Quinta 18 de Abril de 2024

Internacional

Os bombardeios no Iraque e as incertezas da nova guerra dos EUA

17 Sep 2014   |   comentários

Nesta segunda-feira (15/9) realizou-se em Paris a reunião de países para orquestrar a coalizão de ataque contra o grupo jihadista sunita Estado Islâmico (EI) no Iraque. Trinta países participantes da “Conferência Internacional sobre a Paz e a Segurança no Iraque” se comprometeram a dar andamento com urgência a “todas as medidas necessárias para lutar eficazmente contra o Estado (...)

Nesta segunda-feira (15/9) realizou-se em Paris a reunião de países para orquestrar a coalizão de ataque contra o grupo jihadista sunita Estado Islâmico (EI) no Iraque. Trinta países participantes da “Conferência Internacional sobre a Paz e a Segurança no Iraque” se comprometeram a dar andamento com urgência a “todas as medidas necessárias para lutar eficazmente contra o Estado Islâmico”. Os primeiros bombardeios aéreos contra a capital do Iraque, Bagdá, iniciaram-se hoje, num total de mais de 165 missões realizadas.

Expondo sua estratégia militar para lidar com as milícias sunitas no Iraque e na Síria, em pleno 13º aniversário do atentado às torres gêmeas em Nova Iorque, Obama fez um discurso cuidadosamente preparado para conter as inúmeras contradições da guerra que tenciona mover, mostrando que, depois de anos de “combate ao terrorismo”, os EUA se encontram numa posição mundial mais segura após a eliminação de Osama Bin Laden e o líder da Al-Qaeda na Somália. Para diminuir o peso do grande rechaço popular que houve frente à ameaça de intervenção militar na Síria em 2013 e o menor índice de confiança num presidente dos EUA desde 1974 (43%), Obama se apoiou em duas ideias centrais que norteariam o ataque: a primeira é que “não envolverá tropas norteamericanas lutando em solo estrangeiro”; a segunda, que é necessário “degradar e, em última instância, destruir o Estado Islâmico”, mas para isso “os EUA não podem fazer pelos iraquianos aquilo que devem fazer por si mesmos, nem pode ocupar o lugar dos aliados árabes para garantir a segurança de sua região”, deixando claro que busca liderar uma ampla coalizão de aliados regionais.

Os exemplos de “êxitos” para justificar a ampliação dos bombardeios no Iraque e na Síria (como os casos do Iêmen e da Somália) estão longe de se configurarem como tais. O incentivo imperialista de múltiplos enfrentamentos sectários interreligiosos foi responsável pelo avanço redobrado de forças extremistas em diversos lugares da Ásia, do Oriente Médio e da África, que constituem focos de disputas regionais abertos e de crises permanentes (como foi a origem da Al-Qaeda na década de 1980, e do Estado Islâmico do Iraque e do Levante atual). Esta política do imperialismo norteamericano em aliança com as burguesias árabes, de desenvolver divisões sectárias e fomentar guerras civis religiosas como forma de evitar que o descontentamento derivasse em guerras de libertação nacional ou em processos revolucionários contra os governos fantoches na região, é a origem de forças reacionárias como o Estado Islâmico, a contracara do terrorismo imperialista durante décadas no Oriente Médio.

Neste caso, trata-se de uma resposta evidente da administração Obama à profunda crise de hegemonia que arrasta a principal potência econômica e militar do planeta; pois, apesar de mostrar-se alérgico à herança guerrerista de George W. Bush nas derrotas no Iraque e no Afeganistão, Obama não pode abandonar o principal capital hegemônico dos EUA – a força militar – num momento em que distintas potências rivais como China e Rússia observam com clareza esta perda de poder de liderança norteamericano. E o EI é um inimigo que não tem nada a ver com os “desafios menores” anteriores. O Estado Islâmico conseguiu um importante controle territorial, de 40.000 km² de ambos os lados da fronteira do Iraque e da Síria, controlando cidades importantes e populosas como Mosul (segunda maior do Iraque), Faluja e Raqqa (base do EI, na Síria). Isto exclui a idéia de que bombardeios aéreos possam substituir o papel da ocupação terrestre para disciplinar e erradicar um inimigo já enraizado em concentrações urbanas chave da economia, o que torna difícil qualquer sucesso na operação que não se baseie em apoio terrestre dos setores sunitas descontentes com o EI; e justamente a primeira exigência dos líderes sunitas foi o congelamento dos bombardeios em zonas civis, inclusive as ocupadas pelo EI. Também são incalculáveis os abalos no tênue tecido de equilíbrio do Oriente Médio se a Síria se enredar numa intervenção militar, que poderia desatar um conflito mais complexo envolvendo milícias islâmicas como o Hezbollah no Líbano e na Jordânia.

Ademais, a irrupção do EI obrigou a retraçar-se temporariamente a política de alianças no Oriente Médio. Impulsionou a cooperação militar entre o novo governo central iraquiano (Haidar Al-Abadi) e o governo regional curdo (minoria que busca independentizar-se do Iraque). Os Estados Unidos foi obrigado a selar laços com velhos inimigos na região, como as milícias xiitas, o governo de Bashar Al-Assad e o Irã dos aiatolás. Da mesma forma, o Irã se encontra de mãos dadas neste conflito com seu rival histórico, a Arábia Saudita (ambos estão enfrentados na Síria, no Líbano, na Palestina, no Bahrein e no Iêmen). O complexo enredo de objetivos para os EUA seria: combater o Estado Islâmico sem bombardear sua base sunita nas zonas civis; auxiliar logisticamente as milícias xiitas sem irritar o Estado de Israel e a Arábia Saudita, mas evitando que o Irã seja o grande ganhador regional da ofensiva; tomar as forças curdas como aliados, cuidando para que não avancem em planos de independentização. Difícil.

Este realinhamento temporário dá um caráter extremamente instável a estas alianças, pondo em risco rápidas escaladas na situação: o Irã, por exemplo, não participou da Conferência em Paris, por ser veementemente contra qualquer intervenção aérea na Síria e qualquer apoio à “oposição moderada” que luta contra o regime de Bashar Al-Assad, melhor aliado do regime de Teerã. A Rússia, outro aliado do regime de Assad e parte do conflito aberto na Ucrânia contra a intervenção norteamericana no Leste europeu, também rechaçou ataques à Síria. Nestas condições, os aliados frágeis não permitem um desenvolvimento linear e sem riscos da operação.

Uma guerra em desfavoráveis condições de liderança para os EUA

A ofensiva dos Estados Unidos contra o Estado Islâmico acontece em meio a uma prodigiosa perda de capacidade de resolver os múltiplos conflitos regionais que se apresentam no globo por parte da maior potência imperialista. A retirada precária de tropas do Iraque e do Afeganistão, a crise síria e a humilhação de não ter concluído a ameaça intervencionista, a guerra civil na Ucrânia e a anexação da península da Criméia pela Rússia, a incapacidade de disciplinar o Estado de Israel como fator de desestabilização do Oriente Médio e as rusgas cada vez maiores com a China e a Alemanha estão entre os principais exemplos das fraturas no discurso hegemônico dos EUA, incapaz de responder aos desafios regionais à sua dominação.

Como avaliam distintos analistas, a questão é saber se os EUA pode conviver com esta situação, por quanto tempo, e se tem força suficiente para retrabalhar um tabuleiro geopolítico que começa a aparecer bastante desfavorável à idéia de um “novo século ianque”. Após o fracasso nas guerras do Iraque e do Afeganistão, a estratégia adotada pela burguesia imperialista norteamericana foi clara: permitir às forças regionais aliadas competirem entre si e balancearem umas às outras, evitando o protagonismo de Washington em demasiadas frentes simultâneas; manteria assim uma balança de forças dinâmica, intervindo apenas com o mínimo de forças e risco possíveis. A questão é que a crescente perda de liderança desta potência hegemônica transforma as relações regionais em outras tantas incógnitas geopolíticas, que exigem uma combinação cada vez maior, e não menor, da presença política e militar dos EUA nos focos de conflito. Nada mais contrário aos interesses externos de Washington, que se preparam para enfrentar desafios maiores com seus principais rivais econômicos, China e Alemanha.

“O interesse norteamericano não é a estabilidade, mas a existência de um equilíbrio dinâmico de forças em que todos os participantes estejam paralisados o suficiente para que ninguém que ameace os Estados Unidos tenha força para emergir. O Estado Islâmico teve sucessos importantes no início, mas o equilíbrio de poder com os curdos e com os xiitas limitou sua expansão, e as tensões com a comunidade sunita divergiu sua atenção. Certamente há o perigo do terrorismo internacional, e os serviços de inteligência norteamericanos devem estar ativos em identificar e destruir estas ameaças. Mas a reocupação do Iraque, ou do Iraque e da Síria, não faz nenhum sentido. Os Estados Unidos não tem a força necessária para ocupar os dois ao mesmo tempo. O desequilíbrio demográfico entre as forças disponíveis e a população local torna esta intenção impossível ”. [1]

A questão é que, se a ocupação é a última carta do baralho, a aliança com as forças regionais já sai débil, com Arábia Saudita, Bahrein, Egito, Emirados Árabes Unidos, Líbano, Jordânia, Kwait, Omã, Catar e Turquia, estados vizinhos e alguns membros da reacionária Liga Árabe de petromonarquias autocráticas, todos interessados no equilíbrio regional do ponto de vista de sua estabilidade no Oriente Médio (daí o receio em aplicar os arsenais militares contra o EI, para não desencadear conseqüências políticas mais graves aos regimes de cada país, a maioria golpeada recentemente pela onda da “primavera árabe”).

Nova guerra com desfecho incerto

Consciente das dificuldades e contradições implantadas, o chefe do estado Maior conjunto, Martin Dempsey, abriu hoje a porta à possibilidade de que tropas militares norteamericanos possam fazer parte do combate em terra. “Se as circunstâncias mudam recomendaria ao presidente que soldados estadunidenses trabalhem assessorando de perto o combate e acompanhe soldados iraquianos em combates concretos. Meu ponto de vista é que esta coalizão é a maneira certa de atuar...mas se houver ameaças contra os EUA, irei recomendar sem dúvida ao presidente para incluir o uso de forças militares sobre o terreno  [2], o que se choca diretamente com a demagogia de Obama sobre a ocupação. Estas divergências internas sobre como conduzir a operação (a ineficácia de ataques aéreos quando se está tentando tirar os yihadistas das cidades) revela a insuficiência dos métodos militares da coalizão para levar até o fim os objetivos do imperialismo norteamericano, que tem pouca margem para se dar ao luxo de viver outro “vexame” internacional. Os efeitos do terrorismo burguês de grupos reacionários como o EI, nas decapitações de jornalistas americanos e europeus, que ainda estão frescos, podem desaparecer rapidamente e levar consigo o já pequeno entusiasmo com esta nova barbárie imperialista. O pesadelo no Iraque e no Afeganistão ao sonho do “novo século ianque” pode renascer nas entranhas desta nova incursão.

[1George Friedman, “The Virtue of Subtlety: A U.S. Strategy Against the Islamic State”, 9/9.

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