Quarta 24 de Abril de 2024

Internacional

IRÃ

O regime impõe a fraude com a repressão

27 Jun 2009   |   comentários

Após dez dias de massivas mobilizações, o aparato repressivo do regime iraniano parece ter restaurado provisoriamente a ordem nas ruas de Teerã. Em seu discurso no dia 19 de junho, o líder supremo da República Islâmica, o aiatolá Ali Khamenei, reafirmou seu alinhamentos com Ahmadinejad e anunciou que decidiu acabar com o movimento em curso, dizendo que não iria tolerar mais protestos e ameaçando com um “banho de sangue” .

No dia seguinte, milhares de manifestantes, que tinham tomado as ruas num aberto desafio à proibição lançada por Khamenei, enfrentaram uma dura repressão que custou a vida de pelo menos 20 pessoas. Além disso, segundo os meios de comunicação iranianos estatais, houve 100 feridos e cerca de 450 pessoas foram presas. A Agência Oficial de Notícias da República Islâmica informou que foram estabelecidos tribunais especiais para julgar os detidos nas mobilizações contra a fraude eleitoral e que estes receberão uma punição “exemplar” .
Esta resposta repressiva parece ter tido efeito intimidando a participação nas mobilizações.

O regime está aproveitando a situação criada com a repressão para impor o resultado eleitoral questionado. Aumentou, além disso, a pressão sobre políticos e clérigos que, apesar de ter críticas, são leais ao regime e afinados com a fração governante. Assim foi que Mohsen Rezai, o candidato conservador e ex-comandante da Guarda Revolucionária, retirou sua denúncia de fraude, afirmando em uma carta ao Conselho de Guardiães que “a situação política, social e de segurança entrou em uma fase decisiva, o que é mais importante do que as eleições” . Ainda que a influência eleitoral de Rezai não seja significativa, seu retrocesso debilita a legitimidade dos protestos.

O Conselho de Guardiães comunicou que apesar do registro de irregularidades, não considerou que não houve suficiente evidência de fraude, apesar de que, por exemplo, segundo o informe oficial em 50 cidades os votos excederam em 3 milhões a quantidade de votantes.
Khamenei por sua vez, afirmou que “nem o establishment nem a nação se renderão” , enquanto anunciava que Ahmadinejad assumirá seu segundo mandato entre final de julho e meados de agosto, data limite para que também esteja completo seu gabinete de governo. Desta maneira, Khamenei busca virar a seu favor a relação de forças para colocar fim ao conflito e alinhar os setores do regime que se somaram ao questionamento das eleições, como o aiatolá Ali Montazeri que goza de um grande prestígio por ter sido deslocado como sucessor de Khomeinei e ter sido colocado de fato sob prisão domiciliar por suas críticas aos aspectos mais opressivos do regime teocrático.

Demagogia anti-imperialista

A teocracia oficial apelou à teoria da conspiração para deslegitimar os protestos, acusando os ativistas de serem agentes do imperialismo norte-americano e do estado sionista. Esta retórica foi acompanhada de alguns gestos como a expulsão de diplomatas britânicos, acusados de instigar as mobilizações, como medida para recuperar alguma da legitimidade perdida. Khamenei tentou identificar os protestos como um compló imperialista, um recurso que utilizou, em seu momento, o próprio Khomeini para executar os comunistas e opositores ao regime teocrático, quando Mussavi era primeiro ministro. Estas denúncias podem conquistar transitoriamente certa credibilidade em alguns setores da população, tendo em vista a longa história de ingerência britânica e norte-americana no país e a hostilidade manifesta do imperialismo, que sob o governo de Bush tinha colocado em marcha, ainda que sem êxito, uma série de operações encobertas para desestabilizar o poder do clero xiita.

A mudança na política exterior do governo de Obama à uma saída diplomática é somente um giro tático frente ao fracasso da linha dura de Bush, para fazer avançar os interesses imperialistas na região.
Indubitavelmente, Obama preferiria negociar com os reformistas, aos que considera mais conciliadores, e ainda que tenha endurecido seu discurso repudiando a repressão, segue evitando confirmar as denúncias de fraude, como lhe exigem os republicanos, e reiterou sua vontade de negociar com o regime.

Não está descartado que aumente a retórica “anti-imperialista” dos setores conservadores. Entretanto, isso não é mais que demagogia de um regime que vê em perigo sua estabilidade frente ao desenvolvimento de um movimento que pode tomar uma dinâmica imprevista, aproveitando as profundas divisões nas alturas. Por outro lado, mais além das contradições e rusgas entre o regime iraniano e os Estados Unidos, suas credenciais anti-imperialistas não resistem a prova dos fatos: como mostra sua aceitação à ocupação norte-americana no Iraque.

Não se pode confundir, como o fizeram alguns intelectuais da esquerda, a defesa de um país oprimido frente ao imperialismo, inclusive a defesa do legítimo direito a desenvolver seu projeto de pesquisas nucleares, e o rechaço categórico à toda ingerência imperialista, com o alinhamento com o regime teocrático e repressivo, que está sendo questionado por um amplo movimento de massas, e que mantém um férreo controle social, à serviço do objetivo reacionário de preservar os interesses da burguesia local e os privilégios da elite governante.

Mas também não se pode cometer o erro inverso de apoiar Mussavi e seus aliados, alimentando as ilusões em que pode oferecer uma saída progressiva. É necessário impulsionar a mobilização independente contra todas as alas do regime e o imperialismo

Prova de forças

O regime já jogou suas cartas: Khamenei abandonou o suposto papel de “árbitro” e tomou partido decididamente por Ahmadinejad, junto a qual se alinham os setores conservadores da teocracia, os aparatos militares e paramilitares do Estado, como a Guarda Revolucionária e as milícias basijs. Mas além do caráter religioso que possam alegar, este alinhamento tem sólidas bases materiais nos privilégios que tem recebido estes setores, localizados por Ahmadinejad em postos chave da administração de empresas estatais e nos programas de defesa, em detrimento de outros setores da elite governante ligados a Rafsanjani.
Tudo indicaria que em seus objetivos imediatos a oposição “reformista” encarnada por Mussavi, Rafsanjani e Khatami, parece ter sido derrotada. Ainda que todavia não se conhecem declarações públicas de Mussavi após os últimos acontecimentos, dificilmente opte por um enfrentamento ao conjunto do regime, menos ainda alentar uma mobilização que já excede a questão eleitoral e pode sair de controle.

Mussavi nunca teve como objetivo dirigir uma “revolução” contra o regime teocrático iraniano, do qual faz parte, mas aproveitar o amplo descontentamento social com o governo de Ahmadinejad para fazer avançar os interesses de outro setor da elite iraniana, vinculado a uma política mais conciliadora com os Estados Unidos que permita uma abertura económica ao capital imperialista. Mussavi e seus aliados se encontram diante uma difícil escolha já que aceitando sem ressalvas o triunfo de Ahmadinejad, sairiam muito debilitados na luta de poder que está dividindo a cúpula do regime.

Entretanto, ainda não está dita a última palavra e ainda é muito cedo para dar por fechada a situação. A escolha política da fração oficialista de recorrer à repressão e a intimidação com punições exemplares, em principio poderá ter êxito em desmobilizar aos estudantes, trabalhadores e mulheres que protagonizaram as mobilizações, mas o custo para o regime é muito elevado: Khamenei, quem detém o poder em última instância no Irã, perdeu prestígio e autoridade e o segundo governo de Ahamadinejad assumirá com a oposição de amplos setores sociais que o consideram ilegítimo.

Isto prognostica uma prolongada situação de instabilidade política na qual pode se desenvolver uma mobilização operária e popular que tome além das demandas democráticas, o problema do salário, das demissões e da liberdade de organização sindical, e se transforme em um desafio direto aos fundamentos do reacionário regime teocrático.

Superar os limites

Muitos analistas dos meios de comunicação ocidentais têm comparado as recentes mobilizações com a revolução de 1979 que colocou fim a odiada ditadura do chá Reza Pahlevi, um dos principias agentes do imperialismo norte-americano na região, Entretanto, comparado com aquele processo revolucionário, as mobilizações atuais têm mostrado importantes limites sociais e políticos.

Os trabalhadores iranianos cumpriram um papel decisivo na revolução de 1979. Não somente paralisaram o país mediante a greve geral, mas reivindicaram embrionariamente as únicas medidas que poderiam resolver as demandas profundas dos pobres urbanos e rurais, expropriando fábricas e terras.

Hoje a classe operária, que sofre particularmente a perseguição e a repressão do regime teocrático, que proíbe sua organização sindical e política, ainda tem uma participação minoritária nas mobilizações, dominadas essencialmente pelas classes médias e o movimento estudantil. Mussavi, que é parte da classe dominante iraniana, tem feito demagogia com o chamado à greve geral em caso de ser detido, mas se defende como da peste de colocar em movimento os setores de trabalhadores que, nos últimos anos vêm protagonizando greves e desenvolvendo organizações clandestinas, desafiando as medidas repressivas de Ahmadinejad.

Neste marco, a declaração do sindicato de trabalhadores do transporte público do Teerã e o chamado a suspensão de atividades na automotora Khodro, uma das principais concentrações operárias do país e da região, em solidariedade com as mobilizações e em repúdio à repressão, são alguns sintomas alentadores de que, se persiste uma situação de fratura na elite governante, instabilidade política e descontentamento social, e estará aberta a perspectiva de que a classe operária intervenha com seus próprios métodos e com uma política independente, mostrando assim uma alternativa para os que ainda têm ilusões nas alas “reformistas” do regime. Isto será, em última instância, o que definirá o curso dos acontecimentos na próxima etapa.

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