romney. Entretanto, este triunfo de Obama está longe de expressar o entusiasmo e as ilusões na “mudança” que havia despertado em amplos setores populares em (...)

Após uma campanha muito concorrida e caríssima, na qual os dois principais partidos da burguesia imperialista norte-americana gastaram milhares de milhões de dólares na disputa pela Casa Branca, o presidente democrata Barack Obama se impôs a seu rival republicano, Mitt Romney, tanto no voto popular (por aproximadamente 2 milhões de votos) como no Colégio Eleitoral, no que superou com folga os 270 eleitores necessários para assegurar a reeleição. As hipóteses de quem prenunciavam uma eleição muito apertada, sobretudo depois do primeiro debate entre ambos os candidatos, no qual o desempenho de Romney foi melhor do que o esperado, não se materializaram. Obama não só ganhou os Estados das costas leste e oeste, contradição de voto democrata, senão que também se impôs nos Estados industriais que concentram grande parte da classe operária, como Ohio, e conseguiu manter posições em Estados do sul, como Virginia e Florida, base eleitoral tradicional do partido republicano. A eleição de 6 de novembro repetiu o padrão de “coalizões sociais” da eleição de 2008, produto de uma profunda polarização que vem se desenvolvendo nos últimos anos: Obama conservou majoritariamente o voto dos jovens, dos afro-americanos, das mulheres, dos imigrantes – principalmente hispanos e asiáticos -, da classe média progressista e dos assalariados com salários menores a U$50.000 anuais, concentrados em centros urbanos, o que lhe permitiu ganhar a eleição, enquanto que o partido republicano mostrou que sua base eleitoral se limita aos brancos, aos setores de salários superiores, aos maiores de 65 anos e aos setores tradicionais da direita religiosa (anti-abortistas, homofóbicos etc), principalmente das áreas rurais e suburbanas. Desde o ponto de vista demográfico, a maioria dos analistas coincidem em assinalar que a vantagem de Obama é que sua base eleitoral está em expansão. Para dar só um exemplo, os hispanos-americanos já são 10% do eleitorado, enquanto que os setores brancos, a base republicana, está em retrocesso, o que limitou as possibilidades de Romney de batalhar pela presidência e estrategicamente apresenta um problema ao partido republicano. A isto se soma que o peso interno que adquiriu o Tea Party dentro deste partido, sobretudo a partir de seu papel chave na vitória nas eleições de 2010, jogou contrariamente à expansão da influência eleitoral republicana e chocou com um eleitorado que majoritariamente rechaça sua agenda de extrema direita tanto no terreno econômico como com respeito aos direitos democráticos. Isto se expressou tanto na derrota da maioria dos candidatos republicanos ao Senado referenciados no Tea Party, o que ampliou a maioria democrata na câmara alta, como na aprovação em três Estados – Washington, Maine e Maryland – do matrimônio igualitário pelo voto popular.

Resistência e “mal menor”

Entretanto, este triunfo de Obama está longe de expressar o entusiasmo e as ilusões na “mudança” que havia despertado em amplos setores populares em 2008, quando a combinação do estalo da crise capitalis, o desgaste com as políticas guerreiras de Bush e o impacto simbólico que implicava eleger o primeiro presidente afro-americano deram a Obama uma vitória contundente expressada em uma vantagem de quase 10 milhões de votos para o partido democrata. Depois de quatro anos de governo e de crise econômica essas enormes expectativas se degradaram. Durante seu primeiro mandato, Obama não cumpriu nenhuma de suas promessas de campanha: a reforma do sistema de saúde, longe de brindar uma cobertura universal, estatal e gratuita, favoreceu os negócios das seguradoras privadas sem melhorar as prestações e nem aumentar os aportes patronais. A reforma financeira deixou
intactos os grandes bancos e a estrutura especulativa que levou à crise de 2008. Continuaram os resgates aos grandes bancos e monopólios que aumentaram seus lucros a níveis recordes, enquanto a desocupação se manteve oficialmente entre 10 e 8%, ainda que se se contasse os que já não buscam emprego ou os que se veem obrigados a aceitar trabalhos part time, a porcentagem de pessoas com problemas de emprego se aproximaria aos 20%, e 46 milhões de norte-americanos caíram na linha da pobreza. A prometida reforma migratória que iria legalizar os trabalhadores sem documentos nem se quer começou a se discutir. Os afro-americanos seguem sofrendo com as taxas de desemprego e de criminalização mais altas. Em política exterior, Obama continuou no essencial a “guerra contra o terrorismo” de Bush, ainda que com um discurso mais defensivo, buscando consensos e empregando a tecnologia militar, como os aviões não tripulados, para diminuir a exposição e as baixas norte-americanas, que tornam muito impopulares as incursões militares. Esta grande decepção levou à derrotada democrata nas eleições legislativas de 2010 nas que grande parte da base eleitoral de Obama diretamente não foi votar, o que facilitou a fortalecimento republicano, em particular do Tea Party. Esta tendência se reverteu parcialmente nas eleições de 2012, que distorcidamente expressaram a resistência de amplos setores populares, incluindo os trabalhadores, que optaram por Obama como “mal menor” frente a Romney, um empresário multimilionário com um programa de direita baseado no dogma cunhado por Reagan do “Estado pequeno” que combina medidas neoliberais com ataque aos direitos democráticos como o direito ao aborto.

Perspectivas

As perspectivas do segundo mandato de Obama não são tranquilizadoras para a burguesia: a economia segue registrando um crescimento débil, de apenas 2% no terceiro trimestre de 2012 (ainda que menor que 1,3% do trimestre anterior). Esse crescimento débil é insuficiente para criar os postos de trabalho que permitam baixar qualitativamente a taxa de desemprego. A distribuição do poder entre os dois partidos ficou intacta depois das eleições, com os republicanos controlando a câmara baixa e os democratas com maioria no Senado, o que augura novas crises que paralisem a tomada de decisões fundamentais, como já ocorreu com a ampliação do limite de endividamento estatal em 2010, o que se torna particularmente grave para evitar o chamado “abismo fiscal”, a combinação de recortes de gasto e subida de impostos que entraria em vigor a princípios de 2013 e ameaça empurrar a economia novamente à recessão. Isto já levou à queda de Wall Street ao se conhecer os resultados das eleições. Se bem a política de Obama é de consensuar com os republicanos os ajustes e recortes para baixar o avultado déficit fiscal fazendo as concessões necessárias, não está claro que isto seja possível. Em política exterior, Obama enfrentará importantes desafios, como a política para o Irã (e mais em geral para o Oriente Médio), a finalização da ocupação do Afeganistão e a definição de uma política mais agressiva com a China, reforçando as alianças tradicionais dos EUA com o Japão e a Coréia do Sul. Enquanto que a política “realista” de Obama e um setor republicano é administrar a decadência hegemônica norte-americana evitando aventuras militares por fora da relação de forças que levem a fracassos como a guerra do Iraque, a pressão de falcões (linha dura) internos e de aliados como o Estado de Israel pode levar a políticas agressivas com consequências imprevisíveis.

Bipartidarismo e polarização

As eleições mostraram por um lado a profunda polarização social e política, expressada na divisão segundo linhas sociais do voto democrata e republicano e no enfrentamento ideológico e cultural entre ambos os partidos. Mas por sua vez voltaram a deixar manifesto que democratas e republicanos são as duas alas do mesmo partido da burguesia imperialista e que o sistema bipartidário, sob as formas da democracia burguesa, é a garantia de que a hegemonia do capital não seja desafiada. A burocracia sindical da AFL-CIO, ao manter a subordinação da classe operária ao partido democrata, é funcional a esta política. Os trabalhadores norte-americanos e os setores explorados vêm de um profundo retrocesso expressado em níveis muito baixos de luta de classes. Entretanto, começa a aparecer sintomas de que essa tendência poderia se reverter. A luta dos imigrantes, a emergência da juventude no movimento Occupy Wall Street, a resistência à ofensiva anti-sindical em Wisconsin, e mais recentemente a greve de 9 dias de aproximadamente 26.000 trabalhadores docentes em Chicago são alguns exemplos. No marco da continuidade da crise capitalista e de um segundo mandato de Obama com uma debilidade maior que o anterior, está colocando aos trabalhadores, os imigrantes e o conjunto dos explorados norte-americanos que esgotem sua experiência com o partido democrata e avancem para uma perspectiva de independência de classe.

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