Sexta 19 de Abril de 2024

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MOVIMENTO OPERÁRIO

O conflito da GM frente ao impacto da crise no Brasil

12 Aug 2012   |   comentários

A ameaça de demissões em massa no complexo industrial da GM em São José dos Campos terminou em acordo, no dia 4 de agosto, entre a empresa e o Sindicato dos Metalúrgicos de SJC e região, ligado à CSP-Conlutas e dirigido pelo PSTU.

A ameaça de demissões em massa no complexo industrial da GM em São José dos Campos terminou em acordo, no dia 4 de agosto, entre a empresa e o Sindicato dos Metalúrgicos de SJC e região, ligado à CSP-Conlutas e dirigido pelo PSTU. Dos 1840 operários que operam a linha de produção MVA, 900 continuarão trabalhando até novembro, quando a empresa ameaça fechar definitivamente a linha. Os outros 940 terão 15 dias de férias coletivas, entrando em regime de lay-off (suspensão temporária do contrato de trabalho) por três meses e dez dias, com salários pagos metade pela empresa e metade com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) [1]. Além disso, será aberto um PDV (Plano de Demissões Voluntárias). Antes de mais nada, é importante ressaltar que este acordo em hipótese alguma pode significar uma vitória para os trabalhadores da GM – como se vangloria a direção do Sindicato e o PSTU –, pois os trabalhadores continuam com a “corda no pescoço” até novembro, além do que tiveram seus direitos qualitativamente flexibilizados.

A General Motors foi uma das empresas mais afetadas com a retração abrupta do consumo e do crédito nos Estudos Unidos após o estouro da crise imobiliária em 2008. Na época, a montadora ianque entrou em processo de falência, e só não quebrou de vez porque o governo americano liberou um resgate de 50 bilhões de dólares. Desde então a empresa passa por um processo de reestruturação produtiva que visa redução de custos e aumento da produtividade em todos os seus complexos industriais espalhados pelo mundo, para poder competir (ter mais lucros e ganhar mais mercados) com as concorrentes. Não podemos nos enganar, nos marcos do modo de produção capitalista, redução de custos e aumento da produtividade significam demissões, redução de salários, flexibilização de diretos e aumento da taxa de exploração sobre os trabalhadores. Tudo para manter intactas (ou elevar) as margens de lucro dos patrões!

No entanto, a ameaça de demissões não se trata apenas de um problema pontual da GM ou da crise nos Estados Unidos. Já reflete os primeiros sinais de contágio no Brasil da crise capitalista mundial que estava “escondida” como “crise europeia”.

O crescimento da indústria automobilística no Brasil e seus pés de barro

O setor automotivo no Brasil representa uma parcela significativa das atividades produtivas. Em 2008, a produção neste setor era de aproximadamente 23% do PIB industrial do país e 5% do PIB total. Todo esse peso também pode ser medido no nível de emprego. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a cada emprego direto nas montadoras outros 15 estão indiretamente relacionados, principalmente em empresas de peças e acessórios ou manutenção de maquinário.

O clico de crescimento da economia nacional no último período teve efeito exponencial no mercado automotivo brasileiro. Em 2002, o Brasil ocupava o 11° lugar mundial em unidades de autoveículos licenciados. No final de 2011, o país já era o 4º maior consumidor mundial, com um total de 3,6 milhões de unidades licenciadas. O aumento nas vendas foi acompanhado pela elevação na produção, que passou de 1,792 milhão de unidades em 2002 para 3,4 milhões em 2011 (ocupando o 6° lugar mundial, atrás de China, Japão, Estados Unidos, Alemanha e Coreia do Sul).

Além da melhora no nível de emprego e renda, impulsionados pela alta no preço das commodities no mercado mundial e pelo aumento do fluxo de capitas internacionais para o Brasil, outro elemento que cumpriu um papel crucial para o boom no mercado automotivo e na economia como um todo, foi o crédito, que passou de 25% do PIB para 50% em dez anos. Por sua vez, o crédito automotivo tinha como prazo médio de financiamentos de veículos 24 meses em 2000 e passou, em 2007, a 84 meses.

O expressivo aumento no mercado interno de veículos, e as altas margens de lucro decorrentes, atraíram novas montadoras ao país. Até o fim da década de 1990, o mercado brasileiro era dominado pelo grupo que ficou conhecido como As Quatro Grandes: a alemã Volkswagen; as americanas Ford e GM; e a italiana Fiat. A partir da década de 2000, outras montadoras, como as francesas Renault e Peugeot/Citroen, começaram a se instalar por aqui. Atualmente são cerca de 14 as montadoras com fábricas no Brasil, constituindo um regime automotivo que, sem romper os marcos do oligopólio [2] , apresenta maior concorrência e competição do que no período anterior. Com todo seu peso na produção nacional, o setor é o que deixa mais evidente o caráter semicolonial (dependência do capital estrangeiro) da economia brasileira, pois de todas as montadoras de automóveis e caminhões instaladas nenhuma é controlada por capital nacional.

Como se comporta o mercado de automóveis sob o impacto da crise? Que cenário prever?

O ano de 2008 deixou claro que esse enorme mercado é também muito sensível às mínimas mudanças no nível de emprego e renda, assim como em alterações na oferta de crédito, ou seja, um bom termômetro sobre o desempenho geral da economia. Na época, houve uma queda de cerca de 30% nas vendas e o setor foi um dos primeiros a anunciar férias coletivas, flexibilização de direitos e demissões, o já conhecido receituário utilizado pela burguesia para descarregar os prejuízos nas costas dos trabalhadores.

A isenção do IPI (imposto sobre produtos industrializados) promovida pelo governo para favorecer as grandes montadoras (e outras indústrias) e a volta do fluxo de capitais internacionais promovida pela política de emissão de divisas adotada pelo Federal Reserve (banco central dos EUA) e pelo Banco Central Europeu, impulsionaram uma retomada na atividade, que bateu recorde de vendas e produção de veículos em 2010, nos marcos dos 7,5% de crescimento na economia.

As montadoras iniciaram 2011 fazendo projeções recordes nas vendas, mas, apesar do crescimento no ano, o último trimestre deu início a uma queda importante na demanda por novos veículos. A tendência de queda se acentuou em 2012, e em abril os estoques acumularam o pico de 43 dias, quando o normal é que fique em torno de 25 dias. Em consequência disso, a produção no primeiro semestre deste ano apresentou queda de 8,5% (os capitalistas, em sua anarquia, pouco se importam com os empregos e os trabalhadores, e diminuem a produção para vender o que “já foi produzido”, ou seja, realizar a mais-valia, fonte do lucro). Parte não desprezível desta queda é consequência da diminuição nas vendas de caminhões. Acontece que, desde 2011, está em vigor uma lei que obriga os novos modelos a usarem motores Euro5, que reduzem as emissões de gases estufa, mas encarecem o preço final dos caminhões. Já prevendo a alteração, as fabricantes preferiram acumular a produção no fim de 2010, e agora reduzem o ritmo de produção à espera de novos benefícios da parte do governo.

O aumento no prazo de financiamento de veículos (para até 7 anos) que citamos acima, combinado às altas taxas de juros praticadas no país, começam a colocar muitos trabalhadores na situação de endividados, o que resulta em baixa no mercado de automóveis. Muitos carros comprados a prazo não serão trocados no prazo que deseja a indústria automobilística e os bancos (elevando os estoques, o que leva, pelos interesses capitalistas, à redução da produção), pois o total da dívida é na maioria dos casos superior ao preço de mercado do carro usado.

Para tentar conter o efeito de contágio que a queda na produção automotiva exerce sobre toda a economia, mais uma vez o governo do PT saiu em resgate das montadoras através de uma nova rodada de isenção no IPI a partir de junho. Os efeitos da queda no preço final dos veículos contribuíram para uma retomada das vendas, que atingiu a segunda melhor marca da história em julho, reduzindo os estoques para o patamar de 27 dias. Frente a esse cenário, é esperado que haja uma retomada na produção em agosto, revertendo por ora a tendência de queda. Contudo, muito analistas já apontam que a redução de IPI, que se encerra em 31 de agosto, cumpre apenas o papel de antecipar as compras, abrindo um buraco na demanda para o fim de 2012 e início de 2013.

A indústria automotiva sempre busca as melhores condições de adequar a produção às variações no mercado. E isso não significa outra coisa que encontrar melhores condições de descarregar seus prejuízos nas costas dos operários e operárias. Por isso é tão importante para os patrões conseguir passar banco de horas, lay-off, PDV, redução de salários e outras formas de precarização – o que eles chamam de “redução de custos”. Também por isso tantos elogios aos sindicatos governistas ligados à CUT, Força Sindical e CTB que se adequam às necessidades das empresas e fazem acordos de retiradas de direitos e salários, mantendo a classe operária amortecida com o falso discurso de manutenção dos empregos.

Frente a um cenário de aprofundamento da crise mundial, principalmente com a queda no crescimento da China e ameaça de recessão nos EUA, e também frente à maior disputa pelo mercado por parte das montadoras, os operários e operárias da indústria automotiva devem se preparar para novos e mais intensos ataques disfarçados de “reestruturação produtiva”. A GM foi só um prenúncio do que ela mesma pretende fazer nos próximos meses e do que outras montadoras farão.

GM: tirar lições deste primeiro conflito para reparar batalhas muito mais duras que estão por vir

Os operários da GM deram demonstrações de disposição de luta ao aderirem às paralisações impulsionadas pelo SMSJC, e, mais ainda, quando fecharam a rodovia Presidente Dutra. O sindicato, e sua direção, o PSTU, impulsionaram algumas paralisações e fizeram uma campanha em defesa dos empregos. Porém, como criticamos em nosso suplemento de solidariedade à luta na GM [3] , ao levantar como eixo da campanha contra as demissões o programa de “SOS emprego” e “investimento já” e ter uma estratégia de pressão ao governo Dilma, Alckmin e Cury (em busca de “negociar em melhores condições” com a GM) acabaram não contribuindo para que os operários confiassem mais em suas próprias forças. Caso fosse, poderíamos ter outro desfecho deste conflito ou pelo menos sair dele com clareza e organização superiores para novembro e para lutar contra toda a chantagem que a GM utilizará para atacar salários, bancos de horas, e os próprios empregos através do programa de demissão voluntária (que o sindicato não denuncia como “demissão disfarçada”, deixando passar sem combate vários PDVs nos últimos meses).

Este é um elemento importante do desfecho temporário que temos na GM um adiamento das demissões em massa em troca de demissão a conta gotas no PDV e ameaça de demissão em massa às vésperas do fim do ano (quando vencerá a suspensão de contratos – lay off). Com estas conquistas a patronal ganhou terreno e ainda está em posições “fortificadas” para a próxima batalha. Os metalúrgicos, por sua vez, em piores posições e com menos confiança em suas forças, mais divididos não apenas na GM de São José dos Campos entre os diversos setores de produção, mas entre as diversas unidades da empresa no estado e no país, que, com a política traidora dos burocratas sindicais da CUT e da Força Sindical, vão estimular uma “disputa” pelos “investimentos” para “ganhar a produção dos modelos”. Ou seja, ao invés de se unificarem os metalúrgicos da GM em todo o estado de São Paulo e no país, estão mais divididos para enfrentar a grande patronal e seus aliados nos governos municipais e no governo federal. Se a burocracia sindical é a principal responsável por essa situação – aceitou por anos os acordos de flexibilização da patronal, com sindicatos conciliadores e “dóceis”, e continua ajudando a patronal contra os metalúrgicos da GM de São José dos Campos –, não se pode deixar de responsabilizar a direção do SMJC e o PSTU por não ter uma política ofensiva de buscar a unidade de todos os trabalhadores da GM, se dirigindo ativamente às bases metalúrgicas de todas as plantas para que exijam de seus sindicatos a unidade para enfrentar a patronal, denunciando essas direções burocráticas por se negarem a essa unidade para ficarem ao lado dos patrões. Sem unificar todos os metalúrgicos da GM, como primeiro passo para unificar toda a categoria em São José dos Campos e no estado de São Paulo (que estão em campanha salarial unificada com Campinas, Limeira e região mas a luta da GM não “existe”), não se poderá enfrentar novos planos de reestruturação da GM e de todas as montadoras e empresas que tudo farão para jogar os custos da crise capitalista em nossas costas.

A direção do SindMetal de São José dos Campos e Região (PSTU) deveria, como mínimo, colocar como eixo da campanha salarial unificada dos metalúrgicos (CSP-Conlutas e Intersindical) a luta contra os planos de reestruturação das empresas que levam a demissões, lay off, banco de horas, PDVs e outras medidas antioperárias. Nenhuma demissão! Campanha salarial unificada, unir e coordenar todos os metalúrgicos em luta, plano de luta e pauta de reivindicações comum! Não se pode lutar seriamente por salário sem defender os empregos contra os PDVs, licenças, lay off e banco de horas! Nenhum acordo de lay off, banco de horas e retirada de direitos! Contra as demissões, redução da jornada de trabalho para 36 horas sem redução de salário e direitos! Trabalhar menos para garantir emprego para todos! Preparar e unificar todos os metalúrgicos – efetivos, terceirizados e contratados – em manifestações, paralisações, greves, piquetes, bloqueios de rodovias e avenidas para enfrentar a patronal e o governo em defesa do emprego, salário e direitos para todos, e pela revisão de todos os acordos assinados, readmitindo os demitidos, efetivando os contratados e precarizados - reduzindo a jornada para garantir emprego e salário igual para todos! Denunciar a burocracia sindical que assina acordos contra os trabalhadores e a favor da patronal e exigir, desde a base, que unifiquem a luta em defesa de emprego, salário e direitos. Que os capitalistas paguem pela crise que geraram em busca desenfreada por mais lucros!

Com um programa e um plano de luta com essas bases pode-se chegar à base dos metalúrgicos do ABC, Taubaté, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, principais estados da produção automotiva e industrial, coordenando nacionalmente a luta operária exigindo e combatendo a burocracia sindical para enfrentar os grandes inimigos – patrões, multinacionais, governos federal, estaduais e municipais. A CSP-Conlutas deveria também fazer um chamado à Anel e às organizações estudantis e de juventude do PSOL e PCB para assumir nacionalmente a campanha contra as demissões na GM, pois em novembro a patronal voltará à carga em busca de mais acordos de flexibilização e até mesmo demissões em massa. A Juventude às Ruas, composto por militantes da LER-QI e independentes, colocará mãos à obra, assim como já fez durante as últimas semanas com um suplemento especial sobre a GM e a ida ao ato convocado pelo Sindicato, que infelizmente foi desmarcado, justificado pelo locaute patronal.

Num conflito protagonizado por um dos setores da classe operária mais importantes do ponto de vista objetivo e subjetivo (pelo papel que cumpriram os metalúrgicos como ponta de lança do maior assenso operário da história do país no final da década de 70) e que assumiu proporções nacionais a ponto de obrigar até mesmo Dilma e Mantega se pronunciarem, nos parece que foi perdida uma primeira oportunidade de dar um importante exemplo para o conjunto da classe de quais respostas devem dar os trabalhadores frente à crise, alçando os operários da GM como vanguarda da luta contra os ataques que preparam o governo e a burguesia. Nos preparemos para as próximas batalhas!

[1O FAT é um fundo especial, de natureza contábil-financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico. A principal fonte de recursos do FAT é composta pelas contribuições para o Programa de Integração Social - PIS, criado por meio da Lei Complementar n° 07, de 07 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP, instituído pela Lei Complementar nº 08, de 03 de dezembro de 1970.

[2Significa um grupo restrito de empresas controlando a oferta (compra/venda) de produtos, como pode-se ver no setor bancário, onde cinco bancos controlam a maior parte do sistema financeiro do país, ou no setor automotivo, com poucas grandes marcas dominando o mercado. Em 2008, a GM foi recuperada pelo governo Obama, uma das condições impostas foi a fusão da Chrysler com a Fiat. Sergio Marchionne, chefão da Fiat e desta fusão, vem repetindo que uma indústria automotiva mundial se resumirá a seis grandes grupos industriais, com os “menores” sendo absorvidos pelos maiores ou simplesmente fechando as portas. Ele se vangloria de fazer parcerias com “concorrentes” como a Ford (na Polônia) e disse claramente que na indústria automotiva “só sobreviverão aqueles que produzirem 5,5 milhões de carros por ano. Melhor ainda se forem 6 milhões” (http://veja.abril.com.br, 12.01.2012). Ou seja, a tendência capitalista, agravada pela crise mundial histórica, é de oligpolização da indústia, com pouquíssimas indústrias dominando o mercado mundial, e com a produção localizada nos países “emergentes”, que têm mão de obra mais barata e incentivos governamentais. Porém, para concorrer “em melhores condições”, estas multinacionais exigirão, em nossos países, mais exploração dos trabalhadores, benefícios dos governos, liberdade comercial e de transferência de lucros para suas matrizes. Enfim, nenhuma preocupação com o desenvolvimento nacional e da maioria da população, apenas com seus lucros.

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