Quinta 25 de Abril de 2024

Educação

O que devemos entender por inclusão escolar?

16 Mar 2015   |   comentários

A Folha de São Paulo desse domingo nos informa que de 18 escolas particulares procuradas para matricular uma criança com Síndrome de Down, 11 impuseram algum tipo de obstáculo

Sob o título “Matrícula de criança com Down divide colégios particulares”, a Folha de São Paulo desse domingo nos informa que de 18 escolas particulares procuradas para matricular uma criança com Síndrome de Down, 11 impuseram algum tipo de obstáculo (http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/03/1602926-matricula-de-crianca-com-down-divide-colegios-particulares-de-sp.shtml).

Apesar de a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, definir como crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, recusar ou suspender, “sem justa causa, a inscrição de um aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos da deficiência que porta”, muitos colégios privados defendem a restrição “sob justificativas como a de ofertar mais qualidade” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7853.htm).

Isso demonstra o lado seletivo e antidemocrático da educação quando vista como mercadoria. Afinal, estabelecer as condições educativas para a inclusão dos jovens e crianças com necessidade educativas especiais significa aumentar os custos, diminuindo assim o lucro da empresa. E escolas particulares, no mais das vezes, são simplesmente empresas que visam o lucro, mesmo que sejam empresas que vendam educação. A escola privada, tanto por sua seleção de classe quanto pela sua seleção por perfil é, por natureza, uma escola excludente.

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Há mais de 20 anos a “Declaração de Salamanca sobre princípios, política e práticas na área da necessidades educativas especiais” reconheceu a “necessidade e a urgência de garantir a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no quadro do sistema regular de educação". Assim, se manifestou a intenção de que o acesso escolar não se desse apenas em instituições próprias para o atendimento de alunos com deficiência, mas, preferencialmente, em instituições regulares de ensino. O Brasil é signatário da Declaração de Salamanca (http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf).

Mais de vinte anos se passaram desde a “Declaração de Salamanca”, mas a inclusão de crianças e jovens com necessidades educativas especiais ainda é um nó num país que não conseguiu universalizar o acesso à educação básica para a população em geral.

A universalização, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, do acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, “preferencialmente na rede regular de ensino com a garantia de sistema educacional inclusivo, com salas de recursos multifuncionais, classes ou serviços especializados, públicos ou conveniados”, é uma das metas do novo Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm).

Aqui não vamos discutir o caráter das “parcerias com instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público” defendidas no PNE, que claramente significam transferência do dinheiro público para instituições privadas e problematiza inclusive o caráter laico que a educação pública deve ter.

Embora a universalização da inclusão ainda ser uma meta, o processo de escolarização dessa população na rede regular já se iniciou há tempos.

As medidas contraditórias dos governos em relação a esse processo de inclusão fica patente no caso do Estado de São Paulo.

No ano em que se completou os vinte anos da Conferência de Salamanca, o governo paulista (PSDB), através de sua Coordenadoria de Gestão da Educação Básica, lançou, em maio de 2014, o projeto “Salamanca +20: 1994 a 2014: ações centralizadas e descentralizadas”, na perspectiva que “todos juntos lutemos por uma escola inclusiva, de qualidade e aberta para todos” (https://especialdeadamantina.files.wordpress.com/2014/05/projeto-salamanca.pdf)

Entretanto, em 28 de agosto de 2014, o governador Geraldo Alckmin vetou integralmente o Projeto de Lei 07/2009, que “limita o número de alunos nas salas de aula que matriculam alunos com necessidades especiais”. Segundo a proposta, aprovado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (mas vetada pelo governador), o número de matrículas das salas de aula do ensino fundamental que têm matriculado um aluno com necessidades especiais ficaria limitado a vinte alunos; e quando o número de alunos com necessidades especiais for igual a dois ou três, as demais matrículas não poderiam ultrapassar quinze alunos. No caso do ensino médio, admitiria-se dois alunos com necessidades especiais para uma sala de vinte alunos. E as salas de aula do ensino médio ou fundamental que têm matriculados dois alunos com necessidades especiais, dependendo do grau de dependência desses alunos, poderiam ter um professor auxiliar ajudando o professor regente (http://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=846563)

Isso demonstra que a política de universalização da escolarização das crianças e jovens com necessidades especiais não vêm acompanhada por políticas que, de fato, possam incluí-las no processo de aprendizagem e desenvolvimento possibilitado pela educação escolar. Ainda hoje, grande parte das escolas públicas não tem sequer uma infraestrutura que garanta acessibilidade às suas dependências.

Muitas vezes a escolarização das crianças e jovens com necessidades especiais apenas reproduzem de maneira mais perversa o processo de “inclusão excludente” que é realidade de grande parte da juventude brasileira.

Inclusão escolar não pode significar apenas “estar dentro da escola”, mas deve significar, sobretudo, a apropriação dos conhecimentos socializados pela escola e o desenvolvimento máximo das possibilidades dos educandos. Mas isso, infelizmente, a “escola inclusiva” não tem possibilitado para quase ninguém.

Não podemos tergiversar sobre a necessidade da escolarização da população com qualquer tipo de deficiência ou necessidade especial. E isso deve ser feito em instituições regulares de ensino públicas, suplementadas por atividades específicas. Mas para isso, temos que garantir as condições materiais e humanas para que esse processo se dê. Temos que ter claro também que isso só é possível quando a educação é vista como um direito, não estando submetida nem à lógica da mercadoria das instituições privadas e nem à lógica gerencialista defendida pelos atuais governos, onde os investimentos em educação e em condições para uma inclusão efetiva são vistos apenas como custos que deve sempre ser diminuídos.

Precisamos uma perspectiva de inclusão que vá além do “estar dentro da escola”, mas que incorpore em seu conceito a perspectiva do desenvolvimento máximo das potencialidades dos indivíduos pela apropriação dos conteúdos históricos-sociais veiculados pela escola. Para isso precisamos ir além tanto da visão mercadológica quanto da visão gerencialista da educação e da escola, lutando por condições efetivas para desenvolver um trabalho educativo que responda às necessidades de todas as crianças, jovens e adultos do país. A redução e limitação legal do número de alunos por sala, que foi vetado pelo governador Alckmin, poderia ter sido um bom começo.

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