Terça 23 de Abril de 2024

Teoria

Crise do Partido Bolchevique

O retorno de Lênin

29 Apr 2007   |   comentários

“O trem se pós em movimento até Gottmadingen, a estação fronteiriça alemã. Eram três e dez. E o mundo mudou brutalmente de horário. Milhões de canhões destruidores haviam sido disparados no curso da guerra mundial. Os engenheiros continuavam inventando as armas mais pesadas, as mais poderosas e as mais devastadoras. Mas nenhum canhão foi mais devastador e mais decisivo do que este trem, com seu carregamento de revolucionários, os mais perigosos e mais decididos do século, este trem, que da fronteira suíça se lançava então através de toda a Alemanha até Petrogrado e se preparava para fazer explodir a ordem dos tempos” [1].

A revolução se iniciara havia mais de um mês, entretanto a crise nacional seguia sendo tão profunda como antes da queda do czarismo. As demandas principais que incitaram a centenas de milhares à luta nas ruas não haviam se concretizado. A paz era impossível com a continuidade da guerra; o pão acabava na medida em que a terra continuava na mão dos latifundiários; todas as demandas sociais dos operários, soldados e camponeses, frente à carestia e à anarquia económica, se chocavam com a permanência da propriedade dos capitalistas.

Além disso, a principal causa da deterioração social e económica era a guerra. O novo Governo Provisório, dirigido pelo político burguês Miliukov, impós a permanência da Rússia na guerra com o objetivo de anexar novos territórios e expandir seu rol de aliados das potências capitalistas.

Com isto o Governo deixava claro que todas as promessas e concessões sociais e políticas feitas ao movimento da revolução de fevereiro não seriam cumpridas, e sim postergadas.

O conflito com as lutas das massas auto-organizadas não tardaria a chegar. Mas esta luta social estava prestes a se expressar com total clareza. O governo provisório não somente representava os interesses da burguesia, mas também, mediante sua aliança com os representantes socialistas “moderados” dos soviets, começava a conter o alcance do processo sob a ilusão de estar construindo uma nova “democracia” que viria a resolver os principais problemas nacionais.

O apoio crítico ao governo provisório: “bolchevismo conciliador”

Os soviets eram hegemonizados pelos “conciliadores” , mas de fato neste primeiro momento da revolução todos os partidos outorgavam seu apoio ao Governo Provisório, incluídos os bolcheviques.

Durante o primeiro mês e meio da revolução, primavam a perplexidade e a confusão no bolchevismo. Este havia cumprido um papel histórico na revolução de fevereiro, já que havia sido o partido que moldou através dos anos a vanguarda do movimento operário que protagonizou a insurreição que derrubou o czar. Entretanto, isto foi insuficiente, já que o próprio partido bolchevique não atuou dirigindo os acontecimentos, pois não pode evitar que a insurreição fora expropriada nem que o poder passasse às mãos do Governo Provisório, dando lugar a uma instável situação de duplo poder [2].

O partido, recém saído da clandestinidade, e com seus dirigentes mais experimentados ainda no exílio, foi tomado pela vacilação. À medida que foram se assentando o novo regime e as ilusões populares depositadas nele, também foi se impondo no partido uma linha de apoio crítico ao Governo Provisório. Stalin e Kamenev deram um rumo oportunista ao jornal Pravda, cedendo totalmente às pressões das instituições da “democracia revolucionária” e dos dirigentes conciliadores dos soviets.

Inclusive a maioria dos representantes bolcheviques no soviet chegaram a apoiar que “os soviets elejam representantes para o governo provisório” . O que estava em jogo era essencialmente que atitude tomar frente ao governo. Apoiá-lo, ainda que criticamente, contribuía para semear ilusões nele.

A política de Stalin e Kamenev de apoio crítico ao governo (atuando em comum com os mencheviques nos soviets) se justificava “pela esquerda” com o argumento de “manter o apoio ao governo provisório enquanto este lutasse contra a reação e a contra-revolução” . Com isto não só cediam às ilusões populares, como deixavam de lado o problema principal que era a continuidade da guerra.

O retorno de Lênin

Desde o primeiro momento, importantes setores bolcheviques de base resistiram à orientação direitista, principalmente os operários organizados como o comitê da barricada de Viborg, que já defendiam que o poder soviético deveria desfazer-se do peso da burguesia.

Da mesma maneira, Lênin, do exílio, dava indicações completamente opostas à adaptação ao governo. Em suas "Cartas de Longe", Lênin denunciava o governo por representar os capitalistas e seus objetivos imperialistas na guerra, uma vez que declarava a intransigência que o partido bolchevique deveria manter. A chave política era que o partido bolchevique atuasse de maneira independente, confluindo com o incipiente descontentamento das massas e preparando o enfrentamento de classe que teria lugar mais cedo ou mais tarde, ou se perderia a oportunidade.

Lênin chegou a Petrogrado em 3 de abril. Milhares de operários e soldados celebraram sua chegada. Os conciliadores também se apressaram em recebê-lo, buscando que Lênin "entendesse" sua política. A resposta de Lênin não pode ser mais contundente, e nesse mesmo dia começa uma atividade frenética para que o partido bolchevique superasse a crise. Durante pouco menos de um mês, Lênin encabeça uma verdadeira "luta de tendências" dentro do partido, enfrentando a ala oportunista e apoiando-se na base operária do partido.

Não era a primeira vez em que Lênin tinha travar uma luta dura por suas posições políticas. Não são mais que mentiras as lendas de que o partido bolchevique em vida de Lênin era monolítico ou dirigido autoritariamente por seu líder.

Preparando a "segunda revolução"

Lênin vinha reorientar radicalmente a estratégia e a tática bolcheviques expressando em um breve escrito, conhecido como as "Teses de Abril", o essencial das novas tarefas na revolução. Nele caracteriza a guerra imperialista e aponta que atitude devem manter os socialistas, explica a tática de enfrentamento ao governo provisório e a necessidade de uma luta paciente para conquistar a maioria da classe operária e dos soviets para uma política anti-capitalista. Também explica que os soviets, livres da tutela da burguesia, eram não apenas magníficas organizações de auto-organização operária, mas "a única forma possível de governo revolucionário" e a base para construir um novo Estado.

Contrariamente a isto, muitos "velhos bolcheviques" utilizavam erroneamente alguns esquemas teóricos prévios, que ficaram velhos nessa nova situação. Até a Revolução de Fevereiro, os bolcheviques haviam colocado que a Revolução Russa teria uma caráter democrático burguês, com o objetivo de superar o atraso histórico da Rússia em comparação com a Europa Ocidental. Mas contra os mencheviques, que deduziam dali seu apoio à burguesia, os bolcheviques disseram que era impossível que a burguesia encabeçasse uma revolução porque estava unida ao capital imperialista e, temerosa das massas populares e da classe operária, se limitava a pressionar pela auto-reforma do czarismo.

Os bolcheviques levantavam uma fórmula de poder governamental que chamavam "ditadura democrática operária e camponesa", que devia derrubar "ditatorialmente" o czarismo, quebrando a resistência da burguesia e levando adiante, em uma aliança entre operários e camponeses, objetivos democráticos próprios de uma revolução burguesa. Mas os fatos foram mais complexos do que as previsões teóricas tidas até esse momento pelo bolchevismo. Rapidamente Lênin compreende como a revolução de fevereiro não teve como resultado a realização das tarefas da revolução "democrática e burguesa", como a repartição das terras entre os camponeses, a jornada de 8 horas para os operários e a convocatória a uma Assembléia Constituinte que reorganizasse a nação, extirpando a herança do czarismo. E nada disso se realizava precisamente pela presença da burguesia no poder. Estava colocada a necessidade de ir além nos objetivos da revolução, fazer uma "segunda revolução" (Lênin). A fórmula de governo de "ditadura democrática operária e camponesa" utilizada pelos bolcheviques para a revolução democrática ficava velha, já havia dado tudo de si.

Em 4 de abril Lênin defende suas teses na conferência bolchevique e, separando-se destes esquemas, aponta o problema essencial para os revolucionários: "Porque não se tomou o poder?", frente ao quê os velhos bolcheviques repetiam "porque não se superou a primeira etapa, que é democrática e burguesa". Lênin respondia "Isto é um absurdo. A única razão é a de que o proletariado ainda não é consciente o bastante nem suficientemente organizado. É preciso reconhecer. A força material reside nas mãos do proletariado, mas a burguesia tem sido mais consciente e está mais bem preparada. É um fato monstruoso, mas é preciso reconhecer franca e abertamente e dizer ao povo que se não tomou o poder, foi por sua desorganização e a falta de uma consciência clara". A vacilação do partido até esse momento impedia que a subjetividade das massas conquistasse a "consciência clara" do que estava em jogo.

Com isto Lênin se aproximava decididamente em sua compreensão da revolução daquela teorizada por Leon Trotsky, segundo a qual a revolução russa começaria pelas tarefas democráticas, mas não se deteria ali, adquiriria uma dinâmica "permanente", combinando-se com tarefas próprias da revolução socialista. Trotsky sustentava o programa de que o proletariado chegue ao poder acaudilhando os camponeses e levando adiante desde o primeiro momento da revolução as primeiras medidas anticapitalistas e socialistas. Agora também Lênin via a Revolução Russa como "o prólogo da revolução socialista mundial".

[1Sthephan Zweig, Sterstunden der Menscheit, citado em Jean-Jacques Marie, Lênin.1870-1924.

[2Ver La Verdad Obrera N° 226 e 227 em www.pts.org.ar

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