Sexta 19 de Abril de 2024

Questão negra

CARANDIRU

Os 111 de 2 de outubro de 1992 após Junho de 2013

03 Oct 2013 | “Pra Anistia Internacional a polícia brasileira, É a que mais executa no planeta. O covarde que fuzila 111 no carandirú, À paisana anda com a funcional no cu.” Roleta Macabra – Facção Central   |   comentários

Em memória aos mortos no massacre do Carandiru.

Brasil, 1992. Continua a venda de tudo que é serviço público: as estradas, os portos, os hospitais, postos de saúde. O Estado vendeu suas responsabilidades com os usuários de drogas, com a violência sexual, com o combate ao racismo para as ONGs.

Collor é presidente. Ao meio do ano, é denunciado por corrupção. Em agosto, milhares saem às ruas exigindo a saída do então presidente. O impeachment entra em processo no dia 29 de setembro. No governo de São Paulo, em março de 1991, toma posse Fleury Filho, e apenas três dias após a abertura do processo de seu companheiro de classe, pouco mais de um mês após a convulsão nacional contra o então presidente, ordena a entrada no Carandiru de uma operação policial de centenas de homens armados, a comando do Coronel Ubiratan, para conter uma rebelião iniciada por uma simples disputa de futebol.

Nessa invasão, a polícia impedida de reprimir como queria às manifestações de rua, deixou oficialmente 111 mortos no presídio. Pensem o que quiserem dos números oficiais. Só sei que estavam sedentos.

Collor sai em dezembro, entra no seu lugar Itamar Franco.

Brasil, país da última libertação de escravos, da maior população negra fora da África, em qualquer momento de crise política, econômica ou social, os negros da classe trabalhadora são sempre os primeiros a pagar. Foi assim na Inconfidência Mineira, nas duas ditaduras militares, no ascenso dos 80, em 1992. A burguesia preferiu assim para poder lucrar mais com salários menores para metade dos trabalhadores, aproveitando mais lucros, mais whisky, Las Vegas, Ilhas Caimã, festas com orgia e pura parasitagem. Aproveitou e dividiu a classe – brancos com medo de perderem seus empregos para negros, ou de terem salários de negros ficam mais receosos para entrar em qualquer luta operária, assim como em apoiar lutas de trabalhadores negros, que pensam serem criminosos, violentos, imorais.

Brasil, 2013. A 4ª maior população carcerária do mundo, com 548 mil detentos [1], mostra que este é um dos principais recursos utilizados pelo Estado para conter as contradições inerentes a uma sociedade de classes. Quando as pessoas tem fome, desemprego, problemas mentais ou sociais advindos de uma sociedade doente, a resposta capitalista é: aprisionem-as. Estima-se que cerca de 38% da população carcerária brasileira ainda não foi julgada, e portanto, não possui motivos concretos para estar aprisionada. Deste total de presos, 293 mil são negros, sendo cerca de 54% da população carcerária.

Não são poucas as denúncias de tortura, assassinato e abuso sexual por parte das “autoridades” das prisões, cadeias, delegacias. A população negra paga o preço mais alto da existência desse contensor de molas que é o Estado, sua polícia, suas prisões. A polícia considerada das mais assassinas do mundo mata dezenas de jovens negros por dia, ela que é herdeira do massacre a Palmares, Canudos, a cada pequena e heróica revolta dos escravos negros. Depois, afiou sua espada e experimentou a pólvora na pele negra dos primeiros operários brasileiros, massacrou com gosto os primeiros sindicatos de negros e brancos em unidade, aprisionou, torturou, humilhou ferrenhamente negros que praticavam cultos umbandistas, do Cadomblé, do vudu. Assassinou deliciada os que gritaram contra a democracia racial. Decretou por duas ditaduras consecutivas a proibição do tema racial, perseguiu e dizimou organizações negras inteiras.

Essa polícia cheia de memória faz com que em 2013, negros continuem sumindo em todas as capitais do país.

Entretanto, este que é o 21º ano após o Massacre do Carandiru, as coisas estão um pouco diferentes no país. Em Junho, diz-se que o “gigante acordou”. Prefiro dizer que os jovens foram às ruas revoltados com o ataque anual do aumento das tarifas de ônibus. Infelizmente, se esqueceram de dar lugar às principais demandas da classe operária, e com isso, colocá-la a frente do processo.

As manifestações de rua, que encheram de orgulho os jovens mais questionadores do país, se esqueceram também que para cada demanda tocada no processo, os negros somos os que mais sentimos. Somos os que não podem sair dos próprios bairros para ir em shows, cinema, teatro. Nossos bailes funk são vítimas de genocídios policiais. Nossos ônibus são os mais lotados, os que tem baratas, tiros. As trabalhadoras e trabalhadores negros pegam 3 conduções para ir ao trabalho, perdem o horário da integração pelo trânsito das metrópoles. São punidos em salário por cada minuto de atraso.

Mais humilhação. As domésticas e os pedreiros pegam essa condução e são os que mais perdem os filhos para as balas “perdidas” e para as “medidas sócio-educativas” do Estado.

Mas em Junho, esses mesmos jovens decidiram não se esquecer de uma pessoa. Já são muitos os jovens desaparecidos pelas mãos da polícia, os presidiários assassinados sem conhecimento da família. “Onde está Amarildo?” perguntaram. Fizeram coro com a família corajosa desse pedreiro, negro, assassinado pela polícia. Essa pergunta abriu um buraco negro nesse Estado assassino, que agora tem medo de que se pergunte de cada jovem, velho, mulher ou criança desaparecido nas periferias brasileiras.

“Onde está Amarildo?” é a pergunta que cada família, de cada um dos 111 assassinados no Carandiru esperava que se respondesse. Os que não tiveram seus filhos incluídos nos dados oficiais, perguntam “onde está meu filho?”; os que tiveram, fazem outras questões aterradoras como “onde está a punição do assassino do meu filho?” ou “porque o Coronel Ubiratan usou 11-111 como legenda eleitoral depois do massacre?”.

Essas perguntas não podem ser só feitas. É preciso lutar por suas respostas. Para isso, Junhos negros virão.

Em memória aos mortos no massacre do Carandiru.

[1Nesse número não são calculados os jovens menores de 18 anos que estão presos, já que tal prática é considerada pelo Estado brasileiro como mera “medida sócio-educativa”. Somados esses jovens, o Brasil provavelmente passaria ao 3º lugar mundial superando a Rússia, já que apenas no Estado de SP a Fundação Casa mantém em torno de 25 mil presos.

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