Sábado 20 de Abril de 2024

O verdadeiro significado da Conferência Pan-Americana de Lima

07 Sep 2005   |   comentários

A recente conferência de Lima marca o início da vigorosa contra-ofensiva do capital financeiro norte-americano à penetração dos imperialismos alemão e japonês na América. Representa também uma etapa avançada na realização do plano de pór em prática a doutrina de Monroe: A América para o imperialismo yankee. Na nova fase de redistribuição do mundo entre as potências imperialistas aberta em 31 com a conquista da Manchúria pelo Japão e continuada depois com a da Abissínia pela Itália e a da à ustria e Tchecoslováquia pela Alemanha, o imperialismo yankee toma posição e reserva a América para sua influência exclusiva.

Até poucos anos atrás a principal luta inter-imperialista na América trava-se entre os imperialismos inglês e americano. O imperialismo britânico já colocado há muito em franca posição de defensiva no mundo inteiro e em luta contra as novas potências imperialistas “à procura de um lugar ao sol” foi obrigado desde 1933 a restringir “espontaneamente” à sua influência em todo o mundo para não perder os seus domínios e colónias. De fato, na Conferência Imperial de Ottawa o imperialismo inglês fechou-se no seu imenso império colonial que ameaçava desmembrar-se sob o ímpeto da concorrência e ia dos seus rivais. Data daí a diminuição da intensidade de luta inter-imperialista anglo-americana.

A luta na América passa a tomar novo aspecto. Os imperialismos “famintos” ’ Alemanha, Japão, Itália ’ chegados atrasados À partilha do mundo dirigem suas baterias para as partes do mundo não incluídas nos impérios coloniais fechados da Inglaterra e da França e encontram na América ótimo campo de operações.

Em poucos anos a penetração alemã assume importância extraordinária. O fato da Alemanha conseguir alcançar o 1º lugar entre os exportadores para o Brasil no ano do 37 alarmou o imperialismo americano. Embora em grande parte o aumento da parte alemã, japonesa e italiana se fizesse às expensas da Inglaterra e da França, isso significa que o inimigo não dormia e que se consolidava a sua base na América, Esse fato era agravado pelas novas formas comerciais adotadas (comércio de compensação, exportação subvencionada, etc.) acompanhadas ainda por cima de auxílio e da fomentação aos bandos e formações fascistas indígenas.

Sob a pressão desse perigo o imperialismo americano decidiu-se a uma nova ofensiva. A bandeira para essa ofensiva já estava pronta. Tratava-se de opor a democracia burguesa ao fascismo como dois regimes políticos irreconciliáveis entre os quais iria travar-se a batalha da qual dependeria o destino da humanidade. Escamoteava-se o conteúdo económico da luta inter-imperialista, surgindo em seu lugar duas ideologias despidas inteiramente de qualquer base material. As burguesias inglesa e francesa já tinham lançado mão, e com sucesso, deste expediente afim de promover a união sagrada e assegurar-se o apoio das massas trabalhadoras para a defesa do seu “direito” de continuar a maior parte da humanidade. À clássica agência da burguesia no seio da classe operária ’ a 2ª Internacional ’ veio juntar-se a 3ª., que numa verdadeira emulação se esforçava por paralisar o movimento revolucionário e atrelar os trabalhadores e as massas exploradas ao carro do imperialismo “democrático” . A Frente Popular foi a fórmula mágica com que o stalinismo presenteou a burguesia e a salvou da derrocada. Também o imperialismo americano resolveu lançar-se à ofensiva em nome da democracia, erigindo-se em defensor de toda a América, contra as ameaças iminentes de invasões fascistas partidas da Europa.

Dos vinte países sul e centro-americanos reunidos em Lima apenas três ’ México, Chile e Colómbia ’ possuem um regime democrático. Em outros dois ’ Argentina e Cuba ’ o regime é semi-ditatorial. Nos 15 restantes campeã sem rebuços, a ditadura policial-militar mais feroz. Os agentes destes 15 regimes de terror falavam em democracia, quando nos respectivos países as prisões transbordavam de comunistas, anti-fascistas e nacionais-libertadores, as liberdades tinham sido espezinhadas, a imprensa arrolhada, as organizações operárias e populares dissolvidas e o direito de greve suprimido. No decurso da Conferência de Lima houve no Equador um golpe de Estado de direita, dirigido pelo próprio presidente, que preventivamente dissolveu a Câmara e prendeu os deputados que “tramavam” vencer nas próximas eleições. Não consta que tenha havido algum protesto por parte da delegação americana. Problemas ligados concretamente À questão das liberdades democráticas eram cuidadosamente evitados. A discussão girou em torno da fórmula de “solidariedade continental” que deve permitir aos Estados Unidos estabelecer bases militares nos países latino-americanos afim de proteger de mais perto os capitais investidos. Tratou-se também da abolição das barreiras alfandegárias afim de dar aos Estados Unidos a posição de país privilegiado, facilitando a penetração comercial em detrimento dos concorrentes e da própria economia nacional.

Os resultados da conferência de Lima não satisfazem inteiramente os apetites do capitalismo americano. Entendimentos posteriores com cada país separadamente devem completar a obra iniciada em Lima. Estes entendimentos tornam mais claros ainda os verdadeiros objetivos do capital financeiro ianque.

Pouco tempo depois da conferência o ministro Oswaldo Aranha, persona grata dos banqueiros americanos foi chamado a Nova York. Os objetivos da viagem não foram revelados. As primeiras informações chegadas revelaram entretanto que espécie de negociações se realizam. Os banqueiros americanos se prontificam a fornecer os créditos à “democracia” de Getúlio & Cia. exigindo em troca o reinício do pagamento da dívida externa e uma garantia de que as empresas americanas nunca serão expropriadas. Ora não é segredo para ninguém que o saldo da balança comercial de 1938 desapareceu praticamente. Reconstituí-lo significa exportar mais ’ o que é impossível nas condições atuais e se fosse realizável só redundaria em benefício dos banqueiros ianques porque em troca nada receberíamos ’ ou importar menos que contribuiria para paralisar inteiramente o lento e mísero desenvolvimento da economia nacional. Por garantias de que as empresas americanas nunca serão expropriadas o imperialismo americano compreende a cessação de toda campanha anti-imperialista. A propaganda anti-imperialista que sob formas vagas e imprecisas ainda transparece aqui e acolá na imprensa burguesa seria declarada fora da lei. Isto significaria um novo golpe tendente a eliminar os últimos restos de independência da imprensa burguesa. Em troca o povo do Brasil passaria a ver a ditadura ínfame de Getúlio protegida por Roosevelt e livre ’ a Tchecoslováquia e a Espanha são atestados eloquente da eficiência da “proteção” das “democracias” ’ das ameaças alemã e italiana.

O conteúdo das negociações realizadas atualmente entre os banqueiros americanos e o Sr. Oswaldo Aranha não deixa mais dúvidas sobre os verdadeiros desígnios do imperialismo ianque. Assegurar-se o domínio económico e militar de toda a América, como primeiro passo pela hegemonia mundial, - eis o programa que Roosevelt tenta por em execução.

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Os stalinistas do Brasil e dos outros países americanos arvoram-se em agentes desta “nova” política ianque. Os stalinistas tocam o alarme diante do perigo de uma agressão por parte dos países fascistas e só vêm uma salvação ’ a proteção dos Estados Unidos.

Na realidade o Brasil e outros países semi-coloniais são o campo de batalha da luta inter-imperialista que atingiu agora uma intensidade nunca vista. Americanos e ingleses, alemães e italianos vêm nestes países fontes de matérias primas e possibilidades duma taxa de exploração tentadora para o excesso dos capitais, em virtude do preço vil da força de trabalho nacional. O atraso económico destes países, a miséria dos trabalhadores da cidade e das populações do campo, são as conseqüências inevitáveis da exploração imperialista, quer se trate de exploradores americanos ou alemães. Os governos de opressão do tipo Getúlio ou Benevides são indispensáveis para impedir a revolta das massas oprimidas contra os exploradores imperialistas e os seus aliados os burgueses e latifundiários nacionais.

No atual momento o imperialismo americano detém em suas mãos as principais posições económicas tanto no Brasil como em quase todos os países sul e centro-americanos. Os concorrentes mais perigosos são o nazismo alemão e o fascismo italiano que lançam mão de todos os meios para desalojar e tomar o lugar do imperialismo americanos. Os objetivos são os mesmos embora os métodos e a roupagem sejam diferentes.

A luta anti-imperialista deve visar concretamente objetivos reais. A expropriação das empresas imperialistas atinge em cheio o imperialismo americano, porque a maioria das empresas lhe pertence. O não pagamento das dívidas externas leva aos mesmos resultados porque “devemos” mais aos banqueiros ianques. Organizar a massa para a realização destas tarefas significa também prepará-la para resistir às tentativas de penetração levadas a efeito pelo imperialismo de camisa parda ou preta. Esta luta anti-imperialista, levada a efeito pelas massas, é ao mesmo tempo dirigida contra as ditaduras locais, asfixiadoras das liberdades democráticas a serviço direto ou indireto do capital financeiro.

É um verdadeiro escárnio lançado à classe operária e ao povo trabalhador do Brasil falar-se em defesa da democracia sob o regime do “Estado Novo” . Permitir isso é ajudar conscientemente ou não às forças reacionárias e fascistas, pois fazer crer às massas trabalhadoras que a ditadura sob a qual vivemos é democracia é um dos melhores serviços que se pode prestar à obra de desmoralização das democracias empreendidas pelos países fascistas.

Procurar, por sua vez, a proteção dos Estados Unidos e abrir caminho a intensificação da exploração imperialista e para o reforço das cliques dirigentes locais. É impedir a formação de uma consciência anti-imperialista, é deixar uma brecha enorme para a agressão fascista, no caso de entendimento de bastidores do tipo de Munich entre países capitalistas “democráticos” e fascistas. O inimigo real dos povos latino-americanos é o imperialismo com ou sem camisa aliado das ditaduras policial-militares que reinam em quase todos os países da América do Sul e Central. O aliado é o proletariado dos Estados Unidos e do mundo inteiro. Só o esforço comum do proletariado dos países imperialistas e dos povos dos países coloniais e semi-coloniais poderá quebrar a espinha dorsal do imperialismo e reiniciar a marcha para a conquista da verdadeira democracia: a ditadura do proletariado.

Luta de Classe, n.43, 23 de março de 1939









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