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ESQUERDA

O PCB, seu bolivarianismo e seu chamado envergonhado a votar em Dilma : para além da miséria da política e da política da miséria

10 Nov 2010   |   comentários

"Come abacaxi, mastiga perdiz.

Teu dia esta prestes, burguês."

Vladimir Maikovsky, 1917

Partimos do pressuposto que vivemos em uma sociedade de classes. Onde os meios de produção e reprodução da vida humana (as máquinas, terras, tecnologias) estão em posse de uma minoria social. Por conseqüência disso, os trabalhadores e trabalhadoras, os despossuídos de meios de produção, necessitam diariamente vender sua força de trabalho como uma mercadoria. Esta estruturação social produz uma série de conseqüências. A burguesia, centralmente por conta do monopólio das armas, das forças repressivas, da produção e difusão ideológica, e da concentração dos meios de produção consegue impor (via repressão, enganação e consenso) sua hegemonia política e econômica. Os processos eleitorais emergem como mais um momento da produção de ilusões onde, demagogicamente, afirma-se que seriam as massas e os trabalhadores que definem os rumos políticos e econômicos do país. A impossibilidade de intervenção qualitativa do proletariado nas eleições expressa-se, por exemplo, no fato de que o processo eleitoral reserva espaço quase nulo às organizações operárias, enquanto, por outro lado, os partidos dos grandes monopólios e frações da burguesia martelam sua demagogia meses a fio, o que é facilitado via monopólio dos meios de comunicação. Porém, em meio a todas estas contradições, os processos eleitorais impõem-se como um momento em que a classe trabalhadora e as amplas massas discutem a política nacional, o que obriga os revolucionários a debaterem não só as táticas eleitorais, como as estratégias contidas por trás delas.

Sobre a tradição histórica do socialismo

Para pensarmos as eleições como parte da totalidade social, é necessário pensar também o caráter do Estado que está em disputa pelas diferentes frações de classe. Karl Marx, no artigo Glosas Criticas Marginais..., destacava que “Onde há partidos políticos, cada um encontra o fundamento de qualquer mal no fato de que não ele, mas o seu partido adversário, acha-se ao leme do Estado”. Para o teórico revolucionário o jogo parlamentar centra-se na produção de dicotomias parciais estabelecidas entre o governo em exercício e a oposição que está fora do governo. Desta forma a miséria social, a desigualdade é sempre explicada por conta da má administração do Estado burguês. Nunca é explicitado que a subsunção do proletariado pelas classes dominantes e pelo próprio Estado burguês é elemento sine qua non do capitalismo. O Estado burguês, e sua máquina eleitoral existem para manter e legitimar a dominação entre as classes sociais e a escravidão assalariada do proletariado. Nesse sentido, para os marxistas revolucionários, nenhum governo da burguesia é capaz de governar atendendo as necessidades histórico-sociais dos trabalhadores e trabalhadoras. Mas, ainda assim, o processo eleitoral nas democracias burguesas é um dos momentos em que, os trabalhadores e as massas despossuídas de meios de produção, discutem organização política e econômica da sociedade, bem como uma série de problemas nacionais. Por isso, sem nenhum traço de fetichismo parlamentar é preciso que os revolucionários apresentem uma alternativa independente dos partidos da burguesia, que dialoguem com as demandas do proletariado e, ao mesmo tempo, denunciem o cretinismo parlamentar que se nega a intervir nestes processos, para que, com isso, os trabalhadores e as massas exploradas e oprimidas avancem em sua consciência política. A necessidade de organização do proletariado em um partido comunista independente das classes dominantes é colocado por Marx e Engels desde o Manifesto do partido Comunista, onde os autores convocam os revolucionários a organizarem-se em partido comunista, que defenda o programa histórico do proletariado.

A crítica ao Estado burguês e seu regime político não pode levar ao abstencionismo

Todos os marxistas revolucionários devem partir do pressuposto de que o Estado burguês é o comitê de negociação da burguesia, como destacavam Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista. Este é, e será sempre, um instrumento de opressão de classe. O sistema eleitoral, organizado e dirigido pela burguesia e o patronato, estão a serviço da reprodução desta ordem. Ao invés de disputar cargos neste aparato, os revolucionários devem utilizar a tribuna burguesa para denunciar o sistema social da burguesia e difundir o programa comunista. Ou seja, como dizia Lenin no O que fazer?, utilizar este espaço para avançar na agitação, organização e propaganda da perspectiva revolucionária. Desde o processo eleitoral, os marxistas revolucionários devem empenhar-se para resgatar a perspectiva colocada também por Trotsky n’O programa de transição, acerca a necessidade de em todo momento atuar para “ajudar as massas no processo de suas lutas cotidianas a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista”.

A partir do texto Esquerdismo, doença infantil do comunismo, escrito por Lênin em 1920, se pôde aprofundar em grande medida a discussão em relação à participação dos revolucionários nas eleições. Neste trabalho, o revolucionário avalia que o simples fato de milhares de proletários ainda sustentarem ilusões no regime parlamentar já justifica participação do partido revolucionário nas eleições. Porém os revolucionários devem atuar nas eleições como um tribuno do povo, expondo a farsa que as eleições representam. Deve-se utilizar tal espaço para critica radial do sistema eleitoral da burguesia e do patronato, utilizando o parlamento contra o próprio parlamento. Assim, nas palavras de Lênin “os comunistas podem (e devem) travar uma luta prolongada e tenaz, sem retroceder diante de nenhuma dificuldade, para denunciar, desvanecer (...)”. Não alimentarão então nenhuma ilusão no parlamento. Com isso explicita-se que não se pode obter as demandas históricas da classe trabalhadora por meio do parlamento.

Desta forma, os revolucionários, também nos processos eleitorais, devem tomar a defesa das principais questões que mais afetam a classe trabalhadora, tal como a concentração da propriedade privada, o trabalho extenuante, as condições de habitação, transporte, saúde, educação. Assim evidencia-se que o parlamento, composto em sua maioria pelas classes dominantes e por seus representantes, não pode servir ao proletariado. Nas palavras do revolucionário russo “(...) a participação nas eleições parlamentares e na luta através da tribuna parlamentar são obrigatórias para o partido do proletariado revolucionário, precisamente para educar os setores atrasados de sua classe, precisamente para despertar e instruir (...). Enquanto não tenhais força para dissolver o parlamento burguês e qualquer outra organização reacionária, vossa obrigação é atuar no seio dessas instituições”.

Para Lênin cabe ao revolucionário “Usar o parlamento reacionário para fins revolucionários”, deixando claro para qual classe o parlamento trabalha. Com isso, explicita-se a necessidade de dissolução de tal organismo. Atuando para sua destruição, utiliza-se o parlamento contra as classes dominantes, como tribuno do povo. Nesse sentido faz-se correta a defesa de candidaturas de revolucionários, centradas sempre sob a independência de classe. No mesmo sentido é desenvolvida a orientação de Trotsky n’O programa de transição, para o revolucionário trata-se de “Olhar a realidade de frente; não procurar a linha de menor resistência; chamar as coisas pelo seu nome; dizer a verdade às massas, por mais amarga que seja; não temer obstáculos; ser rigoroso nas pequenas como nas grandes coisas; ousar quando chegar a hora da ação: tais são as regras da IV Internacional”. (p. 65).

De Marx a Lênin e Trotsky, ao mesmo tempo em que se participa das eleições é necessário manter explicito que apenas a organização do proletariado, independente das classes dominantes e seus lacaios, é que pode garantir suas conquistas. Para avançar a luta do proletariado, como já destacou Lênin no Esquerdismo..., é necessário, em todos os espaços sociais, travar a mais ferrenha guerra contra a burguesia e o patronato, isso porque a “a vitória sobre a burguesia torna-se impossível sem uma guerra prolongada, tenaz, desesperada, mortal; uma guerra que exige serenidade, disciplina, firmeza, inflexibilidade e uma vontade única”. Nenhuma ilusão na democracia burguesa. Todos os esforços, dentro e fora do parlamento, devem ser voltados contra as classes dominantes. Para Lênin tratava-se de “combinar a ação de massas fora do parlamento reacionário com uma oposição simpatizante da revolução (ou, melhor ainda, que a apóia, abertamente) dentro desse parlamento”.

Nesse sentido, para Lênin o abstencionismo parlamentar, a negação de participação nos processos eleitorais, constitui uma doença infantil que deve ser superada pelos comunistas. Segundo sua análise “A infantilidade de "negar" a participação no parlamentarismo consiste, exatamente, em que com esse método tão "simples", "fácil" e pseudo-revolucionário querem "resolver" a difícil tarefa de lutar contra as influências democrático-burguesas no seio do movimento operário e, na realidade, a única coisa que fazem é fugir de sua própria sombra, fechar os olhos diante das dificuldades e desembaraçar-se delas apenas com palavras”.

É seguindo a tradição do marxismo revolucionário que, no primeiro turno das eleições de 2010, lançamos o chamado a votar criticamente no PSTU, e em outro nível no PCO. Estas são organizações que se mantiveram independentes da burguesia. Porém, chamamos voto critico nestas organizações por avaliarmos que existem debilidades em suas propostas. Nossas críticas a estas organizações foram extensamente desenvolvidas em uma série de artigos. No segundo turno, por não ter se colocado nenhuma organização que defendam um programa socialista e de independência de classe, chamamos o voto nulo. O PCB (Partido Comunista Brasileiro), por outro lado, optou por apoiar a candidatura de Dilma Rousseff e do PT. Pretendemos agora demonstrar como esta constituiu uma estratégia equivocada, que em determinada medida contribuiu para debilitar a luta pela auto-organização e pela emancipação da classe trabalhadora.

O programa bolivariano do PCB é anticapitalista e antiimperialista?

“Aqueles que não se atrevem a mencionar as tarefas revolucionárias em alto e bom som jamais terão coragem de realizá-las”.

Leon Trotsky. Pela Quarta Internacional, 1935.

A partir destes elementos iniciais colocados por Marx, Lênin e Trotsky abriremos a polemica com o PCB (Partido Comunista Brasileiro). Inicialmente tomaremos para análise o “Programa do PCB para as eleições de 2010”, que consta no site do partido. Adiantaremos ao leitor que o programa distancia-se muito da perspectiva dos revolucionários debatidos anteriormente, abrindo mão inclusive do principio de independência de classe, capitulando ao chavismo e governos “pós-neoliberais”. Trata-se de um programa para governar um país capitalista, que, embora mova-se um pouco mais à esquerda em seu projeto, de forma alguma constitui um programa para derrubar o capitalismo.

Logo de inicio, cabe observar a caracterização que fazem das classes dominantes brasileiras. O programa professa existir uma fração da burguesia que defende “um Estado promotor de políticas compensatórias e incentivador de um “desenvolvimentismo” capaz de acelerar o crescimento capitalista e pretensamente resolver as desigualdades sociais através do ciclo virtuoso da produção, emprego, consumo”. Esta caracterização que fazem da candidata apresentada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), por sua vez, contribui para que o partido termine por encarar a candidatura de Dilma como “um mal menor” para o proletariado brasileiro (seguindo esta mesma lógica, no segundo turno, o PCB vai compor a “ala envergonhada” de apoio a Dilma, colocando como saída a consigna abstrata de “derrotá-la nas ruas”). Mesmo sabendo que tal candidatura não pode resolver as demandas das trabalhadoras e trabalhadores e brasileiros, abre-se mão da independência de classe do proletariado em relação à burguesia e seus candidatos.

Esta fração da burguesia brasileira, articulada ao redor de Dilma, este “mal menor”, segundo a visão do PCB, seria contraposta à burguesia neoliberal representada pelo PSDB, “os que defendem a ampliação das políticas neoliberais, com mais retirada de direitos dos trabalhadores, mais privatização, mais dependência do Estado ao capital financeiro internacional”. Esta contraposição entre o “mal maior” e o “mal menor” leva o PCB orientar o proletariado a ceder apoio à fração da burguesia representada por Dilma e o PT
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A estratégia do seguidismo político em relação às classes dominantes não fica restrita as fronteiras nacionais. Pois também em suas posições internacionais, o PCB tampouco prima pela independência de classe. Neste terreno o PCB levanta a política de apoio aos governos “pós-neoliberais” de Evo Morales (que se caracteriza por ter tinturas frente-populista) e, sobretudo o bonapartismo (hoje já debilitado) de Hugo Chávez. O PCB se inspira em seus projetos para elaborar seu próprio programa em âmbito partidário nacional. Com isso o partido abre mão da estratégia de independência do proletariado em relação a frações das classes dominantes. Pretende-se com esta base, com melhoras progressivas, desenvolver a democracia burguesa.

Certamente existem distinções qualitativas entre o que representa Dilma e o PT no Brasil e o que é o chavismo. O apoio à Dilma é fruto da lógica reformista de adesão ao “mal menor”. Porém, o apoio do PCB ao chavismo se dá porque o governo de Hugo Chávez é tomado como base para o projeto estratégico do PCB. Cabe a nos aqui colocar alguns elementos que contribuam para desmistificar o governo Chávez. Este apesar de ter tido tensões com o imperialismo, sobretudo na era Bush, de ter feito algumas expropriações (em que a patronal recebeu ricas indenizações) e da retórica socialista governa por meio de plebiscitos e referendos, utilizando-se de uma espécie de bonapartismo sui generis enquanto constrói um curioso “socialismo com empresários”. Para isso, Chávez ora se apóia nas classes dominantes, hora volta-se para as massas, apoiando-se nas Forças Armadas, para regatear com o imperialismo, sem romper efetivamente com o mesmo. Para verificar a centralidade que o PCB atribui ao modelo chavista em sua própria estratégia basta conferirmos seu programa nas eleições de 2010:
No plano político, os exemplos dos governos progressistas da América Latina, eleitos com o apoio de movimentos populares organizados e impulsionados por eles, têm demonstrado que há alternativas reais ao capitalismo e ao imperialismo capazes de elevar, de fato, o nível de qualidade de vida e de participação política da classe trabalhadora.
Tomando o chavismo como modelo, o PCB não se propõe ao combate imediato à propriedade burguesa, do patronato e dos ricos, que subalterniza o proletariado. Não busca atuar a partir da perspectiva revolucionária e insurrecional de tomada dos meios de produção, cassação e extirpação de todas as frações das classes dominantes. Trata-se segundo o programa, de uma “Campanha Movimento do PCB, estruturada na perspectiva de contribuir para a organização da Frente Anticapitalista e Antiimperialista”. Porém, efetivamente, o governo Chávez não pode de fato ser considerado verdadeiramente como anticapitalista, pois setores ligados ao petróleo e às grandes montadoras lucraram muito nem seus governos, chegando a ser conhecidos como “boliburguesia”. Também, não pode nem sequer ser considerado como um governo verdadeiramente antiimperialista, como ficou expresso em sua total paralisia frente ao golpe militar em Honduras em 2009.

Nesse sentido o PCB busca construir um chavismo abrasileirado, e para isso encobre os processos repressivos desencadeados por Chávez para conter o proletariado venezuelano. O governo Chávez, por sustenta-se sobre frações da burguesia venezuelana, não pode permitir que o proletariado do país se auto-organize e confronte-se com seus patrões e sua burguesia, levando suas demanda as ultimas conseqüências. Cada vez que o proletariado se levanta, Chávez se vê obrigado a sair em defesa de seus empresários aliados, como foi no caso da repressão desencadeada sobre os trabalhadores da Sanitários Maracay, em abril de 2007, momento em que o governo Chávez exigia que a fábrica fosse devolvida aos patrões. Também foram reprimidos os petroleiros da PDVSA, no dia 6 de agosto de 2007, contando inclusive com a prisão dos dirigentes sindicais Juan Cahuao, Jairo Ollarves, Aulio Soto e Francisco Villalobos. Defendendo intransigentemente os empresários aliados, Chávez, por intermédio da Guarda Nacional, atacou sistematicamente as manifestações dos trabalhadores, que lutavam por melhores condições de vida e trabalho, como se fossem “sabotadores” ou “contra-revolucionários”. A mesma política anti-proletária foi levada a cabo em relação aos trabalhadores da siderúrgica Sidor (Siderúrgica del Orinoco). Em março de 2008, os trabalhadores da Sidor desencadearam um processo grevista que durou quatro dias, mas tiveram que pagar por isso. Estes foram reprimidos com bobas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Na ocasião foram realizadas cinqüenta e três (53) prisões. Ou seja, o socialismo do século XXI de Chávez, construído com o empresariado e o patronato, e que é tomado como estratégia pelo PCB, é um governo que protege os patrões e reprime trabalhadores.

A gana do PCB por administrar o Estado burguês, o comitê de negócios da burguesia, é reafirmada logo em seguida quando diz: “O programa aponta para a construção de uma ordem institucional e política própria dos trabalhadores, capaz de impulsionar a criação de uma nova cultura proletária e popular e de contribuir para colocar o bloco proletário em movimento na luta contra a ordem conservadora”. A tarefa primeira é chegar ao poder por meio dos votos, com um programa democrático-burguês. Vejamos como o PCB, por meio da via eleitoral burguesa, pretende aplicar tal modelo no Brasil:
O PCB luta pela inversão da base do poder político atual – lastreado no domínio econômico dos grandes grupos capitalistas –, pela construção da democracia direta dos trabalhadores, com o fortalecimento do poder popular e a reformulação do sistema partidário-eleitoral atual.
Propomos a instituição de novas formas de representação direta dos trabalhadores – o Poder Popular –, que viabilizarão a mais ampla liberdade de opinião, com a participação de movimentos organizados e partidos políticos.
Entendemos ser necessárias: a reforma do sistema de representação político / institucional / partidário / eleitoral vigente, com a proposição de um Congresso Nacional unicameral, com o fim do Senado e a abertura das Tribunas parlamentares para organizações de trabalhadores e de lutas sociais; uma reforma eleitoral, com a adoção do financiamento público de campanha (...).

Esta consigna de Poder Popular é também inspiração direta do governo Hugo Chávez. Tal forma organizativa de inspiração chavista não resiste a uma análise minimante marxista. Mesmo os "círculos bolivarianos" que seriam expressão máxima do pretenso “poder popular” chavista funcionam na verdade como meras correias de transmissão da política chavista e de seu hall de empresários e patrões junto aos setores populares. Na realidade, os círculos bolivarianos, que em tese deveriam impulsionar a auto-organização destes setores, acabam por fazer garantir o poder do presidente e de seus sócios sobre a classe trabalhadora, impedindo que estas se organizem de maneira independente do governo por suas demandas mais candentes no marco da crise capitalista. Mas o PCB não vê problema algum nestes aspectos e ainda propõem em seu programa o “fortalecimento dos instrumentos atualmente existentes, como a ALBA, Banco do Sul e Unasul”. Estes organismos não passam de pactos entre as burguesias latino-americanas para garantir seus interesses. Nada tem a ver com a necessidade histórica de unidade latino-americana dos trabalhadores e dos povos subalternizados para combater o imperialismo, e sua sócia-menor, as burguesias locais. Necessitamos construir uma unidade latino-americana que dê resposta aos interesses mais sentidos dos trabalhadores e das massas espoliadas de nosso continente, está unidade só pode ser construída em combate direto às ilusões geradas pelas unidades burguesas, como o são a ALBA e a Unasul.

Apesar das diversas revisões, o PCB nunca fez um balanço sério de seu passado

O PCB segue seu curso de conciliador histórico e, quando não encontra no país uma fração burguesa “nacionalista” e “progressista” busca-as, agora, fora do Brasil, nos governos “pós-neoliberais” de Evo Morales e Hugo Chávez. Esta capitulação à frações das classes dominantes é produto direto da estratégia do PCB. Este partido de há muito – a despeito das várias revisões teórico-políticas que tenha feito – abandonou a estratégia da revolução. Se antes, na era do PCB histórico, este partido defendia a necessidade de uma revolução burguesa, o que o levava a buscas incansáveis de caudilhos pequeno-burgueses, agora, mesmo se dizendo socialista, o PCB vestindo um velho defunto defende um curioso “socialismo”, que necessita ser construído em aliança com as frações progressistas da burguesia, num já malfadado “bloco histórico”.

O PCB passou de “coveiro das revoluções proletárias” – quando tinha peso político e social no proletariado e nas massas em todo o mundo, sobretudo até os anos 60, momento em que podia esconder sua política contrarrevolucionária no biombo dos estados operários (essencialmente a URSS) – para se tornar um recriador das revoluções burguesas dirigidas por um pactuante “bloco histórico”. Em síntese, o PCB não rompeu seu curso histórico, mas adaptou-se à degeneração pró-imperialista das antigas frações “progressistas” e “nacionalistas” da burguesia e da pequena burguesia.

A grande dívida que o PCB teria que saldar junto ao proletariado – ao menos como revisão histórico-política – diz respeito às incomensuráveis traições que este partido perpetrou nos momentos em que dirigiu o movimento operário. Estas traições foram levadas a cabo repetidas vezes. Por décadas o PCB conduziu o proletariado a aliar-se aos diversos “males menores” (Getúlio, Juscelino, Jango). Ainda, para não afrontar frações da burguesia, o PCB traiu inúmeras greves, abandonando a luta pela independência política diante dos golpes militares, e levando adiante suas aventuras putchistas (como a Intentona Comunista, que impôs anos de retrocesso, perseguições, prisões e mortes para os lutadores operários e políticos). Para agir de forma conseqüente, este partido, que reivindica atuação no seio do proletariado, teria que ter feito um balanço sério de seu passado, que, infelizmente, deixou marcas profundas com qualidade de retrocessos para movimento operário brasileiro[i]. O PCB busca agora, apagando seu passado de coveiro da revolução brasileira, colocar-se com protagonista da construção de uma “revolução social”, neste ínterim procura, e ao mesmo tempo, calar-se diante dos pactos efetuados com os partidos burgueses, que remontam aos tempos da transição negociada, ajudando a renegar a memória dos que tombaram diante das forças repressivas oficiais e não oficiais do Estado brasileiro e das “frações burguesas progressistas” a quem o PCB capitulou durante toda a sua história.

O PCB e o segundo turno das eleições nacionais

Durante o segundo turno das eleições brasileiras de 2010 recoloca-se no pleito duas candidaturas burguesas. A perspectiva da existência de um “mal menor” para o proletariado na figura de Dilma leva o PCB a organizar o apoio à candidatura de Dilma. Frente a tal conjuntura retomamos o principio revolucionário de não conceder nenhum apoio às candidaturas que representam o patronato e a burguesia. Não apoiamos votos nos partidos das classes dominantes, nem no PSDB nem no PT. Para nós, seguindo a tradição dos revolucionários, a única forma possível de defender a autonomia da classe trabalhadora neste momento é votando nulo. O voto nulo é o voto contra os burgueses, os patrões e seus partidos.

O PCB tomou posição oposta. Coerente com a concepção e as propostas defendidas em seu programa para o primeiro turno das eleições de 2010, volta seu apoio à fração da burguesia que entende como mais progressista. E nesse sentido que destacamos que o PCB coloca-se como a “ala envergonhada” do bloco de apoio de Dilma. Retomando sua tradição de ruptura com o marxismo e de conciliação com as classes dominantes (dogma stalinista), este partido reformista, mesmo admitindo que ambas as candidaturas representam os interesses das classes dominantes, conclamam a classe trabalhadora (em nota oficial) a “Derrotar Serra nas urnas e Dilma nas ruas” usando para esta orientação o argumento de que “com o possível agravamento da crise do capitalismo, podem aumentar os ataques aos direitos sociais e trabalhistas e a repressão aos movimentos populares”.

Esta consigna de “derrotar Dilma nas ruas” coloca-se como uma mera forma abstrata para o PCB se “desculpar” do apoio à candidatura que representa, por fim, as classes que exploram e subalternizam, política e economicamente, o proletariado. Como derrotar Dilma nas ruas se o PCB não sequer cedeu tempo em sua campanha televisiva para dar visibilidade às lutas de classe que aconteceram no país? Além disso, o PCB “esqueceu-se” da declaração de Lula, em 2010, posicionando-se favorável ao corte de pontos dos trabalhadores em luta (USP, INSS e Judiciário), que assentou menos famílias do MST, do limitadíssimo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), engavetado para sempre pela candidata eleita (ela mesma uma vítima da ditadura militar), e ainda, que Dilma posicionou-se em rede nacional contra o direito ao aborto gratuito, legal e seguro. O que por sua vez abriu as portas para o desenvolvimento de uma onda reacionarismo no país.

Certamente o PCB não esqueceu-se destes ataques aos direitos da classe trabalhadora. Porém, a capitulação às frações da burguesia e do patronato é elemento constitutivo de sua estratégia. Basta recordarmos que o PCB, em 2002 esteve na coligação com o PT. Por fim, acabou por sair do governo sem explicar o que mudou, mesmo fora do governo, não teve qualquer plano sério para “derrotar Lula nas ruas”. A cada ato, o PCB mostra que não se pauta pela organização da classe trabalhadora de forma independente para a destruição do capitalismo – única tarefa progressista diante da decadência, cada vez maior, desse regime social – e pela construção do socialismo.

Sua incapacidade de colocar-se em luta pela construção do socialismo é reafirmada em sua opção por votar em Dilma como “mal menor” e na afirmação de que “irá às ruas” apenas se “aumentar os ataques aos direitos sociais e trabalhistas e a repressão aos movimentos populares”, ou seja, se os ataques e a repressão continuarem sendo os mesmos o partido deve se manter na inércia política. Ou seja, não se trata de buscar, por meio da atuação conseqüente na luta de classes, combatendo todas as frações da burguesia e do patronato, organizando greves, piquetes e ocupações, avançar na consciência, programa e prática para a estratégia de derrubar o capitalismo, mas de “combater seus males maiores”. Teoricamente, mesmo diante da crise capitalista mundial, não se pode descartar relativo crescimento econômico que permita ao governo Dilma manter-se demagogicamente sem “aumentar” os ataques. Frente a tal cenário o que fará o PCB? E ainda, como “derrotará Dilma nas ruas” se ajudou a disseminar as ilusões nesta?

Concretamente o PCB, ao apoiar envergonhadamente Dilma, fica detrás até mesmo do Ministério Público Federal, que está processando os torturadores da ditadura militar. O partido segue com a mesma linha de conciliação de classes que fez com que fosse o principal expoente em favor da assinatura da Lei da Anistia com o regime militar na transição. Momento em que o Deputado Federal emedebista Roberto Freire, dirigente do PCB, tornou-se o responsável pelo aval desses “comunistas” pcbistas à lei que igualava os torturados aos torturadores e assassinos. Uma vergonha histórica que o PCB não fez balanço. Por uma infinidade de elementos históricos e programáticos que compõe sua estratégia de conciliação de classes, o PCB não teve qualquer problema em manter-se com Dilma, o que por sua vez faz com que o PCB assine em baixo novamente a anistia aos torturadores e assassinos da ditadura militar-burguesa. Com apoio do PCB, os torturadores, mandantes e apoiadores da ditadura militar-burguesa podem continuar vivendo tranqüilos – como Romeu Tuma, que morreu há poucas semanas livre e impune.

Com tal posicionamento o PCB reafirma toda sua trajetória histórica de capitulação ao reformismo (que é reafirmada desde Luis Carlos Prestes, passando por Caio Prado Junior até os dias atuais). Como é constitutivo da lógica de tradição stalinista, o PCB capitula a conciliação de classes, atacando o principal aspecto da perspectiva marxista: o principio da autonomia da classe trabalhadora em relação às classes dominantes. Alimenta ainda a ilusão nas eleições burguesas com a palavra de ordem “Vote nos comunistas, eles farão a diferença”. Explicita-se aqui novamente seu o desvio teórico reformista, pois difunde para o proletariado que é possível chegar ao socialismo por meio do parlamento burguês. Com tudo o que está exposto, evidencia-se que seu programa não tem nada de comunista. O programa do PCB para 2010 centra-se na busca da conquista do governo, em assumir o “leme” do Estado burguês para democratizá-lo, mantendo suas bases estruturais. Os comunistas devem denunciar incansavelmente os partidos como este, que recorrentemente produzem ilusões no seio do proletariado. Não devem temer a guerra de classes, pelo contrário, devem preparar cotidianamente a classe trabalhadora para identificar e negar estas direções conciliadoras, preparando o proletariado para ser vitorioso nesta guerra e avançar na conquista e consolidação da emancipação humana, com abolição das classes sociais, do patronato e extinção do Estado e da burguesia.

O PCB desde a década de 1920 tem agido como o braço esquerdo da burguesia, ao longo das décadas vem organizando os trabalhadores para derrotas de classe. Também nas eleições de 2010 continua a alimentar a ilusão nos governos burgueses (como fez com Getúlio Vargas, João Goulart e em outro nível agora com Dilma), alega (corretamente) que a vitória da Serra traria ataques aos direitos dos trabalhadores, e acaba (equivocadamente) defendendo que forma dos trabalhadores precaverem-se destes ataques é apoiar a burguesia que circunscreve Dilma Rousseff!

A única forma de evitar retrocessos nas conquistas da classe trabalhadora, bem como a intensificação do privatismo, é com a organização da classe trabalhadora em um programa independente. Trata-se de lutar conseqüentemente contra os ataques que a burguesia e seus governos vêm desferindo contra o proletariado, bem como sua intensificação nos próximos períodos. O combate do proletariado deve ser direcionado marco da ampliação das suas conquistas, centrado na perspectiva de dar solução aos grandes males sociais que o assolam. Nesse sentido, lutamos pela revolução operária e socialista, destruição do capitalismo e seu Estado, para abrir caminho para as verdadeiras conquistas das massas, a independência nacional, o monopólio social da terra e dos meios de produção, uma democracia de massas, soviética, que pressupõe nenhuma conciliação com qualquer fração burguesa ou seus agentes políticos. Efetivamente nossa estratégia é antípoda a defendida pelas classes dominantes e seus representantes, são inconciliáveis. Para nós, fazem-se extremamente atuais as consignas elencadas por Trotsky n’O programa de transição, aos revolucionários, neste momento de crise estrutural do capital, trata-se de exigir um amplo plano de obras públicas de longa duração para criar empregos e distribuir moradias para o proletariado, redução da jornada de trabalho sem redução salarial, e ainda com aumento automático dos salários em relação aos preços, divisão das terras, reestatização das empresas privatizadas e dos bancos, sobre controle dos trabalhadores etc.

Não cabe aos marxistas revolucionários a capitulação e o colaboracionismo de classe expresso nas candidaturas da burguesia e da patronal. Dilma, assim como fez Lula, governará em favor dos monopólios e não para os trabalhadores. Continuará organizando os ataques contra os trabalhadores e trabalhadoras, referendando a terceirização, os empregos precários no campo e na cidade, coadunando com a morte de milhares de mulheres em abortos clandestinos, com as péssimas condições do sistema de saúde (SUS) e das escolas públicas, legitimando o limitadíssimo estatuto da igualdade racial, impedindo ainda a reforma agrária. Por tudo isto, defendemos junto aos trabalhadores, trabalhadoras e estudantes o voto nulo. Quando não se tem partidos que representem os interesses históricos do proletariado, esta se coloca com única forma possível de manter a independência de classe, alternativa que não conduz o proletariado aos grilhões enfeitados. Pois é isto que significa o apoio aos projetos das classes dominantes. Não aceitamos ceder nenhum apoio aos algozes do proletariado. O voto nulo deve expressar a defesa dos direitos democráticos dos trabalhadores e trabalhadoras, das mulheres, dos homossexuais, do povo negro e demais setores em condição de subalternização. Estes direitos não são defendidos por nenhuma das candidaturas pró-burguesas.

O exemplo dado pelos trabalhadores e trabalhadoras da França, apoiados pelos estudantes, nos apontou os caminhos para preparar a defender nossos direitos. Sua juventude e seus trabalhadores tomaram as ruas, ocuparam escolas, organizaram piquetes em refinarias e aeroportos, e enfrentam-se decididamente com o governo de Sarkozy em defesa de seu direito à aposentadoria. Sigamos o exemplo da juventude e dos trabalhadores franceses! O que garante os direitos e as liberdades dos trabalhadores não é o parlamento, mas sim a auto-organização do proletariado por meio de seus métodos históricos de luta (paralisações, greves, piquetes, ocupações, expropriações e greve geral insurrecional). Trata-se de resgatar os sindicatos nas mãos da burocracia sindical governista e pró-patronal, transformando-os em escolas de guerra de classe. E ainda de construir um partido revolucionário como fez Lênin e Trotsky.

Preparar o proletariado para o novo período de luta de classes

Com a crise do Lerman Brother, em 2008, entramos em uma nova fase da luta de classes em nível mundial. No primeiro capitulo da crise capitalista mundial, os governos imperialistas fizeram com que os Estados assumissem as dividas das grandes empresas e multinacionais. Com isso, tanto na Europa, como nos EUA, China, etc., os Estado estão endividados. Por conseqüência disso, agora os Estados necessitam aplicar planos de enxugamentos de gastos. Segue-se com isso uma série de reformas procapitalistas, que atacam diretamente os direitos trabalhistas e os empregos. Busca-se descarregar os efeitos da crise sobre a classe trabalhadora mundial.

No Brasil, por conta de uma série de fatores (que vão desde a conjuntura do período anterior, tangido por um ciclo de crescimento da economia mundial, passando pela diversificação das exportações brasileira, até a reprimarização da economia), a crise capitalista chegou com menos força. Ainda assim, trata-se de um país dependente da economia dos países imperialistas. Assim, também no Brasil, a crise capitalista vai cobrar seu preço, sobretudo no período pós-eleitoral. No próximo período deve-se agravar a crise fiscal do Estado, bem como a crise decorrente da dificuldade de realização dos lucros da burguesia. A tendência colocada ao país é de uma nova onda de ataques a classe trabalhadora. Desta forma, é necessário preparar, desde já, o proletariado e demais lutadores para resistirem aos ataques do Estado burguês e das classes dominantes e lutar pela construção do socialismo. Nesse sentido, os revolucionários não devem alimentar qualquer ilusão em relação ao governo de Dilma e do PT, pois são representantes diretos da burguesia, que legislam contra os interesses históricos dos trabalhadores e trabalhadoras. É necessário defender o principio marxista de que a classe trabalhadora só pode confiar em suas forças para a transformação da sociedade. Cabe aos militantes, correntes e partidos que reivindicam o socialismo, levantar uma ampla campanha contra a burguesia, o patronato e seus representantes.


[i] Ver O processo revolucionário que culmina no golpe de 64 e as bases para a construção de um partido revolucionário no Brasil na Revista Estratégia Internacional Brasil – 02.

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