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Debates

O PSOL e a “ultra-esquerda”: duas facetas da adaptação à democracia burguesa

05 Jul 2006   |   comentários

A atual situação nacional está marcada pelo debate em torno de qual posição ter frente o processo eleitoral e da reorganização da vanguarda no final do governo Lula. A necessidade de uma política classista, que faça avançar a consciência dos trabalhadores impõe que aprofundemos a discussão em torno de duas formas de adaptação à democracia burguesa, que apesar de se expressarem de maneiras opostas têm em comum a impotência em dar uma resposta de fundo às necessidades da classe operária e do povo pobre.

A primeira delas, materializada no PSOL, expressa uma estratégia de adaptação mais ativa ao regime democrático burguês já que sua direção quer ocupar o espaço à esquerda que a ascensão do PT ao governo deixou vago.

A outra expressão, que não afeta mais a fundo a realidade nacional, são os grupos ultra-esquerdistas, que se adaptam pela via da passividade. Justificam suas posições através de concepções distorcidas dos princípios dos marxistas revolucionários. Sua política se define pelo radicalismo de forma e total esterilidade de conteúdo. È no esforço de contribuir para apreender os fundamentos destas duas vias de adaptação ao regime democrático burguês que abrimos esta discussão.

O PSOL: “via ativa” de adaptação ao regime

O PSOL surge fruto de uma primeira etapa de experiência de setores de vanguarda com o governo de Lula, vem aprofundando no último período um giro mais à direita, que tende a se agudizar conforme avança a disputa eleitoral. Este giro se materializa no programa que o PSOL levanta para Frente de Esquerda, que hegemoniza e impulsiona com o PCB e o PSTU.

Nele substitui a ruptura com o imperialismo pela defesa de uma política “soberana” , além de defender um novo pacto de “redistribuição ética” da renda; a reforma “ética” das instituições do regime democrático-burguês; uma política económica neodesenvolvimentista que combina redução das taxas de juros com traços de responsabilidade fiscal e cumprimento dos contratos. Ou seja, um programa “pseudo-nacionaldesenvolvimentista” e “ético” contraposto ao programa neoliberal “imoral e descarado” . A defesa de um programa deste tipo, moldado para respeitar os limites da democracia burguesa, torna mais clara a estratégia frente-populista da direção do PSOL, que visa “moralizar” o regime e reabilitar suas instituições após a crise do mensalão, que expós a podridão desta democracia de ricos.

Com este programa o PSOL materializa e aprofunda suas tendências regressivas de adaptação, com o objetivo de eleger uma bancada razoável nas primeiras eleições em que se apresentarão, e ampliar sua influencia política, inclusive sobre setores da burguesia descontentes com o atual governo. Dessa maneira, atuam no parlamento, e nestas eleições em particular, com uma política marcada pelo cretinismo parlamentar, ao se negarem a levantar um programa classista, que responda às demandas mais sentidas pela classe trabalhadora e o povo pobre, denunciando desde dentro as amarras impostas por este regime democrático burguês. Estas concepções são as bases para um giro à direita no terreno da luta de classes, como demonstrou a declaração assinada por todos os parlamentares do PSOL pela punição dos militantes do MLST nos acontecimentos na Câmara em junho.

A grande contradição que segue aberta é que o PSOL, e principalmente a figura de Heloísa Helena, se tornaram para importantes setores a principal referência à esquerda não só do governo petista, como do próprio regime democrático burguês. Isto torna obrigatório para todos os que se colocam no campo da revolução ter uma política capaz de dialogar com os setores que de maneira progressiva voltam seus olhos para o PSOL após a experiência com o PT, porém colocando claramente que a estratégia de promover reformas cosméticas no regime, com uma lógica de torná-lo mais “justo” , atuando no parlamento com um fim em si mesmo é incapaz de responder em profundidade aos interesses dos trabalhadores e do povo pobre.

A “ultra” e o receio de “sujar as mãos” na realidade

Se a direção do PSOL se adapta ao regime democrático burguês justamente por querer ser sua pata esquerda, os grupos ultra-esquerdistas elegem a via da passividade, evitando levantar qualquer política que possa fazer com que tenham que “sujar suas mãos” na realidade existente.

Trotsky, no texto intitulado “Os ultra-esquerdistas em geral e os incuráveis em particular” define da seguinte forma a ligação entre oportunismo e sectarismo: “A maneira de pensar oportunista, assim como a sectária, tem um traço em comum: extraem da complexidade das circunstâncias e das forças presentes, um ou dois fatores que lhes parecem mais importantes ’ e que ás vezes o são realmente ’ os isolam da realidade complexa e lhes atribuem uma força sem limites nem restrições” . Esta observação feita na década de 30 do século passado cai como luva para explicar o que há por trás do mecanismo sob o qual os ultra-esquerdistas elaboram suas análises, por vezes bastante extravagantes. Isto a despeito das diferenças existentes entre aquele período em que as pressões ao ultra-esquerdismo eram muito mais acentuadas que hoje, pois se tratava do período pré-Segunda Guerra Mundial em que a luta de classes se tornava muito mais intensa em nível internacional se comparado a esta conjuntura, na qual prima uma relativa estabilidade, sobretudo em âmbito nacional, o que evidencia ainda mais o caráter oco das posições ultra esquerdistas.

Um exemplo é o PCO, que ainda que apresente candidaturas operárias e socialistas, se negou sistematicamente a ter qualquer política ao longo de todo o processo de reorganização da vanguarda brasileira aberto desde a eleição de Lula para se ligar a esta vanguarda, se contentando em manter um discurso auto-proclamatório e uma localização testemunhal. Agora, numa tentativa de se localizar mediante a formação da Frente de Esquerda tem igualado o PSOL à oposição burguesa do PSDB e PFL . Esta é uma simplificação grosseira que distorce um elemento existente na realidade, contido na estratégia frente-populista do PSOL, para mascarar a falta de uma resposta de fundo para o crescimento da influência daquele partido não combatendo realmente a política de sua direção, e na ausência de disposição para travar um combate por uma saída classista e revolucionária junto à vanguarda, sobretudo ao PSTU (que integra a Frente a quem estamos chamando a conformar uma ala classista em seu interior). Assim, preferem deturpar a realidade para tentar encaixa-la nos seus esquemas, do que se dar a tarefa de incidir sobre ela com uma política eficaz. Como diz Trotsky no referido texto: “Não é difícil saltar por cima desta realidade contraditória apoiando-se em alguma generalização sociológica. Mas isto não muda as coisas nem um milímetro. O que faz falta é romper as dificuldades materiais mediante a ação, isto é com uma tática adequada à realidade” . Justamente o que a ultra se furta de fazer.

Mas se é possível compreender, sem concordar com a tentativa do PCO de cavar esse “espaço eleitoral” , beira o admirável (e por isso é digno de citação), pequenos grupos como a LBI. Não contente com sua política histérica com relação à Conlutas e ao CONAT, onde insistiu (veementemente) nos problemas metodológicos por não ter nenhuma diferença política de fundo com o PSTU, agora, frente às eleições, se negam mais uma vez a pensar as necessidades da vanguarda e das massas e se contenta em buscar “com maestria” cada capitulação do PSOL e do PSTU para justificar sua política de voto nulo e tentar colocar 2 ou 3 militantes em crise parasitando as organizações da esquerda. Ainda bem que aqueles que honestamente pensam em votar nulo estão longe desse raciocínio estreito (principalmente do ponto de vista revolucionário).

Sabemos diferenciar cada trabalhador e jovem que vem refletindo sobre como protestar nessas eleições dessas correntes que polemizamos nesse artigo. Por isso é que fazemos um chamado a não cometerem esses dois equívocos simétricos frente à democracia burguesa. Impulsionemos juntos uma política verdadeiramente classista nessas eleições. Uma política que negue a passividade frente à burguesia e que seja ativa, não na “revitalização” democracia dos ricos, mas no combate a ela.

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