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Teoria

DEBATE

O pensamento de Caio Prado Júnior

26 Apr 2009   |   comentários

No dia 31 de março foi realizado o debate O PENSAMENTO DE CAIO PRADO JÚNIOR, como atividade de lançamento da revista Iskra na Universidade de São Paulo. O debate contou com a presença dos professores da USP Lincoln Secco, Bernardo Ricupero e Rodrigo Ricupero, além de Daniel A. Alfonso, editor da Revista Iskra. Foi uma importante oportunidade para refletir sobre o pensamento de Caio Prado Jr, integrante do PCB e um dos mais importantes intelectuais brasileiros a se inspirarem no marxismo. Apesar das diferentes interpretações acerca de sua obra, o debate, assistido por mais de 85 pessoas, teve como fundamento uma reflexão de alto nível. Impossibilitados de dar conta da rica discussão nas páginas deste jornal, expomos abaixo um resumo da primeira intervenção de Daniel A. Alfonso.

Muito sinteticamente, podemos resumir o eixo ordenador do pensamento de Caio Prado na sua busca por meios que viabilizassem a superação do nosso “sentido da colonização” . Esse sentido, iniciado com a extração do pau-brasil mas que segundo o historiador se agrava inclusive com a entrada massiva de capital imperialista no século XX, se daria pelo fato do Brasil sempre servir como fonte de matérias-primas “para o abastecimento de mercados estranhos” , renegando portanto os reais interesses nacionais.

A visão em relação á revolução é distinta entre Caio Prado e o PCB. Seguindo as conclusões a que chega estudando o passado nacional, Caio Prado afirma que a dinâmica de ciclos económicos para exportação nunca permitiu que o capitalismo realmente fincasse pé em solo nacional. Não há feudalismo a ser superado, mas por outro lado a economia brasileira tampouco era verdadeiramente capitalista, no sentido em que Caio Prado entendia o capitalismo. Sendo assim, nas palavras do historiador, “o capitalismo brasileiro é pouco mais que um forma exterior e sobreposta” . A superação de nosso sentido, está para Caio Prado, profundamente ligado ao enraizamento do capitalismo no Brasil, ou seja, à promoção de uma dinâmica relação entre produção e consumo que viesse a dar conta de atender às “reais necessidades da população” . A constituição, e antes disso, a promoção por parte do Estado de ferramentas que viabilizassem a constituição de um sólido mercado interno é para o historiador tarefa urgente - para o qual a política brasileira, perdida entre teorias alheias e a ineficácia, baixo nível cultural e um parco conhecimento da realidade brasileira - fecha os olhos. Caio Prado dá especial atenção à dois elementos para enraizar o capitalismo e fortalecer o mercado interno, sendo o primeiro a questão agrária. Caio Prado, ao afirmar que o Brasil é capitalista, unilateraliza essa posição e chega á conclusão de que não existem camponeses no Brasil, e mais, escreve com todas as letras no famoso livro “A Revolução Brasileira” , que a luta pela terra quase não existe no Brasil, e isso quando de Tromba e Formoso! Portanto, a reforma agrária, para o historiador, seria a combinação da extensão da legislação trabalhista para o campo e da partilha da extrema concentração de terras. Este é um ponto nevrálgico de seu pensamento, pois Caio Prado, na falta de uma perspectiva revolucionária que visse na luta pela reforma agrária um meio fundamental da classe operária aliar-se ao povo do campo, no marco da luta por hegemonizar a nação e instaurar um Estado de transição dirigido por trabalhadores e camponeses, enxergava a divisão das terras através de um processo legal, dirigido pelo Estado burguês, que se iniciasse nos pontos fracos da estrutura fundiária, as parcerias, enfim, um processo pacífico de divisão das terras improdutivas. Era sua preocupação evitar maiores dificuldades às atividades produtivas e em suas palavras, deveria-se evitar, “no processo da divisão, a perturbação das atividades produtivas e [a] desorganização dos estabelecimentos” . Essa visão talvez balize toda proposta de reforma agrária da esquerda reformista até hoje. O segundo aspecto ao qual Caio Prado dá importância para dinamizar o mercado interno é a industrialização, que chega a dizer que constituem a “presença de formas económicas que apontam na direção de um desenvolvimento diferente do sistema colonial” .

Em relação ao golpe de 64, queremos comentar a visão de Caio Prado pelo fato de muitos militantes de esquerda, e inclusive aqueles que estão começando a se politizar, serem influenciados pelo balanço que o historiador faz do golpe, considerado de esquerda por muitos, quando na verdade se trata de uma visão bastante conservadora. Sobre a estrutura política brasileira em geral, Caio Prado afirmava que parte central do problema era que não existia correspondência entre as instituições políticas e as necessidades da população. Critica o PCB por não dar conta de responder profundamente essa questão, e previamente ao golpe, de se ancorar na defesa de Goulart, um demagogo na visão do historiador. O golpe teria sido resultado da combinação entre agitação estéril por parte da esquerda ’ que insistia em teorias importadas ’, da classe operária e dos trabalhadores do campo. Caio Prado parte de um elemento de crítica correto: o de que a esquerda estava demasiadamente atrelada ao governo, porém o faz desde um ponto de vista completamente reformista. Quiçá justamente por isso, fecha os olhos em relação ao peso que seu partido tinha na classe operária na década de 60, chegando a afirmar que o proletariado agiu como “simples massa de manobras táticas, manejada, mais que orientada e dirigida propriamente, por minorias efetivamente ativas que não passam muitas vezes de ínfimos grupos.” A história nos mostra que não foi bem assim. O PCB tinha forte inserção na classe operária, sendo que por diversas vezes a classe operária se chocou contra o PCB no curso de suas lutas, e sua política de conciliação de classes, sintetizada na defesa de Goulart, foi o principal responsável pela derrota de uma batalha não-dada e instauração da ditadura.

No que diz respeito à noção de socialismo e partido revolucionário, Caio Prado retira seus ensinamentos diretamente do stalinismo. Por exemplo, em um livro publicado após viagem à União Soviética, afirma categoricamente que “nenhuma organização social ( pelo menos as já de certa forma evoluídas e por isso mesmo complexas) pode dispensar uma direção. Nestas condições deverá surgir na própria sociedade que virá, para substituir a sociedade burguesa, uma diferenciação entre o grupo investido desta direção e o resto da população.” A conclusão que Caio Prado retira daí não poderia ser mais clara quando diz que “o socialismo portanto nunca passará de um programa: uma sociedade sem classes é impossível” . Isso em relação aos países desenvolvidos, e à União Soviética em particular, pois longe de sequer criticar os brutais métodos da burocracia soviética, afirma que “é incontestável que o regime soviético representa a mais perfeita comunhão entre governados e governantes” .

Já em relação aos países subdesenvolvidos, e em particular ao Brasil, apesar das análises de Caio Prado e do PCB em relação às tarefas da revolução, ambos compartilhavam um acordo estratégico profundo: o de que o Brasil era um país não-maduro para a revolução socialista. È certo que ao PCB era funcional ter em suas fileiras um intelectual do porte de Caio Prado, e também é correto afirmar que Caio Prado enxergava no PCB um exemplo de dedicação e militância, mas esses elementos não são superiores à esse acordo estratégico. Caio Prado afirma categoricamente: “A socialização dos meios de produção (...) é certamente prematura nos países subdensenvolvidos com seu baixo nível industrial e a larga fragmentação das atividades económicas. ” Para o PCB tratava-se então de organizar os trabalhadores e os camponeses para auxiliar a burguesia a fazer sua revolução e instaurar o capitalismo; para Caio Prado, partindo de uma análise muito mais sofisticada, tratava-se de aprofundar-se no conhecimento da realidade nacional, aperfeiçoar as instituições políticas, voltar a produção para os interesses nacionais, desenvolver um robusto mercado interno e enraizar o capitalismo, sendo a democracia o regime capaz de dar vazão à essas transformações. Em outras palavras, o aperfeiçoamento do capitalismo, pelas mãos da burguesia que deve sua existência à apropriação do trabalho excedente da classe operária, é próprio caminho ao socialismo. E essa é uma visão completamente não-marxista. Esta discussão de países maduros e não maduros para o socialismo já era velha e havia sido respondida pela história. No começo do século passado, quando a Revolução Russa se aproximava, a maioria dos dirigentes social-democratas, com distintos fundamentos, negavam a ditadura do proletariado e a conquista de um Estado operário. Trotsky respondia, e a história lhe deu razão, que as condições internacionais estavam mais do que maduras para a revolução socialista e que os países atrasados poderiam chegar antes á tomada do poder, porém mais tarde ao socialismo. Rússia, depois China o leste europeu, Cuba, etc, confirmaram este prognóstico.

Apesar da obra de Caio Prado ter cumprido, não sem enormes contradições, o papel de uma historiografia que toma o materialismo como base da compreensão da realidade, sendo trechos de suas obras realmente brilhantes, acreditamos que Caio Prado não pode ser considerado um autor marxista, nem muito menos o maior marxista brasileiro; isso no sentido revolucionário do termo. É responsabilidade daqueles que se colocam no campo do marxismo desmascarar em todas as oportunidades a hipocrisia da burguesia frentes aos problemas do país, lutar para que a classe operária passe a confiar somente em suas próprias forças, e assim consiga dar importantes passos para conquistar a hegemonia dos trabalhadores do campo e da pequena-burguesia urbana e rural. Os marxistas não podem virar as costas à responsabilidade de aportar para colocar de pé um partido revolucionário, que esteja fundido com a classe operária e saiba aproveitar as oportunidades históricas que se avizinham. Essa perspectiva, em tempos da maior crise económica desde 1929, não poderia ser mais atual.

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