Quinta 25 de Abril de 2024

Mulher

PÃO E ROSAS NO MÉXICO

O feminismo precisa se reorganizar: Os efeitos nocivos da crise capitalista mundial recairão sobretudo contra as mulheres e jovens

10 Dec 2009   |   comentários

Quase uma centena de pessoas encheram o salão da “Casa de Ondas” na palestra intitulada "O feminismo e a crise mundial. Perspectivas sobre as lutas das mulheres ", com Andrea D’Atri, do grupo Pão e Rosas da Argentina. Ao finalizar a exposição, trabalhadoras do Sindicato Mexicano de Eletricistas (SME), da saúde, professoras e estudantes universitárias, junto com ativistas feministas lésbicas e de agrupações de esquerda, integrantes de “La Otra Campaña” e outros coletivos políticos e sociais debateram entusiasmadamente sobre as perspectivas levantadas para a luta das mulheres no nosso continente.

Sandra Romero, militante da Liga dos Trabalhadores Socialistas, que organizou o evento, fez um resgate sobre os acontecimentos mais importantes da luta de classes no México na última década, para assim assinalar o papel destacado que tiveram as mulheres trabalhadoras, camponesas, indígenas e estudantes, passando pela Comuna de Oaxaca até a recente luta do Sindicato Mexicano de Eletricistas.
Em sua fala, Alejandra Totiz, integrante da agrupação universitária Contracorrente, destacou a necessidade de por em pé no México, uma agrupação de mulheres que defenda a luta pela emancipação desde uma perspectiva anticapitalista, socialista e revolucionária. Nesse sentido, chamou a construir o Pão e Rosas no México, para que junto com as agrupações já existentes na Argentina, Chile, Bolívia e Brasil, se converta em um poderoso movimento de mulheres na América Latina que retome as melhores tradições das feministas e dos setores populares.

Reproduzimos, em seguida, a exposição de Andrea D’Atri.

A menos de um mês começava um artigo sobre o feminismo latino-americano falando de economia... o que tem a ver a economia com o feminismo? Iniciava, sugerindo que até mesmo os prognósticos mais otimistas sobre a crise mundial que se desatou há já um ano, incluem a perspectiva de que, em prazo não muito longo, haverá no planeta mais 20 milhões de pessoas desempregadas e outros 200 milhões passarão a viver na extrema pobreza. O Banco Mundial estima que 50 milhões de pessoas já estejam nessa situação. Mas, como sabemos, esse impacto da crise não é nem será igual para todos: A maioria dessas pessoas são e serão mulheres. Por que o capitalismo é um sistema monstruosamente obsceno no qual os 200 homens mais ricos do mundo possuem o mesmo que os 2,5 bilhões de pessoas mais pobres, dos quais 80% são mulheres e meninas. Impossível, portanto, nos referirmos ao feminismo ignorando este contexto dramático de nossa discussão, que envolve – ou melhor dizer que deveria envolver – as presentes e futuras condições de existência da grande maioria das mulheres do mundo. No entanto, o feminismo se encontra dividido em pequenos grupos ou individualidades dispersas com diferentes graus de ativismos e criatividade, e múltiplas organizações de “especialistas nas temáticas de gênero”, que se relacionam com governos e instituições internacionais, mas que não questionam os mesmos planos de espoliação que esses governos esses governos e instituições internacionais aplicam contra as massas. Poderíamos perguntar então, que movimento feminista, (entendido como movimento político de libertação do conjunto das mulheres) é possível seguir impulsionando com esta colossal transformação econômica, social e política em andamento que implica uma maior pauperização das massas femininas, a crise da denominada “cooperação internacional” mantida nas ultimas duas décadas pelas especialistas, e, por outro lado, o risco de isolamento dos pequenos grupos ativistas, hegemonizados por mulheres dos setores médios ilustrados do nosso continente, centrados em disputas ensimesmadas de sentidos políticos – culturais? Vejamos, em primeiro lugar o feminismo institucionalizado… Isto soa paradoxal, mas durante o período de maior contra-ofensiva imperialista contra as massas, suas organizações e as conquistas herdadas de décadas anteriores, a agenda se converteu em grande medida, em política pública dos estados, dos governos e organizações inter-estatais, incluindo os organismos financeiros. O feminismo, como movimento radical setentista protagonizado por mulheres em luta por sua emancipação, teve o mérito de impor significados, alcançando legitimidade entre públicos mais amplos. Mas esta legitimidade também foi à custa de converter-se, em grande medida, numa pletora de organizações não governamentais, perdendo seu caráter subversivo. O feminismo obteve reconhecimento em troca de integração. Legalidade em troca do abandono da radicalidade anterior. O clima resultante foi a desmobilização e a despolitização do movimento. Muito foi escrito pelas feministas sobre este processo; Muito foi debatido e muitas crises e rupturas causadas no movimento feminista, especialmente na América Latina. Enquanto isso, funcionavam esses projetos para o desenvolvimento e a promoção de um “feminismo de direitos”, o que verdadeiramente aconteceu é que cresceu enormemente a desigualdade e , sobre milhões de mulheres, se descarregou as conseqüências mais nefastas do ataque imperialista para as massas do continente. Na América latina aumentou velozmente o que se denominou de “feminização da força do trabalho”, onde a crescente incorporação das mulheres o mercado de trabalho foi à custa de uma maior precarização, com as piores condições e sem direitos a organizarem-se. Durante esse mesmo período, os antigos assédios se transformaram em enormes “negócios”. A abertura das fronteiras para o comércio internacional, os paraísos fiscais, a concentração de mulheres desenraizadas em enormes cidades-feitorias das fronteiras, o crescimento do tráfico de drogas e a corrupção permitiram que o tráfico de mulheres para snuff, pornografia, escravismo sexual e prostituição se transformara em uma colossal industria que alcança a 4 milhões de mulheres e 2 milhões de meninas e meninos cada ano, produzindo um ganho de 32 milhões de dólares para os proxenetas (entre cujas redes, não é demais esclarecer que, sempre se encontram políticos, empresários, forças repressivas, funcionários judiciais, religiosos, etc.).

O que há para dizer dos denominados direitos sexuais e reprodutivos propiciados durante essa época? Em dezenas de países existem direitos sexuais e reprodutivos, se respeita legalmente a diversidade sexual e se descriminalizou o aborto. Poderia dizer que temos avançado enormemente, sempre e quando façamos a salvaguarda de que meio milhão de nossas irmãs morres cada ano por complicações na gravidez ou no parto, algo que, a essa altura do desenvolvimento científico e médico, pode perfeitamente evitar. A crise econômica na qual fazemos referência a seu início, agora aprofundará ainda mais a crise alimentar que já, com o aumento desorbitado dos preços dos alimentos nos últimos anos, eleva a 950 milhões o número de pessoas desnutridas no mundo, enquanto as grandes multinacionais introduzem os cultivos transgênicos, cortando florestas, esgotando a fertilidade do solo, propagando o uso de pesticidas tóxicos e condenando a extinção as espécies animais. E também reduziram os orçamentos para a saúde, educação e outros serviços sociais, fazendo recair sobre a já fatigante dupla jornada de trabalho das mulheres, mais tarefas para a reprodução da vida. Tudo indica que as crises já têm como conseqüência a queda dos recursos da chamada “cooperação internacional”, o que aumenta ainda mais a concorrência entre as organizações sociais para quem vão ser as beneficiadas pelas concessões. O suposto caminho “realista” para conseguir a igualdade, transitado de maneira gradual e evolutiva, ou, inclusive a obtenção de metas muito mais modestas e prosaicas na busca de condições de vida das mulheres, é o que, finalmente, se revela como verdadeiramente utópico nos estreitos e asfixiantes marcos da democracia capitalista do continente, mais ainda nas condições circunstanciais da crise econômica mundial.

Mas, contra essa corrente que promoveu a institucionalização do movimento feminista, também surgiram grupos e correntes feministas que resistiram a esta tendência geral. Porque, enquanto a maioria do feminismo se inclinou por uma perspectiva reformista, desenvolvida no marco institucional concebido internacionalmente pela ONU; uma minoria se distanciou da disputa pelo poder do Estado, obrigada a relegar-se e se auto-relegando na criação de “contracultura” e “contra-valores” opostos aos imperantes. Vemos então agora, algo dessa outra perspectiva... O que era uma reação saudável contra a institucionalização que havia absorvido as arestas mais revulsivas do movimento feminista, se converteu prontamente em uma trava para o estabelecimento de grupos militantes, ativos, dispostos a avançar na construção de um movimento de mulheres verdadeiramente massivo, onde as reivindicações avançassem em levantar a transformação radical da sociedade capitalista. A impotência, a frustração, o sectarismo e a fatigante e permanente fragmentação foram as conseqüências inevitáveis para uma geração do feminismo, como se sucede com todo pequeno grupo nas margens da contracorrente. Isso obriga a um resgate permanente dos acertos e erros, a uma busca e aprofundamento das perspectivas teóricas e práticas diversas e descontinuadas. Dessas crises surgiram e seguem surgindo novas elaborações produtivas, aportes reflexivos, novas alianças. Mas, lamentavelmente, se trata de uma mais de uma somatória de individualidades dispersas pelo continente e de seus frutíferos intercâmbios, que de um movimento com ânsia de massificação.

É sempre importante recordar-se da Revolução Francesa de 1789 ou da Revolução Russa de 1917 para demonstrar que frente aos grandes cataclismas sociais, políticos e econômicos, as mulheres seguem sendo os destacamentos de vanguarda que enfrentam as crises e as nefastas conseqüências que elas representam para a vida cotidiana das massas. Já temos visto lutar as mulheres do altiplano boliviano na Guerra da água; as mulheres oaxaquenhas tomar literalmente o poder da comuna, organizando a resistência desde os meios de comunicação sob o seu controle. As mulheres desempregadas da Argentina cortaram as ruas uma e mil vezes exigindo trabalho genuíno e as trabalhadoras da têxtil Brukman puseram para produzir a fábrica sob controle operário, resistindo ao desalojamento e a repressão, em plena crise nacional de 2001. Temos visto as feministas e mulheres na resistência em Honduras, durante meses, estando à frente das lutas contra os golpistas e , nos bairros mais pobres de Tegucigalpa, vimos as mulheres organizando o território e a comunidade para resistir a repressão do exercito e dos pistoleiros.

Nesses novos impulsos de milhões de mulheres trabalhadoras e dos setores populares irradiam as forças das quais dependerá o futuro do movimento de mulheres na América Latina. As feministas que ainda sonham com uma sociedade livre de todas as formas de opressão, aquelas cujas vontades de emancipação seguem intactas não só não podem dar as costas a esses setores de milhões de mulheres do continente que emergiram a vida política nos últimos anos, como tem o dever de se dirigir a elas, de se nutrir de suas lutas e colaborar com seus triunfos. Se propor a tarefa de construir um movimento de mulheres que defenda a independência política do Estado, de seu regime e de suas instituições; que se fortaleça nas lutas, arrancando todos os diretos que nos são possíveis e as melhores condições de existência que pode oferecer esse sistema de podridão e de submissão, ao tempo em que minamos suas bases, preparando-nos para disparar nosso golpe definitivo e começar, então, a construção de uma sociedade liberada, definitivamente, de todas as formas de exploração e opressão que hoje paira sobre a imensa maioria da humanidade, mas duplamente sobre a vida e os corpos das mulheres. Para a imensa maioria das mulheres do mundo, as crises recorrentes do sistema capitalista não podem resultar em outra coisa que não seja mais mortes, mais exploração, mais escravidão, menos direitos...

Então... Que faremos frente às crises que nos ameaçam? Que rumos adotará o feminismo ante a solução de guerras, desemprego massivo, destruição do planeta e mais miséria que o capitalismo apresentará para sobreviver? Onde está escrito que a luta das mulheres têm que se reduzir, como diria um filósofo pós-moderno a “minimizar-se à crueldade”? Vamos a levantar a perspectiva de uma nova sociedade, sem exploração nem opressão de nenhum tipo ou vamos a eleger o caminho das modificações desta sociedade na qual vivemos, para atenuar, no máximo alguns de seus mais brutais abusos? A diminuição dos mais brutais abusos, pode cair como migalhas, para as mulheres, ao pé da mesa desta democracia capitalista... mas essas migalhas caem e caem cada vez com menor freqüência enquanto ao mesmo tempo se descarrega uma crise descomunal. Ou serão direitos para umas poucas. Ou serão conquistas que durem algum tempo, para logo ser varridas nas próximas investidas das classes dominantes. Por isso consideramos que só desde uma perspectiva de atacar o coração do capitalismo é que a demanda inclusive dos direitos democráticos mais elementares trazem consigo um potencial subversivo. Por isso, lutamos para arrancar a este sistema os direitos de que nós mulheres temos sido privadas ao longo da história. Mas o fazemos desde a perspectiva e com a estratégia do socialismo.

Devemos recuperar essa estratégia agora quando o sistema capitalista, nessa nova investida contra as maiorias exploradas e oprimidas do planeta (maioria feminilizadas), não deixa mais lugar para ilusões da integração que podia sonhar o feminismo institucional e reduz ainda muito mais o circulo de quem pode viver criativamente fora de uma sociedade que está afundando, cada vez mais, na barbárie. Como já sucedeu outras vezes na história, confiamos em que será novamente as mulheres mais exploradas e oprimidas de nosso continente, as que impulsionarão o surgimento de um novo feminismo socialista que continuamos a espera de ver sair à luz. Socialismo ou barbárie, nos disse Rosa Luxemburgo. E hoje essa premissa adquire uma vigência inusitada... especialmente para mulheres, para as que não pedimos, mas que exigimos nosso direito ao pão, mas também a rosas.

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