Quinta 28 de Março de 2024

Internacional

Balanço e perspectivas do Ensaio Geral Revolucionário

O novo governo: nenhuma trégua a Carlos Mesa

14 Nov 2003   |   comentários

Carlos Mesa ’ que se converteu em presidente depois de 14 meses co-governando junto com Sanchez de Losada, o Goni, graças à “sucessão institucional” viabilizada pelo acordo de todos os partidos no Parlamento ’ representa a intenção de expropriar politicamente o levantamento das massas que obrigou Sánchez de Losada a fugir para Miami, para manter de pé o essencial das posições conseguidas pela burguesia e o imperialismo após duas décadas de ofensiva neoliberal. Herdou de Goni o núcleo de seu programa, demonstrado em seu pronunciamento e dos seus ministros nestes primeiros dias de governo que:“é necessário vender o gás” , “aprofundar a reforma educativa” , “continuar aplicando a Lei nº 1.008, enquanto ela não for revisada” , “ratificar a acordo de livre comércio com o Chile, emoldurado nos planos imperialistas da ALCA” , etc.

“Humilha-se perante os camponeses, no entanto governa para os fazendeiros” , disse um meio de comunicação depois de suas aparições públicas em El Alto e em Plaza San Francisco. Isto se demonstrou diante das invasões dos camponeses sem terra, em que para proteger a grande propriedade de Sánchez Bersaín em Sacaba o flamejante governo estréia com repressão. A mentira do “gabinete de independentes” desfez-se muito rapidamente. Entre seus ministros e secretários figuram ex-funcionários de Banzer e Goni, emenerristas, tecnocratas neoliberais, etc.

É um governo continuísta, neoliberal e pró-imperialista. A queda de Sánchez de Losada significou o descalabro da “ala dura” do bloco conservador ou neoliberal. O novo governo representa a “ala conciliadora” do mesmo bloco burguês, obrigado a atuar no meio de uma situação de características revolucionárias, diante da enorme crise política e da enorme irrupção operária, camponesa e popular. As promessas dos primeiros dias, como a proposta de referendo vinculativo, de revisão da Lei dos Hidrocarbo-netos, de convocação de uma Assembléia Constituinte e, inclusive, de encurtamento de seu mandato, que já está desdizendo, são limitadas concessões no terreno da democracia burguesa, reconhecendo que a nova relação de forças faz com que não seja possível utilizar os mesmos métodos autoritários de seu antecessor [1].

Um governo débil

Por tudo isso, Carlos Mesa encabeça um governo débil. É certo que é bem visto pela pequena burguesia urbana e há ilusões em importantes setores das massas pobres. Também recebe apoio, em diferentes graus, de todos os partidos e tem a aceitação formal de toda a classe dominante, embora não sempre de maneira entusiasta.

Entretanto é um governo nascido da expropriação política de uma irrupção revolucionária de massas que não pode ir até o fim. Porém, inverteu por completo a relação de forças entre a burguesia e as classes exploradas. Mesa enfrenta um movimento operário, camponês e popular em ascensão, que se sente protagonista de um grande triunfo e que não será fácil desmobilizá-lo.

O levantamento de outubro não só derrubou um governo como também foi um formidável golpe no regime político desta democracia para ricos, seus partidos e instituições. O Parlamento está profundamente desacreditado. O MNR, principal partido burguês há mais de meio século, sofreu um golpe muito forte. O mesmo Carlos Mesa não tem partido próprio nem uma fração parlamentar que lhe respalde, e depende das negociações com os partidos ’ desde o MNR até o MAS ’ para facilitar a governabilidade. A crise estende-se até outras instituições de Estado, como as Forças Armadas e a Polícia. Embora não estejam quebradas, estão debilitadas.

No entanto, Mesa não é também um “prisioneiro das massas” , isto é, um governo burguês que dependa fundamentalmente de obter, mediante promessas de “esquerda” , o apoio do movimento operário e popular (ainda que mostre alguns traços assim, sobretudo durante os primeiros dias) [2].

O fato do levantamento de outubro não ter conseguido desbaratar o regime nem quebrar as Forças Armadas, a trégua concedida ao novo presidente pelas principais direções do movimento de massas e o acordo burguês realizado para sustentá-lo faz com que Mesa conte com algumas margens de manobra para tentar se afirmar e consolidar, apesar da explosiva situação económica, social e política.

A crise do regime e as disputas interburguesas

A bancarrota do gonismo deixa descobertas as velhas e novas disputas que dividem a classe dominante. Está em discussão uma nova distribuição do poder dentro da classe: a fração hegemónica que tinha em Goni “seu homem” sofreu um duro golpe com a sua queda. Se todos os setores burgueses não questionam a subordinação ao imperialismo, discutem entre si de modo áspero por causa de importantes diferenças económicas e políticas, como expressam as propostas crucenhas e tarijenhas (de Santa Cruz de la Sierra e Tarija) de maior autonomia contra o “centralismo” de La Paz e a anarquia social e política que ameaçam levar os ventos do Altiplano para as Terras Baixas.

Diante da crise, parece crescer a intenção de formar um “centro burguês” que se afaste dos fracassados métodos da “ala dura” gonista, que mantenha o essencial do programa neoliberal e que possa recompor uma certa estabilidade política. Nessa direção parecem convergir o governo de Carlos Mesa, a burguesia crucenha (com seu projeto de “refundar o país” ) e o “tutismo” (do presidente anterior “Tuto” Quiroga), que emprestou homens de sua confiança para o gabinete de Mesa e projeta sua candidatura como opção neoliberal para as próximas eleições.

Mas não existe um acordo nem um plano claro. As promessas iniciais de referendo, revisão da Lei dos Hidrocarbonetos e Assembléia Constituinte, por limitadas e cheias de armadilhas que sejam estas concessões para desmobilizar as massas, chocam com a desconfiança e oposição das burguesias de Santa Cruz e Tarija. E ainda que Mesa tenha bons laços com o imperialismo e tenha apoiado Goni até o último momento, é pressionado por estas burguesias para que não haja mudanças na política de venda do gás ou da erradicação da coca, e não vêem com bons olhos um giro político de Mesa a fim de estabelecer relações mais estreitas com o Brasil e a Argentina, que jogaram um papel importante na “transição” através de seus enviados especiais.

A ascensão das massas

Não será fácil para Mesa avançar em seus planos, estabilizar o regime e armar uma saída política para abortar o processo revolucionário que foi aberto com a luta dos operários e camponeses.

A garantia de trégua de 90 dias, outorgada por Mallku, pelo MAS (que além de dar apoio político para Mesa assumir ofereceu Seoane, a título pessoal, para assumir o Ministério de Assuntos Camponeses) e pela COB (com Solares envolvido em negociações e reuniões) dá a Mesa uma folga, mas dificilmente será suficiente perante o estado de ânimo combativo das massas e as ilusões criadas nos primeiros dias podem se enfraquecer rapidamente ao calor da crise.

Diante do governo de Mesa não cabem tréguas como as concedidas pelos dirigentes, porque só servem para que a burguesia recupere forças e possa armar-se novamente. É preciso, ao contrário, preparar a luta para enfrentá-lo e derrotá-lo.

A Liga Obrera Revolucionaria por la Cuarta Internacional (LOR-CI), é a organização irmã da LER-QI na Bolívia, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1Goni e Bersaín representavam um projeto de tipo bonapartista, isto é, uma concentração extrema de poder no Executivo para impor os planos pró-imperialistas.

[2Designa-se, no marxismo, a este tipo de governo como “kerenskista” , relativo a Kerensky, o último governante burguês antes do triunfo da Revolução Russa, surgido como uma tentativa desesperada de evitar, com demagogia e promessas, que os trabalhadores tomem o poder. Na Bolívia, aproximam-se deste tipo de regime os primeiros meses do governo de Paz Estensoro, após o 9 de abril de 1952 e o governo de General J.J. Torres em 1970-71.

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