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Questão negra

HISTÓRIA

O fracasso das “ações afirmativas” nos EUA

11 May 2012   |   comentários

O relator do processo que jugou as cotas raciais no Supremo Tribunal Federal – Ricardo Lewandowski –, assim como vários setores do movimento negro, se apóiam nas ações afirmativas implementadas nos EUA para defenderem sua validade.

Durante os anos 50 e 60 desenvolveram-se fortes lutas pelos direitos civis nos EUA, em especial por direitos ao povo negro, que historicamente foram submetidos a uma monstruosa política de opressão e segregação racial naquele país. Essas lutas obrigaram a burguesia imperialista a promover as "ações afirmativas", ou seja: a eliminação formal de todas as limitações dos direitos civis e acesso a cargos públicos e maiores cotas na educação. Assim, um minoritário setor da população negra se incorporou ao establishment, consolidando-se um setor de pequena burguesia e burguesia negra, e semeando no conjunto da comunidade negra a ilusão de que podiam cumprir-se as aspirações de igualdade dos negros nos marcos da “democracia” imperialista.

A formidável força posta em cena pelas massas negras, que arrastou grandes setores do proletariado e do estudantado branco como seus aliados, foi desviada e abortada pelo trabalho das direções reformistas e a inexistência de uma direção revolucionária que defendesse uma perspectiva para unir essas lutas com o formidável ascenso de massas mundial, que começou a desenvolver-se no final dos anos 60 e que nos Estados Unidos incluiu a radicalização da juventude (principalmente contra a guerra do Vietnam) e um importante ciclo de lutas operárias.

A política de Martin L. King, que arrastou seus seguidores por trás das bandeiras do Partido Democrata; a política de grupos radicalizados como os Panteras Negras, o Poder Negro, Malcom X, etc. – que, apesar de terem vislumbrado um laço com os povos explorados do mundo, não puderam superar seus aspectos utópicos e etapistas; junto à repressão por parte do Estado imperialista (assassinando ou prendendo estes líderes quando começavam a orientar-se em posições mais radicalizadas, defendendo a unidade com a classe operária ou com os povos coloniais), esvaziou essas lutas. Uma vez descabeçado o movimento negro, desmoralizados ou desaparecidos seus melhores ativistas, cooptado um pequeno setor graças aos dividendos do "boom", e iludido o restante pelas concessões formais, as massas negras só passaram a valer para os políticos imperialistas como fonte de regateio eleitoral.

As ilusões despertadas pelas pequenas conquistas das "ações afirmativas", para a maioria da comunidade negra, faz tempo que desapareceram. Pela própria dinâmica da época imperialista, toda conquista arrancada do Estado capitalista-imperialista que não destrói a fonte de miséria e opressão (ou seja, o próprio imperialismo) termina perdendo-se nos ataques dos exploradores em sua insaciável sede de ganâncias, como ficou evidente na ofensiva neoliberal dos anos 90 e agora novamente com o sofrimento imposto às massas para que arquem com os custos da crise mundial gerada pelos capitalistas.

Já em meados da década de 90, o fracasso das ações afirmativas mostra-se evidente em inúmeras estatísticas:

Historicamente, o setor assalariado da minoria negra recebeu um salário entre 60% e 70% do que recebem os brancos. Em 1994, 35,6 milhões de norte-americanos estavam abaixo do nível da "linha de pobreza". A este setor pertencem 11% do total da população branca, 25% dos hispânicos e 33% de negros. Sendo os negros 12% da população total, suas expectativas de vida são 10% menores que as dos brancos. São 80% da população carcerária e 95% dos condenados à morte, e 30% das tropas militares. Um terço dos negros jovens homens está preso ou em liberdade condicional. 60% das crianças negras vivem em lares onde o arrimo da família é uma mulher sozinha; existem três vezes mais mães solteiras negras (33%) do que brancas (12%). Três milhões de crianças negras sem pais dependem exclusivamente da assistência do Estado para sobreviver e ficarão sem ela graças ao esforço conjunto de Republicanos e Democratas. (Fontes: The Economist, 24/2/96; Newsweek, 30/8/93; Workers Vanguard Nº 631, 20/10/95).

Os negros são as presas preferidas das batidas policiais. Ainda que têm uma incidência de drogas proporcional a dos brancos, são vistos como os principais usuários e traficantes. A repressão policial é exercida sobre eles com particular brutalidade; ser negro especialmente negro e jovem é ser suspeito. Os negros jovens têm três vezes mais probabilidade de serem vítimas de um assassinato do que os brancos de sua mesma idade; suas expectativas de ascenso social têm baixado de ser a metade para ser terça parte da dos brancos. De acordo com estatísticas da polícia federal norte-americana, cerca de 4.700 crimes ou delitos racistas registaram-se em 2005 nos EUA, dos quais a maioria (68%) foram contra negros. Estes formam parte, em maior proporção, dos setores que só contam com a ajuda estatal (seja em forma de porções de comida, hospitais, escolas, etc.), e portanto são os que mais sofrem com a redução drástica dos gastos sociais, como vem acontecendo na crise econômica atual. São também os que mais sofrem as consequências do aumento do desemprego. Os trabalhadores negros são sempre as vítimas privilegiadas dos fechamentos de empresas e das demissões em massa para “reestruturação", por exemplo no “cinturão de aço” em Detroit.

Se no país mais poderoso do mundo, considerado como “berço” ou “modelo” das ações afirmativas, esse foi o resultado, imaginem que destino está reservado para esse tipo de políticas em um país de caráter semi-colonial como o Brasil. O balanço histórico das ações afirmativas nos EUA, ao contrário de servir como argumento para o embelezamento acrítico desse tipo de política no Brasil, deveria servir para que o movimento negro encarasse essas demandas mínimas não como um fim em si mesmo subordinadas a uma estratégia de conciliação de classes com a elite branca que domina o país, e sim como demandas mínimas ultra parciais que devem estar subordinadas a uma estratégia de organização independente do movimento negro ligado à classe operária e ao método da luta de classes.

Para quem nunca assistiu o filme “Preciosa”, de Lee Daniels, deveria assisti-lo, pois retrata melhor do que milhões de estatísticas a realidade do negro nos Estados Unidos de Obama.

Texto baseado no artigo “A Questão negra nos Estados Unidos hoje”, de Eva Guerrero e Gustavo Dunga, publicado na revista Estratégia Internacional n 6, de 1996. Acessível no site ww.ft-ci.org.

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