Quinta 28 de Março de 2024

Saúde

O que ensina a crise na Santa Casa?

20 Dec 2014   |   comentários

Desde julho vemos a crise da Santa Casa se desenvolver com novos escândalos em sua administração. Quem paga a conta são os trabalhadores e usuários. Como resolver essa questão?

Em julho deste ano veio a público a crise da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, com o repentino fechamento das portas de seu pronto-socorro por 28 horas, surpreendendo a todos e deixando sem atendimento cerca de 1500 pessoas que dependem dessa instituição a cada dia. O que poderia parecer uma crise localizada, na verdade tem muito a nos ensinar sobre como é gerido o sistema de saúde daqueles que dependem das instituições públicas, ou seja, os trabalhadores e o povo pobre.

Na época do fechamento do Pronto Socorro, a superintendência da Santa Casa alegou que o hospital devia cerca de R$ 45 milhões a seus fornecedores. Começa então a tentativa dos responsáveis de jogar a “batata quente” no colo um do outro. O chefe da Santa Casa, Kalil Rocha Abdalla, acusa o governo do estado, afirmando que não estavam sendo feitos os devidos repasses de verba. O secretário de saúde do estado, David Uip, diz que a culpa não é do governo, mas concede um repasse emergencial de R$ 3 milhões. Nesse período, os administradores divulgam um número oficial da dívida da Santa Casa: R$ 433,5 milhões.

Não demorou muito para que o resto do escândalo viesse à tona: a auditoria encomendada pela Secretaria de Saúde revelou que a dívida com fornecedores é de R$104 mulhões, e a dívida total é de R$ 823 milhões, mais que o dobro do que havia sido divulgado alguns meses antes pela administração.

De onde vem o rombo financeiro?

Mas de onde veio esse rombo? O almoxarifado da Santa Casa, que realiza todas as compras da instituição, era administrado por uma empresa terceirizada contratada para esse fim, a Logimed. Um alto funcionário da administração da Santa Casa revelou em depoimento à Promotoria da Saúde que eram gastos mensalmente R$ 1,4 milhões para contratar a Logimed, e se o serviço não fosse terceirizado o custo seria de R$ 400 mil. Mas isso é só a ponta do iceberg: o grosso das despesas estava no superfaturamento de todas as compras. Um medicamento básico, como a dipirona sódica, que custa cerca de R$ 1,80 em qualquer farmácia, era comprado pela Logimed por R$ 20. Uma obra para trocar o forro de uma ala da Santa Casa foi orçada em R$ 20 o metro quadrado, enquanto o preço de mercado era de 7 R$. Até na lavanderia havia superfaturamento, com um contrato que estipulava em menos de R$ 2 por quilo de roupa lavada, mas um pagamento que na prática era mais de R$ 3, gerando apenas com isso um desvio de R$ 2,6 milhões por ano.

Esses são apenas exemplos pontuais de formas de corrupção na Santa Casa, em que adminstradores da instituição em parceria com empresas privadas desviavam verbas da saúde para encher seus bolsos, gerando ao longo de décadas o rombo financeiro que hoje leva a que a Santa Casa não tenha material hospitalar básico para atender, e a população seja privada de atendimento.

E quem paga a conta?

O fechamento do Pronto Socorro por 28 horas, privando milhares de pessoas de atendimento de emergência, foi só o estalar dessa crise para o público. Em seguida, vieram os ataques sobre os trabalhadores da Santa Casa, aqueles que, com toda a precariedade gerada pelos desvios de verba, dão seu sangue para manter o hospital funcionando e tentar atender o público.

No fim de novembro a Santa Casa anunciou que atrasaria o pagamento do décimo terceiro de todos os funcionários, repassando apenas parcialmente o daqueles que recebem menos de R$ 3.000. No seu comunicado oficial, a Santa Casa diz aos funcionários que “estamos passando por inúmeras dificuldades”. Fica a pergunta: será que o dono da Logimed ou os administradores da Santa Casa tiveram algum recebimento seu cortado? Será que eles também, recebendo seus superfaturamentos, estão passando por “inúmeras dificuldades”?

Em seguida, em dezembro, a empresa terceirizada de limpeza Vivante, contratada pela Santa Casa, anunciou a demissão de 1.150 funcionários, na véspera do fim de ano. Além das demissões que deixarão os trabalhadores na rua, as condições de higiene, uma questão de segurança elementar em um hospital, estão sendo drasticamente afetadas: falta sabonete e papel higiênico em banheiros dos pronto-socorros, por exemplo. Essa falta de higiene favorece a transmissão de doenças, infecções hospitalares que podem agravar doenças e levar a que pacientes e funcionários contraiam novas enfermidades.

Agora, foi anunciado que estão suspensos, por tempo indeterminado, as consultar, cirurgias e exames que estavam marcados, e só manterá os atendimentos de emergência. A população, que já quase não tem acesso nenhum à saúde, subitamente se vê privada de um dos principais centros de atendimento da cidade.

Que os parasitas da saúde paguem a conta

Como vimos, a conseqüência da situação da Santa Casa é culpa diretamente de sua administração corrupta e da terceirização, que é uma forma de privatização dos serviços públicos. Enquanto os funcionários e a população amargam as conseqüências disso, os altos funcionários, governantes e donos das empresas enchem seus bolsos de dinheiro às nossas custas.

Eles não estão interessados no bem estar da Santa Casa: com seus lucros tirados de nosso sangue e suor pagam seus caros hospitais particulares e recebem atendimento no Sírio-Libanês ou no Albert Einstein. Sua saúde está assegurada.

Por isso, só há uma forma de resolver essa crise e todas as que assolam a saúde: é necessário que os trabalhadores e usuários se mobilizem de forma independente, a partir de sindicatos, organizações de base e comissões por local de trabalho, realizando seu próprio levantamento da dívida. Que todos os corruptos que lucram com a precariedade de nossa saúde tenham seus bens confiscados e revertidos para o investimento em saúde. E que a administração de todo o sistema de saúde seja feita pelos próprios trabalhadores da saúde e pelos usuários, que são aqueles que têm o verdadeiro interesse em que a saúde pública funcione, pois dependem dela a cada dia.

Nesse sentido, deram um exemplo a ser seguido os trabalhadores do Hospital Universitário da USP, aliados aos demais trabalhadores da universidade, que numa histórica greve de quase quatro meses se organizaram pela base ao lado de seu combativo sindicato, o Sintusp, lutando contra a desvinculação do Hospital Universitário do campus Butantã e do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC). Hoje, colocam de pé uma comissão de trabalhadores do hospital para seguir nessa luta, e procuram formas de se aliar à população para impedir a privatização e sucateamento da saúde.

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