Sexta 19 de Abril de 2024

Nacional

Contra a divisão das cúpulas na discussão sobre o novo partido

O novo partido deve ser controlado pelas bases, onde o verdadeiro poder de decisão seja dos próprios trabalhadores

14 Nov 2003   |   comentários

Temos assistido nos últimos meses a um debate importante no seio da esquerda brasileira sobre a construção de uma nova ferramenta política dos trabalhadores. Ainda que esteja restrito hoje a setores de vanguarda, o debate em torno da construção de um novo partido de esquerda representa uma questão chave para os trabalhadores e a juventude, que supera em muito a repercussão ainda limitada da discussão até o momento.

É que por mais que ainda não tenha se estendido no conjunto da vanguarda, o fato de que setores da juventude e dos trabalhadores que se desiludem e rompem com o PT estejam envolvidos na discussão, demonstra que há uma base real para aprofundar esta discussão em setores muito mais amplos.

Não é um fato menor que entre os setores em luta haja trabalhadores e jovens que, frente ao desmascaramento do PT no governo, não apenas não se deixam cair na prostração, como tiram a conclusão acertada de que é necessário construir uma nova ferramenta política dos trabalhadores e dos explorados.

Num momento assim, somente os sectários incuráveis, aqueles totalmente incapazes de compreender o estado de ânimo real da vanguarda e indiferentes em relação aos fenómenos progressivos que se dão em seu interior, poderiam simplesmente negar-se a travar uma luta essencial para que a discussão sobre o novo partido não seja desviada para originar mais uma barreira centrista contra o avanço político dos trabalhadores e da juventude.

Com a chegada de Lula e do PT ao governo, o enfrentamento das classes oprimidas do país com sua principal direção política nos últimos 23 anos coloca em pauta a possibilidade de que, no período que se abre uma fase de reorientação e reorganização política dos trabalhadores. No entanto, se esta reorganização política estará a serviço da emancipação dos trabalhadores ou se construirá como um novo entrave político, dependerá da intervenção consciente dos setores mais avançados da classe trabalhadora e da juventude explorada e oprimida no seu processo de construção.

Persistir em divisões estéreis ou buscar uma estratégia revolucionária para construir o novo partido?

Infelizmente, diversas organizações de esquerda se orientam neste debate com uma lógica aparatista, por quem impõe a hegemonia a quem, longe de um debate no próprio seio dos trabalhadores. Na última edição deste jornal denunciamos as negociações que vinham ocorrendo desde meados do primeiro semestre entre o PSTU e as correntes da esquerda do PT pelas costas dos trabalhadores para acordar as bases de criação de um novo partido, negociações essas que só vieram a público depois que a impossibilidade de chegarem a um acordo deu origem a dois blocos distintos. Por um lado, o chamado “Bloco dos Radicais” , formado por CST, MES, e outras pequenas agrupações regionais e militantes petistas independentes que estão em processo de ruptura com o PT. Por outro lado, o PSTU, junto a outros setores, que lançam seu bloco sob o nome de Movimento pelo Novo Partido, em oposição ao Bloco dos Radicais.

Mas, apesar de terem se separado, apesar dessa discussão ter ganhado um caráter notoriamente mais amplo e apesar de ambos os blocos dizerem que a construção do novo partido deve ser feita pela base, continua-se com a velha lógica burocrática.

A divisão colocada hoje se baseia na disputa aparatista entre as direções das correntes. Não provém realmente de diferenças fundamentais sobre os ritmos da luta de classes e sobre as tarefas que daí decorrem. É fruto simplesmente de uma série de manobras e disputas entre as direções, que em determinados momentos deixam a militância das próprias organizações envolvidas desorientadas ou sem entender nada.

Se a dinâmica continuar não se descarta a possibilidade que venham a surgir dois pequenos partidos funcionais aos interesses mesquinhos dessas correntes. Porém esse movimento ainda não tem seu destino selado, pois ele parte de uma necessidade real dos trabalhadores e não das disputas entre as correntes. Por responder a necessidades vitais da luta de classes do proletariado, o debate deve crescer por cima das disputas de aparato. Ainda que as forças até aqui hegemónicas nesse movimento inicial, Bloco dos Radicais e Bloco do PSTU, continuem a dinâmica de construir seus próprios agrupamentos, mesmo isso não seria capaz, de forma alguma, de sufocar o debate.

Ainda que os primeiros chamados tenham vindo do alto, é no terreno da luta cotidiana na base que o movimento irá se decidir.

A maneira como os dois blocos hegemónicos na discussão até aqui têm levado o debate não contribui para que setores cada vez mais amplos da vanguarda extraiam as conclusões políticas necessárias da bancar-rota do PT. De fato trabalham no sentido contrário, isto é, de restringir o debate apenas aos setores dos próprios agrupa-mentos, e ainda assim de uma maneira que longe de fazer avançar a consciência política dos envolvidos, semeia uma visão mecânica e perigosa que separa a construção do partido dos processos reais de luta na vanguarda.

A prática tem que ser conseqüente com o discurso

Dentre as forças políticas que estão envolvidas na discussão do novo partido, o PSTU é a que tem maior peso. No entanto, não vemos o PSTU, nos espaços onde tem influência, colocar sua força militante a serviço de que sejam os próprios trabalha-dores e a juventude, a partir de suas próprias estruturas, os principais sujeitos da construção do novo partido. Pelo contrário toda discussão é resolvida nos bastidores.

Foi isso o que observamos de forma espantosa no debate em Belo Horizonte quando a direção do PSTU, ao final de uma plenária sobre a construção do novo partido, apresenta um documento de conclusões do debate, escrito antes de começar a discussão. Sequer foi mencionado em qualquer momento das horas que preencheram a plenária que algum documento seria aprovado como resultado da discussão. Essa foi mais uma confirmação do abismo que separa o discurso de “construir pela base” e a prática efetiva da direção do PSTU. Esse partido tem coragem de levar pronto de casa um documento que era para constituir a síntese da discussão política entre diversas tendências e posições independentes, e ainda dizer que a base é que tem que decidir!

O PSTU dirige alguns dos sindicatos que este ano estão na frente das lutas económicas do país, como por exemplo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, onde se encontram importantes fábricas industriais como a Embraer e General Motors. Estes operários vêm protagonizando importantes greves contra o arrocho salarial e recentemente foram uma das poucas categorias do país que conquistaram a reposição das perdas salariais provocadas pela inflação. Por que os operários metalúrgicos de São José dos Campos não podem também ser a vanguarda da luta pela construção de uma nova ferramenta política no país? Para o PSTU, os trabalhadores só servem para fazer campanhas salariais, e a política fica como privilégio dos políticos profissionais.

Divisões assim só podem levar os trabalhadores a um beco sem saída, e ao surgimento de novas organizações que serão um novo entrave político

Lutamos para que o novo partido seja construído e dirigido pelas camadas mais avançadas da classe trabalhadora e da juventude explorada e oprimida porque lutamos para que ele seja desde o começo um partido revolucionário. A batalha para que sejam estes os principais sujeitos da construção e da direção do novo partido tem de ser combinada com a batalha pela elaboração de uma estratégia e um programa claramente revolucionários. É necessário organizar os instrumentos necessários para que o novo partido seja a expressão efetiva do mais avançado que surgir das lutas dos explorados, e para que o próprio processo de construção seja um motor fundamental para a politização de uma camada significativa de trabalhadores e da juventude. Só através de comitês de base nas fábricas, nos locais de trabalho, de estudo, de moradia, democraticamente constituídos é que se poderá aprofundar o debate sobre o novo partido, seus objetivos e seus métodos, e sobre a realidade nacional e internacional em que ele deverá se inserir.

Esta questão é de vital importância já que devem ser os trabalhadores, nas próprias estruturas, os que devem ter o verdadeiro poder de decisão acima de qualquer parlamentar ou político profissional. Qualquer outra coisa não seria mais que repetir a triste história do PT que nunca foi controlado pelos próprios trabalhadores. Por que devemos confiar o destino do novo partido a dirigentes políticos que estiveram durante décadas sustentando a conciliação de classes?

É possível canalizar o melhor das energias que começam a ser liberadas nos primeiros processos de luta sob e contra o governo de Lula e do PT para construir um partido diferente de todos os que já foram criados em nosso país. Construir um partido revolucionário de trabalhadores é a principal tarefa da vanguarda, e não pode estar separada da vida real desta. A tarefa de construir esse novo partido revolucionário deve ser combinada a todo momento com as tarefas imediatas da luta contra as condições atuais de miséria e opressão. Em cada movimento de luta concreta devem estar também presentes comitês de base para discutir e organizar o novo partido revolucionário. É nesse espírito que lançamos um chamado aos setores mais avançados da classe trabalhadora e da juventude independente, ao PSTU, às correntes que compõem o Bloco dos Radicais e o Movimento por um Novo Partido, e às demais correntes da esquerda que venham a se envolver nesse processo, para construir Comitês nas diversas estruturas do movimento operário, popular e estudantil, a partir dos quais os trabalhadores e a juventude sejam os principais sujeitos da construção do novo partido.

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